futuro é coletivo

Sem escola, quilombo Ariramba segue na luta por educação libertadora

Quilombolas encontram dificuldade para ter acesso ao ensino básico e fundamental

Fernanda Frazão
Fernanda Frazão
Enquanto crianças viajam seis horas de barco, adolescentes têm que se mudar para cidade vizinha e ter acesso ao ensino médio

São Paulo – Ficar em um barco por seis horas, todos os dias. É dessa forma que as crianças da comunidade quilombola Ariramba, entre o os municípios de Oriximiná e Óbidos, no Pará, se esforçam para ter acesso ao ensino básico e fundamental – isso quando a seca do rio não impossibilita as travessias. Aos jovens, o que resta é se mudar para a cidade vizinha para frequentar as escolas do ensino médio ou, através das cotas,  ingressar na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

Eudicéia Oliveira Pereira passou por essas dificuldades quando estudava e conta que passava o dia inteiro fora de casa, mesmo sem estudar em tempo integral: “Eu e os meus irmãos acordávamos às 3 horas e chegávamos em casa às 20 horas”. Para quem cursa o ensino médio, a solução mais comum para os estudantes quilombolas é se mudar para Oriximiná, gasto que nem todas as famílias conseguem arcar.

Para tratar da comunidade, foi lançado o documentário Quilombo Ariramba, produzido pela UNI Amazônia com a O2. O curta-metragem traz a história do quilombo, a produção da farinha de mandioca e, principalmente, a luta por uma educação dentro do território. Até hoje, os Arirambas não possuem uma escola. “A gente precisa de uma educação que liberta e isso, dentro de um território quilombola, tem que vir em uma lógica de educação voltada para eles”, afirma o professor Marcelino Conti, diretor da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Inez Nunes de Oliveira, representante dos jovens do quilombo, explica como é fundamental uma escola dentro da comunidade. “É muito distante ir para outro lugar estudar. Esses alunos precisam ter um conhecimento do que é o quilombo. Os jovens querem estudar, se formar e voltar à comunidade”, acrescenta.

O professor Luiz Fernando da França, da Ufopa, que leciona um cursinho para a comunidade, acredita que a educação para quilombolas é uma política de reparação histórica. “A educação precisa ser uma política de reparação e retire essas pessoas do silêncio, porque o quilombola passou a acreditar em cursos que não eram para ele.”

Amazônia

A Ufopa tem um vestibular especial para os quilombos, onde eles fazem uma prova específica de língua portuguesa com questões discursivas e objetivas baseadas em textos sobre a cultura quilombola, território, identidade, elementos ligados à história dos quilombolas no Brasil, na Amazônia e no Pará. Para todos os cursos da universidade são oferecidas, em média, duas vagas para estudantes de comunidades quilombolas.

Segundo dados da instituição, até 2018, 737 alunos ingressaram na universidade por meio dos processos seletivos especiais, sendo 487 indígenas e 250 quilombolas. A fim de ajudar o desempenho dos estudantes da região, desde 2015 é oferecido o cursinho quilombola, uma iniciativa voluntária que hoje faz parte do processo institucional da universidade. As aulas têm ênfase em leitura e interpretação de textos sobre história, cultura e território quilombola.

Entretanto, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, 96 bolsas estudantis, voltadas às comunidades quilombolas, foram suspensas sem nenhum previsão de retorno. Segundo a pesquisa de mestrado de Terezinha Pereira, realizada na mesma Ufopa, o auxílio financeiro do Ministério da Educação (MEC) é fundamental para garantir a permanência desses estudantes na Universidade.

Apesar de ter o sonho afetado, Eudicéia diz que pensa em desistir, pois se inspira em sua própria história e na de outros tantos jovens quilombolas que lutam todo dia pelo direito constitucional ao acesso a educação no país. “Quando eu olho para trás, é isso que me dá força”, finaliza.