DISTORÇÃO

Brasil destina R$ 85 bi de subsídios aos combustíveis fósseis e não discute alternativas

Valor de 2018 apurado por pesquisa mostra que 73% vão para o consumo, enquanto empresas deixam de contribuir para a seguridade social, que financia as aposentadorias

arguivo abr
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Transporte rodoviário de cargas é excessivo no país, o que cria dificuldades logísticas para o crescimento da economia

São Paulo – O cenário do uso de combustíveis fósseis no Brasil revela o quanto a sociedade e o governo ainda estão distantes de adotar políticas ambientais efetivas no país. Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira (17) sobre subsídios aos combustíveis fósseis mostrou que em 2018 esse montante financeiro ficou em R$ 85 bilhões no país, com a maior parte, ou R$ 62,24 bilhões (73% do total), direcionada para o consumo, enquanto R$ 22,89 bilhões representaram as renúncias fiscais em favor dos produtores de petróleo, carvão mineral e gás natural.

Esses R$ 85 bilhões são 2,8 vezes o orçamento anual do Bolsa Família; são também duas vezes o orçamento de um ano do seguro-desemprego, de R$ 40,6 bilhões; ou ainda 24 vezes o orçamento de um ano do Ministério do Meio Ambiente, de R$ 3,49 bilhões. Em suma, são recursos que seriam fundamentais para promover políticas públicas efetivas, que tenham como alvo os benefícios sociais e ambientais.

A pesquisa foi realizada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). “Queremos ampliar o debate sobre a necessidade de tantos subsídios, sobretudo neste momento em que a economia passa por graves problemas, o corte dos gastos públicos virou pauta recorrente na política e o mundo assiste aos impactos sociais e ambientais causados pelos combustíveis fósseis”, afirma a pesquisadora Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

Esses dados se tornam ainda mais preocupantes frente ao perfil da matriz de transportes de cargas no país, com uma taxa de dependência rodoviária única no mundo. Segundo números da Confederação Nacional de Transportes (CNT) de 2013, essa dependência chega a 61% no país, enquanto o ferroviário detém meros 20%, marcando uma relação que deveria ser exatamente oposta, com predomínio do modal ferroviário se houvesse preocupação em atender os interesses da sociedade, em vez de apenas a indústria automotiva.

Nos Estados Unidos essa relação é de 32% para o modal rodoviário e de 43% para o ferroviário; na Rússia, de 8% para o rodoviário e 81% para o ferroviário. Números de outros países ainda mostram que só mesmo o Brasil tem uma dependência de 61% no transporte rodoviário de cargas.

Dinheiro da seguridade social

No caso dos subsídios voltados à produção de combustíveis fósseis, estão os regimes tributários especiais, com destaque para a suspensão da cobrança de impostos como IPI e PIS/Cofins às empresas beneficiárias do Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural (Repetro).

“Importante lembrar que a aprovação do regime tributário especial para as petroleiras e a renovação do Repetro ocorreram no contexto de grande produção no Pré-Sal, beneficiando não apenas a Petrobras, como também as empresas estrangeiras”, alerta Alessandra. Outro fato é que essas contribuições como PIS/Cofins são destinadas ao financiamento da seguridade social no país, da qual as aposentadorias, alvo do governo com a reforma Previdenciária, fazem parte.

Com base no estudo, o Inesc propõe a elaboração de uma lei que torne pública quais empresas se beneficiam de renúncias e seus valores; e com a sociedade, propõe a discussão sobre a relevância dos subsídios aos combustíveis fósseis. Na divulgação da pesquisa a entidade destaca que precisaria haver um “acordo para o estabelecimento de uma metodologia de mensuração desses subsídios; e a divulgação das informações sobre tipos de renúncias, como o Repetro; ou ainda participação das discussões sobre o tema no G20.

“Hoje sabemos muito pouco sobre quem recebe os subsídios e quais os valores recebidos por eles. O sigilo sobre eles impede a sociedade de saber se os benefícios prometidos estão sendo efetivos e se valem a pena. Trazer esses números à tona é evitar a corrupção, combater os privilégios, diminuir a injustiça e reduzir as desigualdades no Brasil”, defendeu a entidade no relatório de divulgação da pesquisa.