Sororidade

‘Torre das Donzelas’ retrata o afeto como forma de resistência durante a ditadura

Documentário premiado reconstrói presídio Tiradentes, onde mulheres, entre elas a ex-presidente Dilma, foram mantidas como presas políticas

Reprodução/RBA
Reprodução/RBA
Memória: filme recria espaços do presídio Tiradentes, demolido em 1972

São Paulo – Estreia nesta quinta-feira (19) o documentário Torre das Donzelas, dirigido pela cineasta Susanna Lira, que resgata a história das mulheres detidas durante a ditadura na ala feminina do presidio Tiradentes, que ficava na região central de São Paulo. No filme, a “torre” foi recriada cenograficamente para que as presas políticas pudessem relatar os momentos passados ali. Para além da opressão, elas também contam como se formou uma rede de afeto entre as prisioneiras.

O longa começou a ser produzido há sete anos e chega aos cinemas no momento em que o país volta a enfrentar a censura e a perseguição política, estimuladas, direta ou indiretamente, pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PSL), saudosista dos militares no poder. O filme foi vencedor do Prêmio Especial do Júri no 51º Festival de Brasília.

“Ficaria muito contente que fosse apenas um filme de memória. Por outro lado, a gente está precisando de mensagens que renovem a nossa força para lutar. O filme traz isso, uma força sobre momentos difíceis em que a gente praticamente não vê solução. Essas mulheres dão uma lição, de que a gente tem que resistir e lutar pela democracia e pela liberdade, todos os dias. Não podemos abrir mão disso”, afirma Suzanna em entrevista à jornalista Marilu Cabanãs, para o Jornal Brasil Atual.

A ex-presidenta Dilma Rousseff esteve entre as prisioneiras da Torre, e participa do filme. Segundo a diretora, o que mais lhe chamou a rede de afeto criada entre as mulheres ali presas foi o exemplo de resistência coletiva e sororidade. “Num dos primeiros encontros que tive com essas mulheres, elas falaram muito da alegria como forma de resistência. Até mesmo a vaidade e o autocuidado também eram vistos como forma de resistência. Elas diziam ‘o inimigo quer a ver gente triste e destruída. A gente não pode se mostrar dessa forma. Pode parecer uma coisa superficial, mas para elas era um momento de força. Elas cuidavam umas das outras.”

Esse é uma das mensagens que a diretora quis passar e que serve para o atual momento. “As pessoas entraram numa coisa de individualista. Esse modelo de convivência da Torre das Donzelas é muito importante para os dias de hoje, porque recupera a luta coletiva. A gente tem que lutar pelas mulheres, pelos negros, os LGBTs, todos que sofrem com a perda de direitos.”

O documentário também é um esforço de preservação da memória histórica, já que o presídio Tiradentes foi derrubado, em 1972, para a construção de uma linha do metrô. “A ditadura apagou esses espaços de memória, diferentemente de outros países da América Latina, como Uruguai, Argentina, Chile, que preservou esses espaços. O Brasil não tem isso. É como se essas pessoas nunca tivessem existido. (Foram) milhares de pessoas que morreram ou que estão desaparecidas até hoje”, diz Susanna.

Ouça a entrevista na Rádio Brasil Atual