Resistência cultural

Trabalhadores estreiam ‘Morte e Vida Severina’ no Armazém da Utopia, em meio a ameaças de despejo

Peça teatral, que será exibida nesta sexta (6), às 20h, foi garantida após decisão judicial. Espaço cultural na zona portuária do Rio de Janeiro está ocupado desde 2010 e é reconhecido como patrimônio imaterial, mas é alvo de concessionária

Thiago Gouvea/Armazém da Utopia
Thiago Gouvea/Armazém da Utopia
Suspensão do despejo nesta quinta (5) foi recebida pelos trabalhadores do Armazém da Utopia como uma "vitória parcial". "Isso nos dará força para a luta", destacaram

São Paulo – Decisão da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) garantiu a estreia da peça Morte e Vida Severina no Armazém da Utopia, zona portuária, no centro do Rio, nesta sexta-feira (6). Espaço cultural criado em 2010, reconhecido em lei municipal e patrimônio imaterial do estado, o local é alvo de ações de despejo há anos desde que a zona portuária, que pertence à União, foi cedida à concessionária Pier Mauá. 

Às vésperas da estreia do espetáculo, a companhia Ensaio Aberto, responsável pela gestão do espaço, foi novamente surpreendida, ontem (4), com um mandado de desocupação voluntária, movido pela concessionária. A ordem de despejo estava prevista para ocorrer hoje, a partir das 6h. Mas foi barrada pelo desembargador Fernando Cerqueira Chagas, que acolheu recurso da Companhia Ensaio Aberto e suspendeu os efeitos da decisão judicial anterior. 

“A Lei Estadual nº 9.441, de 25 de outubro de 2021, declarou a condição de patrimônio imaterial cultural do Armazém da Utopia”, o que recomenda uma reflexão apurada em relação ao alcance dos efeitos sociais e urbanísticos dela decorrentes. Ademais, há inegável risco de indevido desalijo”, justificou o magistrado ao anular provisoriamente o despejo.

‘Vitória parcial’

A notícia foi recebida por volta das 22h de ontem pelos trabalhadores do Armazém da Utopia que celebraram a decisão, mas como uma “vitória parcial”. Desde as primeiras horas de hoje, os artistas e ativistas da cultura popular estão em estado de vigília no local para impedir “alguma ação ao arrepio da lei”, como descreveram em suas redes sociais. De acordo com a Companhia Ensaio Aberto, apesar da vitória e da manutenção da exibição da peça teatral, os ataques “foram prejudiciais à semana de estreia e aos trabalhadores e trabalhadoras do espetáculo Morte e Vida Severina; entretanto, somos uma companhia militante. Isso nos dará força para a luta”, destacaram.

À RBA, a assessoria do Armazém da Utopia explicou que o espaço cultural é “constantemente ameaçado por estar em um lugar que gera muita renda. Há muitos eventos (na região portuária). E aquelas instituição não são a favor da cultura e o trabalho do Armazém da Utopia é totalmente diferenciado, um trabalho vinculado a editais que não têm cunho comercial no molde que o Pier Mauá tem, que é um caça-níquel. O Armazém da Utopia tem outro perfil, que é a economia criativa. E acaba indo contra os interesses desse público que usa os recursos (judiciais) que têm”, observam. 

Função social

A concessionária Pier Mauá, responsável pela ação de despejo, é também a gestora do Terminal Internacional de Cruzeiros do Rio de Janeiro, do Prédio do Touring e do Espaço Mauá. Assim como de cinco armazéns com mais de três mil metros quadrados e um espaço externo com outros 8 mil metros quadrados. Nesses locais, é comum a realização de grandes feiras e eventos, como o Veste Rio, evento oficial da moda carioca, entre outros. A reportagem procurou pela concessionária Pier Mauá para questionar sobre os pedidos judiciais de desocupação. Mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.

O Armazém da Utopia defende, contudo, uma função social para o patrimônio histórico da capital fluminense. Em entrevista à TVT, em 2015, o diretor do espaço cultural, Luiz Fernando Lobo, contou que quando o local foi ocupado, há mais de 10 anos, o armazém portuário estava completamente abandonado. “Era um ninho de pombos, rato, percevejo. E a gente aos poucos limpou e deixou como você está vendo (reestruturado) e cheio de gente sobretudo”. 

A batalha de movimentos sociais e da militância garantiu a concessão do espaço cultural à Companhia Ensaio Aberto por 30 anos. E desde então, além de ocupar os cerca de 5 mil metros quadrados do armazém portuário com arte, o instituto vem formando inúmeros profissionais para diversas áreas. Mas não sem obstáculos. Em 2016, o Armazém da Utopia foi novamente alvo de uma ação de reintegração de posse e chegou a ser lacrado pela polícia portuária. A medida foi revertida, mas o assédio segue presente até hoje. Assim como também a luta dos trabalhadores do espaço cultural. “Resistiremos”, ressaltam. 

A peça

Com a suspensão do despejo, a estreia de Morte e Vida Severina está mantida. O espetáculo ficará em cartaz até dia 6 de junho, com, ao todo, 20 sessões gratuitas. O espetáculo da Ensaio Aberto traz para cena a clássica obra do poeta e dramaturgo João Cabral de Melo Neto, que em 1966 foi adaptada por Chico Buarque.

De acordo com o diretor, a ideia de recriar a peça é para mostrar que “os Severinos de hoje estão em toda a parte”. “Nós ainda acreditamos que os artistas não podem desprezar a realidade dolorosa que os cerca”, destacou Lobo. O espetáculo, que contará com músicas de Chico Buarque, tem direção musical de Itamar Assiere. A peça também conta com um coletivo de mais de 20 atores e atrizes e quatro músicos em cena. Os ingressos estão sendo disponibilizados em lotes virtuais pelo site da Sympla, clique aqui.

Serviço

Peça Morte e Vida Severina, estreia nesta sexta (6)

Sextas, sábados, domingos e segundas | 20h

Abertura da casa: uma hora antes do início do espetáculo

Classificação indicativa: livre

Capacidade: 256 lugares

Duração: 90 minutos


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