Travessia

Milton Nascimento se despede do palco, mas seguirá soltando a voz nas estradas e bailes da vida

Artista confirma que fará turnê de despedida ao longo deste ano. E continuará compondo e cantando

Reprodução Facebook/Montagem RBA
Reprodução Facebook/Montagem RBA
Chico, Elis, Tom, Márcio Borges, Criolo: caminho de amizades e parcerias

São Paulo – O cantor e compositor Milton Nascimento, “o mais mineiro de todos os cariocas”, confirmou neste final de semana que fará nos próximos meses sua turnê de despedida. A última sessão de música terá 17 shows até 13 de novembro, duas semanas depois de Milton completar 80 anos. O anúncio foi feito por meio de redes sociais. Mas ele afirmou que continuará compondo e cantando, sem subir mais aos palcos. São mais de 40 discos gravados, cinco premiações do Grammy e uma carreira que rapidamente se internacionalizou, na onda original vinda do Clube da Esquina, movimento surgido em Belo Horizonte.

Milton tocava na noite e não pensava em ser compositor, até que foi assistir Jules e Jim, de François Trufffaut, com o amigo Márcio Borges. Encantaram-se a tal ponto que viram o filme em todas as sessões daquele dia. À noite, nasceram três músicas (NovenaGira Girou e Crença).

Três canções no festival

E ele ainda estava por aí, tocando, quando se encontrou em São Paulo com o maestro Agostinho dos Santos, um de seus ídolos. Tocou Morro Velho para ele, e deixou o músico emocionado, como já havia acontecido em um encontro na casa do empresário Guilherme Araújo, na presença de Elis Regina, Ronaldo Bôscoli e Zuza Homem de Mello.

Resumindo a história, sem que Milton Nascimento soubesse, Agostinho inscreveu três de suas músicas no II Festival Internacional da Canção Popular, da TV Globo, em 1967: Maria, minha fé, Morro Velho e Travessia (esta em parceria com Fernando Brant, que inicialmente ficou com vergonha de mostrar ao amigo a letra, inspirada em um rompimento amoroso).

Seis álbuns marcantes lançados por Milton, entre dezenas, ao longo de mais de cinco décadas de carreira do ‘mais mineiro dos cariocas’ (Reprodução/Montagem RBA)

Duas foram para a final, em 22 de outubro de 1967, apenas quatro dias antes de Milton completar 25 anos. Morro Velho ficou em sétimo lugar e Travessia, em segundo. A campeã daquele festival foi Margarida, de Gutemberg Guarabira, que depois faria trio famoso pelos rocks rurais (Sá, Rodrix e Guarabira) e, adiante, dupla perene com o parceiro Sá.

Elis, para sempre

Milton estava definitivamente na estrada. Lançou seu primeiro disco naquele ano. Começou a conhecer artistas da América do Sul, África, Estados Unidos. Fez em 1974 um show sempre lembrado no Teatro Municipal de São Paulo, e visado pela censura, o Milagre dos Peixes, com o grupo Som Imaginário. Já havia gravado, em 1972, um álbum que acaba de ganhar votação como o mais importante já lançado no Brasil. Listas são sempre questionáveis, mas o Clube da Esquina é de fato um de seus trabalhos mais marcantes.

Entre suas amizades, além da turma de Minas, como Brant, Ronaldo Bastos, Lô e Márcio Borges e Beto Guedes, uma especial foi Elis Regina, que Milton conheceu ainda em 1961. Anos depois, Elis gravou Canção do Sal. E é sempre lembrada, entre outras, pela interpretação de Canção da América. Quando a cantora morreu, em janeiro de 1982, um comovido Milton cantou na catedral da Sé, em São Paulo, em memória da amiga.

Com alguns problemas de saúde, Milton saiu do Rio, onde morava e nasceu (foi criança ainda para Três Pontas), e se encontra há alguns anos em Juiz de Fora. Foi ficar mais perto de Augusto, filho adotivo. Faz parte de uma geração surgida no que se chamou “era dos festivais” – Caetano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo, também completam 80 neste ano. Chico Buarque fará 78 no próximo mês. Todos continuaram e solidificaram o caminho da música brasileira.

Despedida só dos palcos, ressalta Milton Nascimento. “Da música, jamais.”

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