Despedida

Elza Soares, 91 anos, ‘cantou até o fim’

Cantora e compositora com 60 anos de carreira morreu na tarde desta quinta de causas naturais, segundo nota em rede social

Marcos Hermes
Marcos Hermes
Apresentação de Elza Soares no Sesc Santos, em 28 de janeiro de 2019

São Paulo – A cantora Elza Soares morreu aos 91 anos nesta quinta-feira (20), no Rio de Janeiro, no dia de São Sebastião, padroeiro da cidade. Segundo informação publicada pela conta oficial da cantora no Instagram, Elza morreu de “causas naturais”, às 15h45. Nascida em 13 de junho de 1930, no Rio, a cantora lançou cerca de 40 discos em 60 anos de carreira e ganhou mais de uma dezena de prêmios. Por força do destino, Elza morreu em um mesmo 20 de janeiro que levou o craque Mané Garrincha, em 1983, então com 50 anos. Ela viveu uma duradoura, apaixonada e tumultuada relação com o jogador. Separaram-se definitivamente em 1977.

Sua história foi duas vezes tema de enredo de escolas de samba e várias vezes celebrada em desfiles de blocos. Entre elas, pelo bloco paulista de mulheres percussionistas Ilú Obá de Min, e em 2020, pela carioca Mocidade Independente de Padre Miguel. O corpo de Elza será velado no Teatro Municipal do Rio.

Ao longo da vida, sobretudo nos últimos anos, a cantora dedicou sua voz a causas sociais, raciais e feministas. Um de seus últimos trabalhos foi o disco Deus é Mulher. Por isso, em 2019, Elza recebeu título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Assim, foi a primeira vez que uma artista mulher e negra recebeu essa distinção na universidade. Elza é uma das lendas da canção brasileira e uma das vozes mais eloquentes na luta contra o preconceito, a discriminação e o racismo.

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O texto de apresentação de Deus é Mulher é da feminista e pesquisadora Djamila Ribeiro. “Vemos uma Elza Soares cantando a partir de um lugar potente, num elo com as gerações mais jovens”, ela escreve. “Fiquei particularmente tocada em ver uma mulher como ela, uma das maiores cantoras brasileiras, rompendo com silêncios históricos. E assim emprestando sua voz para amplificar as nossas. Uma generosidade para quem ainda precisa se calar perante a vida. Elza fala por milhares, canta a liberdade”, afirmou Djamila.

Orgulho e missão

“É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais. Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve vida apoteótica, intensa. Emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim”, informa a nota publicada no Instagram e no Facebook, assinada por Pedro Loureiro, Vanessa Soares, familiares e equipe da artista.

Em março do ano passado, Elza Soares comemorou ao tomar a segunda dose da vacina contra a covid-19. E ao mesmo tempo lamentou por tanta gente que morreu sem receber a imunização em tempo. “Essa doeu! Não na carne, mas no peito. Doeu e dói, quando penso nas pessoas que não terão a mesma chance de tomar a vacina a tempo. Quantas famílias sonharam com essa cena, mas não deu tempo. Queria comemorar (a segunda dose), mas não seria justo. Meu coração tá com vocês.”

Em 2016, aos 85 anos, ela desfilou por uma hora com o bloco Ilú Obá de Min, conduzida pelo centro de São Paulo. “Ser negra, mulher e brasileira é para mim um grande orgulho e minha maior missão. Que todas as mulheres sejam homenageadas. Somos a grande força do mundo e nosso caminhar é sagrado. Me sinto pequena quando recebo homenagens, mas esta me faz gigante, pois é a celebração de toda mulher brasileira. Todo meu amor e axé para as mulheres do Ilú”, disse.


Entrevista exclusiva – Os poderes de Elza, do samba ao punk, do morro ao mundo. Protagonista de uma história de sobrevivência Elza Soares sustenta em sua voz a força para construção de um mundo sem machismo e sem racismo. Revista do Brasil, edição 114, fevereiro de 2016


Casamento com Garrincha

Elza Soares e Garrincha viveram união intensa e conturbada. A cantora e o ídolo do Botafogo e da seleção brasileira se conheceram durante a Copa de 1962, no Chile. Tiveram juntos o filho Manoel Francisco, morto aos 9 anos em 1986, em acidente de carro. Além de Garrinchinha, a cantora perdeu outros três dos oito filhos que teve. Dois deles, ainda recém-nascidos e ainda sem receber nomes, e Gilson, aos 56 anos, vítima de complicações de infecção urinária. Além disso, chegou a entregar outro filho, Gerson, para adoção, porque não tinha condições de criá-lo. E chegou também a ter uma filha, Dilma, sequestrada pelo casal que cuidava com 1 ano de idade em 1950. Após o reencontro com a filha, 30 anos depois, a mãe acabou perdoando o casal, já que ela foi bem cuidada.

Garrincha e Elza Soares namoraram por quatro anos até oficializar o relacionamento. Com a morte da mulher anterior do jogador, Elza adotou as seis filhas dele com a ex. A união do casal resistiu a muitos anos de brigas, causadas pelo alcoolismo do craque, além de perseguições da imprensa moralista. E até mesmo de apoiadores da ditadura e de órgãos de repressão, devido à simpatia da cantora por Juscelino Kubistchek na ocasião do golpe de 1964. No ano seguinte, JK tentaria a Presidência e era favorito na eleição que não houve, mas teve de se exilar. Elza também apoiou João Goulart e, por isso, sofreu ameaças. Agentes chegaram a invadir a casa onde ela e Garrincha moravam, meses depois do golpe que depôs Jango.

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Elza no Festival Latinidades, de 2014. (Foto: C BY SA Fora do Eixo)