Caetano Veloso voltou ao Brasil há 50 anos, mas ecos da ditadura ressoam com o atual governo
Em 11 de janeiro de 1972, compositor encerrava dois anos de exílio, ao lado de Gilberto Gil. Hoje, são vozes críticas ao atual titular do Planalto
Publicado 11/01/2022 - 16h23
São Paulo – Ouça bem: você vai saltar do avião no Rio, todas as pessoas vão sorrir para você, disse João Gilberto a Caetano Veloso, ao convidá-lo para participar de um especial de TV. Receoso, Caetano explicaria no telefonema recebido tarde da noite que já tivera transtornos quando foi autorizado a viajar ao Brasil para o aniversário de seus pais. Assim como Gilberto Gil, ele estava morando em Londres, depois de serem presos e forçados pela ditadura a deixar seu país natal. O retorno definitivo completa 50 anos nesta terça-feira (11), quando Caetano e Dedé, com quem era casado, desembarcaram no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro: eram 7h30 de 11 de janeiro de 1972. O artista lembrou do fato em suas redes sociais.
Pouco antes disso, Caetano havia aceitado o convite (“Não me dava o direito de descrer da palavra de João”) para participar do especial, juntamente com Gal Costa. O fato de ele não ter sido incomodado ao chegar o animou para planejar sua volta definitiva ao Brasil, o que se concretizou no verão de 1972.
Do aeroporto, naquele 11 de janeiro, Caetano rumou quase diretamente para o palco, para apresentar o show do álbum Transa (gravado em Londres em 1971), no Rio, São Paulo, Recife e Salvador. O amigo Gil voltaria quase na sequência. Chico Buarque já havia retornado, em 1970 – fazendo barulho, como Vinícius de Moraes havia recomendado. Geraldo Vandré ficou mais tempo fora e só pisou novamente no Brasil em julho de 1973. A ditadura estava em seu momento de maior repressão e violência, exatamente no intervalo entre o AI-5 e o início da chamada abertura. O “meio do túnel”, como alguns definiram.
Caetano e Gil foram presos em 27 de dezembro de 1968, em São Paulo, onde moravam. Foram levados de carro por policiais até o Rio de Janeiro. Lá, passaram por interrogatórios obscuros, tiveram o cabelo cortado e até ficaram em solitária, antes de ir para a Bahia. Até que surgiu a “solução” dos militares de mandá-los para fora do Brasil. “Depois de passar quatro meses confinados em Salvador, Gil e eu fomos convidados a deixar o país”, escreveu Caetano em seu livro Verdade Tropical. Eles foram autorizados a fazer um show (que ganharia o nome de Barra 69) para arrecadar fundos. Foi quando Gil estreou a recém composta Aquele Abraço, concebida em alguma unidade militar.
O desembarque foi em Lisboa. De lá, para a França, onde foram apresentados a Violeta Gervaiseau, irmã de Miguel Arraes, até a parada final em Londres. Na capital inglesa, além de todo o contato com a cultura pop do período, eles receberam visitas como a de Roberto Carlos. O astro da Jovem Guarda fez Caetano chorar ao cantar As curvas da estrada de Santos. Tanto que o baiano foi assoar o nariz no barra do vestido de Nice, com quem Roberto era casado. Tempos depois, sensibilizado, ele compôs Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, já imaginando o retorno de Caetano Veloso ao Brasil.
Todos os artistas voltaram, muitos ficaram pelo caminho, a ditadura acabou, mas o Brasil tem hoje no poder um entusiasta do regime autoritário. Caetano Veloso é uma das vozes críticas ao atual governo. Como em Não vou deixar, faixa de seu novo álbum (Meu Coco).
É muito amor, é muita luta, é muito gozo
É muita dor е muita lida
Não vou deixar, não vou
Não vou deixar você esculachar
Com a nossa vida
Quarenta anos atrás, ele dizia em Nu com a minha música: “Vejo uma trilha clara/ Pro meu Brasil/ Apesar da dor”.