Atento e forte

Caetano Veloso voltou ao Brasil há 50 anos, mas ecos da ditadura ressoam com o atual governo

Em 11 de janeiro de 1972, compositor encerrava dois anos de exílio, ao lado de Gilberto Gil. Hoje, são vozes críticas ao atual titular do Planalto

Reprodução Facebook
Reprodução Facebook
Em 'Não vou deixar', incluída no novo álbum, compositor manda recado

São Paulo – Ouça bem: você vai saltar do avião no Rio, todas as pessoas vão sorrir para você, disse João Gilberto a Caetano Veloso, ao convidá-lo para participar de um especial de TV. Receoso, Caetano explicaria no telefonema recebido tarde da noite que já tivera transtornos quando foi autorizado a viajar ao Brasil para o aniversário de seus pais. Assim como Gilberto Gil, ele estava morando em Londres, depois de serem presos e forçados pela ditadura a deixar seu país natal. O retorno definitivo completa 50 anos nesta terça-feira (11), quando Caetano e Dedé, com quem era casado, desembarcaram no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro: eram 7h30 de 11 de janeiro de 1972. O artista lembrou do fato em suas redes sociais.

Pouco antes disso, Caetano havia aceitado o convite (“Não me dava o direito de descrer da palavra de João”) para participar do especial, juntamente com Gal Costa. O fato de ele não ter sido incomodado ao chegar o animou para planejar sua volta definitiva ao Brasil, o que se concretizou no verão de 1972.

Do aeroporto, naquele 11 de janeiro, Caetano rumou quase diretamente para o palco, para apresentar o show do álbum Transa (gravado em Londres em 1971), no Rio, São Paulo, Recife e Salvador. O amigo Gil voltaria quase na sequência. Chico Buarque já havia retornado, em 1970 – fazendo barulho, como Vinícius de Moraes havia recomendado. Geraldo Vandré ficou mais tempo fora e só pisou novamente no Brasil em julho de 1973. A ditadura estava em seu momento de maior repressão e violência, exatamente no intervalo entre o AI-5 e o início da chamada abertura. O “meio do túnel”, como alguns definiram.

Caetano e Gil foram presos em 27 de dezembro de 1968, em São Paulo, onde moravam. Foram levados de carro por policiais até o Rio de Janeiro. Lá, passaram por interrogatórios obscuros, tiveram o cabelo cortado e até ficaram em solitária, antes de ir para a Bahia. Até que surgiu a “solução” dos militares de mandá-los para fora do Brasil. “Depois de passar quatro meses confinados em Salvador, Gil e eu fomos convidados a deixar o país”, escreveu Caetano em seu livro Verdade Tropical. Eles foram autorizados a fazer um show (que ganharia o nome de Barra 69) para arrecadar fundos. Foi quando Gil estreou a recém composta Aquele Abraço, concebida em alguma unidade militar.

O desembarque foi em Lisboa. De lá, para a França, onde foram apresentados a Violeta Gervaiseau, irmã de Miguel Arraes, até a parada final em Londres. Na capital inglesa, além de todo o contato com a cultura pop do período, eles receberam visitas como a de Roberto Carlos. O astro da Jovem Guarda fez Caetano chorar ao cantar As curvas da estrada de Santos. Tanto que o baiano foi assoar o nariz no barra do vestido de Nice, com quem Roberto era casado. Tempos depois, sensibilizado, ele compôs Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, já imaginando o retorno de Caetano Veloso ao Brasil.

Todos os artistas voltaram, muitos ficaram pelo caminho, a ditadura acabou, mas o Brasil tem hoje no poder um entusiasta do regime autoritário. Caetano Veloso é uma das vozes críticas ao atual governo. Como em Não vou deixar, faixa de seu novo álbum (Meu Coco).

É muito amor, é muita luta, é muito gozo
É muita dor е muita lida
Não vou deixar, não vou
Não vou deixar você esculachar
Com a nossa vida

Quarenta anos atrás, ele dizia em Nu com a minha música: “Vejo uma trilha clara/ Pro meu Brasil/ Apesar da dor”.