Nas telas

Brasil não é um narcoestado, ‘ainda’, alerta Moreira Salles

Documentarista de “Entreatos”, João Moreira Salles revela a Juca Kfouri, no Entre Vistas, vontade de filmar campanha do ano que vem como fez há 20 anos

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Em "Notícias de uma Guerra Particular", cineasta retrata uma época em que criminosos não viravam deputado, senador ou mais do que isso

São Paulo – João Moreira Salles é jornalista, economista, cineasta, documentarista e fundador da revista piauí. Como o entrevistado de Juca Kfouri, no programa Entre Vistas desta quinta-feira (14), na TVT, é botafoguense roxo, o apresentador vestiu camisa com o jogador símbolo da Estrela Solitária: Garrincha. “O Botafogo exprime a doença maior do futebol brasileiro”, afirmou o torcedor do time carioca que disputa a série B do campeonato brasileiro. “Durante décadas e décadas o futebol brasileiro vem sendo administrado de maneira absolutamente amadora, quando não pior do que isso. O Botafogo é uma expressão disso.”

Vem também do Rio de Janeiro uma das principais obras do documentarista, que será exibida no próximo sábado (16) pela TVT, às 21h. Notícias de uma Guerra Particular, de 1999, é tristemente atual, pois retrata a violência na cidade maravilhosa que, de lá para cá, piorou muito.

Nos dois sábados seguintes (23 e 30), a TVT exibirá, também às 21h, Entreatos (2004) e o mais recente documentário de João Moreira Salles, No Intenso Agora (2017).

Milícia no poder

Salles lembra que quando Notícias de uma Guerra Particular foi feito, na década de 1990, havia a sensação de que o Rio de Janeiro estava trocando o crime de favela, de comunidade, para um mais organizado, da milícia. “E isso aconteceu. É um documentário esquisito. Achei que 10 anos depois de ser feito tinha se tornado um documento histórico. Que refletia a vida da minha cidade num momento que havia sido superado.”

João Moreira Salles
João Moreira Salles foi o convidado de Juca Kfouri, no Entre Vistas, da TVT (Reprodução)

Mas, como observa Salles, as iniciativas que pareciam propor “coisas novas” para o Rio não duraram. “E o documentário voltou a ser atual no início dos anos 2015, 2016. E hoje se tornou de novo uma peça histórica, porque o crime que se vê no filme é violento, mas ingênuo em relação ao que passou a existir hoje no Brasil, que é o crime entrando na máquina do Estado. O que não acontecia. Os grandes criminosos ou morriam, ou iam presos ou se tornavam evangélicos. Mas não se tornavam vereadores, deputados estaduais, senadores e às vezes até mais do que isso”, lamentou, numa referência velada à familícia empoderada no Brasil.

Para Salles, ainda não é um “narcoestado”, como Colômbia e México, mas está muito mais próximo dessa realidade do que estava na década de 1990. “É preciso ter muito cuidado com o que está acontecendo com o Brasil neste momento.”

Altos e baixos

O cineasta falou também sobre o projeto de poder destrutivo do governo de Jair Bolsonaro. “Isso passa pela educação, pela ciência e, também, evidentemente, pela cultura”, observa ele. “Não existe projeto para se construir nada, mas há um talento muito grande (por parte do atual governo) para desmontar o que existe”, afirma João Moreira Salles.

“O diabo de ficar repetindo essas coisas, já que a gente vem falando nisso há muito tempo, é aumentar ainda mais o desalento e a falta de energia. O perigo disso é que energia política é fundamental e está ligada a projetos que se impõem”, alerta, lembrando o que está no seu documentário No Intenso Agora.

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Depois de acompanhar os bastidores da campanha vitoriosa de Lula e José Alencar em 2002, em Entreatos, João Moreira Salles diz que gostaria de repetir a experiência, 20 anos depois

Juca Kfouri levou a conversa para um outro tempo no Brasil, que está no filme Entreatos, documentário sobre a campanha que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República em 2002. “Lula começou a se aproximar da possibilidade concreta de não haver segundo turno”, recorda o cineasta sobre as dificuldades dos últimos dias de filmagem. Uma câmera com a cena que filmou Lula no exato momento em que foi declarado presidente da República ficou perdida durante seis horas. “Mas os deuses do documentário naquele dia estavam do nosso lado e achamos.”

O cineasta revelou a vontade de fazer um novo documentário, 20 anos depois, sobre a eleição presidencial de 2022. “Talvez jamais na nossa história percorremos altos e baixos com essa latitude. Seria um documento importante os dois juntos, para saber de onde a gente veio e para onde a gente foi”, avalia Salles.

Assista ao Entre Vistas na íntegra

João Moreira Salles fala ainda sobre a ética jornalística em tempos de fake news. E sobre a tristeza de ver seu país mais medíocre, mais injusto, mais doente, com mais fome. Mas, principalmente, sem projeto de futuro, sem propósito. “O único papel que o Brasil pode ainda desempenhar é se tornar potência ambiental, determinante para mitigar a grande urgência que a humanidade enfrentará que é a crise climática”, destacou sobre a preservação da Amazônia.


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