Versos cortados

Badi Assad conta (e canta) breve história da censura musical no Brasil

Cantora e violonista selecionou 10 canções vetadas pela ditadura. Segundo ela, período atual justifica a “viagem no tempo”

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Composta por Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973, 'Cálice' foi imediatamente proibida

São Paulo – Pesquisa em uma discoteca levou a cantora e compositora Badi Assad a reunir e gravar 10 músicas de autores diversos e com um fator comum: a censura. O repertório concentra-se nos anos 1970 – oito das obras escolhidas são desse período, enquanto as outras duas foram compostas na década anterior. Em seu projeto, Badi procura contar um pouco da história de cada canção e as razões pelas quais foram proibidas.

“Apesar de ter nascido em plena ditadura (1966), no interior paulista, fui criada dentro de uma família que não era politicamente ativa e nenhum ambiente escolar que frequentei me ensinou sobre esta fase da história brasileira, muito menos o que ela representou”, conta a artista, que cita o momento atual. “Eu só fui ter conhecimento sobre a ditadura já adulta, mas com o país já em reconquista da liberdade de expressão. Eu nunca cheguei perto da sensação de ter uma obra mutilada ou impedida de existir. Com os últimos acontecimentos em nossa política foi inegável a vontade e a urgência em mergulhar neste passado, assim como conhecer e me conectar com o que os artistas tiveram de passar na tentativa de não terem suas vozes caladas.”

Mergulho na discoteca

Badi é de São João da Boa Vista, a 220 quilômetros de São Paulo. Violonista de formação clássica, ela vem de uma família essencialmente musical. Seu pai, Jorge, tocava bandolim. Os irmãos Sérgio e Odair formam o Duo Assad.

Badi lembra que só teve conhecimento da censura às obras musicais no período de reabertura política (Reprodução/Facebook)

O projeto surgiu de um convite do Centro Cultural São Paulo. Badi é responsável pela curadoria dos 85 anos da discoteca Oneyda Alvarenga, do CCSP – o nome homenageia uma jornalista e folclorista nascida em Varginha (MG). Ao mergulhar no acervo, a cantora e violonista conheceu mais de perto um período da história recente do país. E considerou importante amplificar essas informações. “Quando eu fui convidada para visitar o acervo e apresentar alguma proposta de projeto, me deparei com uma pasta, com o tema canções censuradas por motivos políticos.”

“Explicação” da proibição

No caso de Adoniran Barbosa e seu Tiro ao Álvaro (parceria com o radialista Oswaldo Moles), a proibição foi mais “estética”. A censura implicou com os erros, propositais, de português. Mas a lista tem censurados “clássicos”, como Chico Buarque, Taiguara e Geraldo Vandré. Além das duplas Milton Nascimento/Fernando Brant, João Bosco/Aldir Blanc e Ivan Lins/Vitor Martins.

A lista tem a sempre lembrada Cálice, que Gilberto Gil e Chico Buarque compuseram na Semana Santa de 1973. A canção foi logo proibida. Com um episódio de censura ao vivo, quando os dois participaram do show Phono 73, em São Paulo, juntamente com vários outros artistas.

Nasceu, assim, o projeto em vídeo Censura na Música Brasileira, disponível no Youtube da artista (www.youtube.com/BadiAssadOficial). Para as novas versões, Badi convidou a cantora Vanessa Moreno, a percussionista Simone Sou, os violonistas João Luiz, Rafael Cardoso e João Camarero, o acordeonista Gabriel Levy e os pianistas Cristovão Bastos e Marcelo Ghelfi. As gravações foram feitas remotamente.

O projeto acrescenta informações sobre as circunstâncias em que as canções foram proibidas, além de um pequeno contexto histórico. “Uma viagem no tempo, assim como um momento para a reflexão, que nunca pareceu tão necessário”, afirmam os responsáveis pelo projeto.

Confira as músicas revisitadas:

  • Comportamento geral (Gonzaguinha), 1973
  • Canção da despedida (Geraldo Azevedo e Geraldo Vandré), 1968
  • Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil), 1973
  • Caxangá (Milton Nascimento e Fernando Brant), 1973
  • Bárbara (Chico Buarque), 1972
  • Terra das palmeiras (Taiguara), 1975
  • Eu quero é botar meu bloco na rua (Sérgio Sampaio), 1972
  • O mestre-sala dos mares (João Bosco e Aldir Blanc), 1974
  • Tiro ao Álvaro (Adoniran Barbosa e Oswaldo Moles), 1960
  • Cartomante (Ivan Lins e Vitor Martins), 1978


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