Missão

Marcola Bituca narra guerras internas e renascimento em ‘Cavalo de Troia’

Em seu novo disco conceitual acompanhado de um curta-metragem, rapper baiano expressa a interação entre o velho e o novo ser

Matheus Leite/DIVULGAÇÃO
Matheus Leite/DIVULGAÇÃO
A missão de Marcola Bituca com a sua música vai além das rimas. Seu objetivo é falar sobre a existência das pessoas, inclusive a sua, para que seus ouvintes possam se reconhecer como um ser

São Paulo – A busca do rapper baiano Marcola Bituca passa por uma questão: o não ser. Sua experiência nas periferias de Salvador, trabalhando de vendedor ambulante e também como sobrevivente de uma tentativa de suicídio fizeram o artista ressignificar sua maneira de observar sua existência e viver a vida.

Em seu novo disco conceitual, Cavalo de Troia, acompanhado de um curta-metragem, ambos lançados no último dia 5, Marcola Bituca é capaz de expressar essa interação entre o velho e o novo ser, em apenas quatro músicas. Entretanto, para entender essa busca do rapper, é preciso olhar para o caminho já trilhado.

Influências

Artista natural do bairro de Itapuã, em Salvador, Marcola Bituca começou a carreira aos 15 anos, em brincadeiras na escola. Em 2012, teve a oportunidade de ir ao Rio de Janeiro, com o movimento estudantil, e conhecer rappers que o inspiravam, como MC Marechal. “Voltei para com a intenção de ser profissional”, relembra.

A trajetória não foi fácil. Em 2015, com o nome artístico de Marcos Morcegão, lançou seu primeiro álbum, Stanley e a Cidade do Underground, com seu antigo grupo, Turma do Bairro. “A gente estourou aqui na cidade, fazíamos show todos os finais de semana. Eu tinha acabado de ser pai, a gente era meio inconsequente e o grupo acabou”, conta Marcola.

Entre idas e vindas na música e na vida, o artista baiano se viu próximo à morte em uma tentativa de suicídio. O renascimento, como ele mesmo relata, deu luz a uma nova personalidade. “Em dezembro de 2019, comecei um processo de destruição de uma persona, que tinha como objetivo sucesso e a fama, porque aquilo iria me matar. Hoje, eu vivo por um propósito e a música é só a ferramenta dele”, explicou.

A música é uma deusa

A missão de Marcola Bituca com a sua música vai além das rimas, das batidas ou de ter o melhor flow. Seu objetivo é falar sobre a existência das pessoas, inclusive a sua, para que seus ouvintes possam se reconhecer como um ser. Por isso, mesmo que segure um microfone, ele não quer que as pessoas o enxerguem como MC.

Na música Fio de Prata, Marcola rima: “Acham que eu sou o Marcola e por isso que não me entendem”. Ali, segundo dele, está um exemplo dessa busca pessoal. “Quando eu digo que não sou MC, não é uma insatisfação com o rap. Quando falo em deixar de ser, é sobre ser esses rótulos, para alcançar um nível maior no meu lado espiritual. Para deixar de ser, é preciso sair das amarras da sociedade. Eu não sou nada, eu só sou”, diz.

Para ele, sua obra musical se tornou um método de manifestar sua fé e a filosofia da Fé Bahá’í, religião que enfatiza a união espiritual de toda a humanidade. “Eu vejo a música como uma deusa dentro do pilar da vida. Quando eu passei a aplicar as práticas religiosas na minha vida, isso transfigurou-se na música.”

Cavalo de Troia

No curta-metragem, Marcola e uma criança interpretam um processo de reencarnação do ser. Com terno branco, o rapper faz sua passagem para outro plano, mas repassa as “chaves do conhecimento” para que sua próxima encarnação continue seu trabalho.

“A galera pode ver como algo lúdico, mas é uma apresentação sobre velho e novo ser. O curta é muito reflexivo, sem interpretações e diálogos, são só olhares e movimentos. A gente tentou passar essa mensagem de maneira mais prática possível”, explicou.

Na primeira faixa do disco, Guerra Santa, Marcola Bituca cita a batalha de 2 de julho de 1823, que deflagrou a independência da Bahia. Ele explica que, além de expressar uma guerra interna pessoal, a guerra também foi um exemplo de comunhão de povos. “O 2 de julho é um dos episódios mais importantes desse país, que juntou pessoas de culturas e origens diferentes para lutar por um objetivo comum. A gente tem que parar de se ver como pessoas não iguais, acabar com estereótipos”, afirma.

Apesar de contar com apenas quatro músicas, o disco carrega uma diversidade sonora além do rap, como o reggae e elementos eletrônicos. O artista diz que essa busca por melodias próprias é fruto de Salvador, uma cidade rica culturalmente.

Caldeirão de cultura

“Eu sou totalmente influenciado pela música da minha cidade e do meu bairro. Eu moro em Itaupã há mais de 10 anos e aqui tem muitos movimentos culturais, como samba reggae, o samba, formando um caldeirão de cultura. A dinâmica musical daqui é muito viajada. A cada ano surgem sonoridades novas, artistas apresentando novas formas de percussão. Então, é um jeito diferente de ouvir e se relacionar com a música”, resume Marcelo Bituca.

O EP Cavalo de Troia está disponível em todas as plataformas digitais e seu curta, no YouTube. O trabalho possui participação do rapper manaura Victor Xamã e produção de Mouseíon Beats. As imagens foram filmadas na Lagoa do Abaeté, em Salvador, e conta com fotografia de Matheus Leite.