Inédito

TVT exibe documentário da China sobre descoberta arqueológica de Liangzhu

A partir desta quarta (11), 17h30, a TVT exibirá série sobre a descoberta arqueológica de Liangzhu, Patrimônio Mundial da Unesco

Divulgação
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São Paulo – Em 1936, o estudante Shi Xingeng, de 25 anos, descobriu a civilização de Liangzhu em sua cidade natal, Yuhang (província de Zhejiang, leste da China). Nos anos 1980, o país planejava o alargamento da Estrada Nacional 104, que percorreria 2 mil quilômetros entre Pequim e o litoral sudeste do país. No meio do caminho, escavações arqueológicas encontraram em um trecho da estrada uma plataforma artificial.

A descoberta foi tão importante que mudou a concepção histórica tradicional centrada na Bacia do Rio Amarelo. Com os resultados da estratigrafia e datação com carbono-14, estimou-se que o sistema de hidráulica teria sido originado há 5 mil anos. A influência de Liangzhu na civilização chinesa posterior, representada pelo artesanato em jade, foi herdada pelas sociedades que a seguiram.

Para compreender o impacto dessa descoberta, a TVT ouviu a professora Mercedes Okumura, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, coordenadora do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, que pesquisa os aspectos da evolução humana incluindo a biológica, cultural e arqueológica com o estudo dos povos do passado por meio de seus vestígios materiais.

A história de Liangzhu, reconhecida pela Unesco como Patrimônio Mundial desde o ano passado, será tema de um documentário que será exibido pela TVT a partir desta quarta-feira (10), às 17h30. Serão três episódios. Nesta entrevista, Mercedes fala da importância sobre os estudos arqueológicos para a humanidade: “A arqueologia é importante por vários aspectos. Primeiro tem a nossa fascinação pelo passado. Mas tem também uma pergunta que é quase universal em humanos: quem nós somos e de onde viemos?”

Confira a entrevista

Como a senhora conheceu a descoberta arqueológica de Liangzhu ?

Por volta dos anos 2000, quando arqueólogos começaram a intensificar as escavações no local . No ano passado a Unesco incluiu o sítio arqueológico de Liangzhu na lista de patrimônio mundial da humanidade. O documentário mostra como grupos móveis e pequenos se tornaram agricultores, construindo suas plantações de arroz, ocasionando aumento da população e as origens da hierarquia das classes sociais.

Interessante também como esses grupos se aproveitaram da paisagem natural, das montanhas, rios, e construíram uma mistura do que é uma paisagem natural, complementada por uma paisagem artificial, com a construção de aterros, diques, reservatórios usados na construção e no planejamento dessa cidade.

Ao mesmo tempo, há 5.000 anos haviam cidades e civilizações em desenvolvimento na Mesopotâmia e na Índia. E também outras cidades sendo feitas entre estas regiões. Essa é uma época importante, porque é quando começa a se estabelecer as origens da nossa civilização. E, por civilização, temos que entender que são as grandes cidades com uma organização sócio-político-econômica importante. Com hierarquias e com pessoas que se especializam em diferentes trabalhos: agricultores, construtores, comerciantes, os sacerdotes, os reis ou imperadores das mais altas hierarquias, muitas vezes também escravos. Então, esse é o momento da história do mundo em que esta diferenciação social realmente começa a se tornar mais importante.


O artesanato em jade começou a se desenvolver em Liangzhu e virou símbolo cultural na China


Como estava o continente americano naquele período?

Nesse mesmo período, há 5 mil anos, no continente americano, havia uma diversidade de estratégias de subsistência de grupos humanos. Por exemplo, no Brasil, nós não tínhamos ainda uma agricultura do nível que se observa na China e em outros lugares do mundo. Porém, na Amazônia, nós temos já o que seria um início de um manejo, uma agricultura, uma horticultura incipiente das plantas.

Agricultura é um processo de longo prazo, de domesticação de plantas. Ela não acontece de uma hora para outra. Ao passo que na Amazônia já temos esse princípio da domesticação das plantas, ainda que incipiente, em outros lugares do Brasil por exemplo, os grupos ainda eram o que nós chamamos de caçadores-coletores ou seja, grupos que não domesticavam plantas que viviam justamente da caça de animais e da coleta de plantas na paisagem.

Na costa do sul e no sudeste do Brasil nós tivemos os grupos que construíram grandes montes de conchas que nós chamamos de sambaqui. Se nós pensarmos nessa questão da paisagem construída, então esses morros são realmente uma intervenção importante na paisagem de grupos caçadores-coletores e pescadores que viviam na costa. Em outros locais do interior do Brasil temos grupos que desconheciam a agricultura e que viviam igualmente da caça e da coleta.

“O entendimento das diversidades das culturas faz com que nos tornemos mais tolerantes às diferenças”


Qual importância da arqueologia nos dias atuais?

A arqueologia é importante por vários aspectos. Primeiro tem a nossa fascinação pelo passado e também uma pergunta que é quase universal em humanos: quem nós somos e de onde viemos.

Entender o passado nos ajuda a entender como chegamos no momento presente. Afinal, esse é um processo histórico: o que acontece no passado é decisivo, ele determina ou limita o que que vai acontecer no futuro. Então, essas grandes civilizações, em última instância, resultarão no que vivemos no momento atual, em megalópolis, com mudanças de estilos de vida, dieta, padrões de atividade física etc.

Tudo isso vem em consequência dessas grandes civilizações, em última instância. Aprender arqueologia é importante para entendermos como chegamos aqui. Outra coisa é a ideia de um patrimônio cultural que pode ser de um grupo específico, de uma região, de um país. Ou seja, a valorização dessas culturas é importante para entendermos nossa identidade como parte de um grupo mais restrito, parte de uma região, de um país, de uma nação.

Esse entendimento das culturas também é importante porque ele nos mostra uma diversidade de aspectos culturais. E compreender a diversidade faz com que nos tornemos mais tolerantes às diferenças. Ou seja, não sou só eu, não é só minha cultura que é importante. A cultura do outro também é importante.

Os aspectos que diferentes grupos valorizam são igualmente importantes. Se pensarmos em termos de um senso comum que as pessoas têm sobre grupos nativos ou, por exemplo, os nossos indígenas, muitas vezes se pensa que os indígenas são todos iguais. Mas eles não são iguais. Nem atualmente, nem muito menos no passado. Estudar essa diversidade indígena do passado também é importante na arqueologia.

“Na lista dos Patrimônios Mundiais da Unesco, o Brasil tem apenas o Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí”


Como anda a arqueologia no Brasil?

No Brasil, a arqueologia é encarada de duas formas diferentes: uma delas muito positiva, pois a maioria das pessoas acha fascinante. Existe uma demanda do público leigo, não especializado, de entender melhor o passado e até uma surpresa por parte das pessoas ao saber que existe arqueologia no Brasil. A arqueologia ela não é só no Egito, na China, embora sejam fascinantes. Não é só na Mesopotâmia, nos Estados Unidos.

Nós temos arqueologia no Brasil, temos um passado que acontece antes da chegada dos europeus por aqui e que precisa ser conhecido e valorizado. Esta é a parte positiva. Nós arqueólogos somos muito bem acolhidos pelas pessoas, elas se interessam pela pré-história, elas querem saber mais.

Talvez a parte menos positiva seja a questão da preservação do patrimônio e das próprias políticas públicas de financiamento.

Na China, Liangzhu foi considerado sítio de proteção máxima na arqueologia, prioridade máxima de conservação. Liangzhu possui uma equipe de pesquisadores que monitora não só o sítio mas também o entorno do sítio e que pensa constantemente em como manter esse local preservado para agora e para as futuras gerações. Existe uma preocupação na manutenção e preservação desse patrimônio.

Na lista dos Patrimônios Mundiais da Unesco, o Brasil propôs e conseguiu como patrimônio mundial, apenas um único sítio arqueológico pré-histórico, que é o Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí. Isso mostra o quanto poderíamos ter políticas públicas melhores de preservação desses patrimônios. Não que todos os sítios arqueológicos deveriam ser considerados patrimônio mundial da Unesco, mas eles são um patrimônio nosso, são patrimônio de todo o povo brasileiro e isso deveria ser mais valorizado.

Onde fica

Lianghzu é um distrito da cidade de Yuhang, província de Zhejiang, ao leste da China

O que a arqueologia brasileira pode aprender com a descoberta de Liangzhu?

Em termos de arqueologia, certamente a questão de propor melhores políticas e preservação do patrimônio. A China tem feito um papel admirável não só com a preservação de sítios chave como o de Liangzhu, mas também com a criação e a manutenção dos museus que exibem os materiais dessa escavação.

Liangzhu tem um museu próximo ao sítio, você visita o sítio arqueológico e vai ao museu ver as peças que foram encontradas, entender melhor e ter as reconstituições de como que era a cidade isso tudo é muito importante. Outra coisa impressionante é o grau, a qualidade dessas escavações, escavar uma cidade, um complexo destes é uma tarefa hercúlea para dizer no mínimo e o que se nota, olhando não só documentários mas também as publicações científicas é que essas escavações são muito bem feitas, registradas com tecnologias avançadas.

O Museu de Liangzhu exibe as escavações, os trabalhos de campo, a preparação e análise desses materiais. O intercâmbio entre pesquisadores é importante, não existe uma maneira única de se fazer arqueologia, sempre acabamos trocando novas ideias e pensando em novas possibilidades.

Parabenizo os cientistas, pesquisadores e a toda equipe que trabalhou nessas escavações de Liangzhu, uma pesquisa arqueológica de longa duração e de larga escala que requer muita organização e trabalho de equipe.

Destaques do primeiro episódio

lianghzu

O primeiro episódio da série produzida pela TV Chinesa – dublado – traz uma visão geral do que é Liangzhu. Mostra a localização e cronologia evolutiva de uma região que, 5 mil anos atrás, demonstrava uma organização social, política e cultural importante.

O filme descreve ainda grandes feitos observados no local, como as construções das barragens, das drenagens, a importância da agricultura (arroz) e do artesanato. A prática que começa a se desenvolver em Liangzhu e que posteriormente se tornaria uma importante símbolo cultural na China: o artesanato feito em jade.


Edição: Paulo Donizetti de Souza