Made in Madureira

Em ‘Arteiro’, Ramonzin explora liberdade musical para criar seu próprio rap

Em 11 faixas, rapper do Rio de Janeiro traz a mistura funk, samba e o pop em suas rimas

REPRODUÇÃO
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Ramonzin é cria do Morro do Juramento, localizado na Zona Norte do Rio. Porém, carreira começou já no fim da década de 90, na Lapa, após o contato com o skate e as rodas de rima

São Paulo – No dicionário, a palavra “liberdade” significa um nível de independência absoluto e legal de um indivíduo. Em seu novo álbum Arteiro, Carlos Ramon de Souza Procópio, o Ramonzin, faz jus ao termo. Em 11 músicas, o rapper carioca apresenta uma variedade sonora capaz fazê-lo imprimir características singulares e criar seu próprio estilo de rap.

O novo álbum de Ramozin possui uma mistura de instrumentos orgânicos e eletrônicos, que são somados à outros gêneros musicais, como samba, funk e o pop. O artista explica que o fato ser trompetista e produtor musical, ajuda nessa exploração mais liberta na hora de criar.

“Antes de fazer qualquer música, tenho uma qualidade de estudo musical muito maior por ser produtor. Fui obrigado a estudar música para produzir, o que me fez conhecer muita coisa. Isso me deu uma bagagem e perímetro maior para poder inserir novas sonoridades nas minhas rimas”, explicou o MC.

Em 2017, Ramonzin lançou o EP Made in Madureira, um trabalho experimental que já somava suas rimas com outras musicalidades, como o ritmo cubano bolero e violinos de orquestras. Ele conta que essa experiência fez alguns fãs não entenderem a proposta.

“Quando lancei o EP, já estava com uma ideia bem para a frente, misturando o rap com outros gêneros, mas precisava trabalhar mais próximo do que as pessoas ouvem agora. Então, apurei muito meu senso musical para imprimir a estética que queria no disco. Isso me deu liberdade para transformar meu rap nesse universo amplo. O álbum tem muita textura, uma atmosfera na voz, tudo pensado em estúdio”, acrescentou.

Do Juramento à Los Angeles

Ramonzin é cria do Morro do Juramento, localizado na Zona Norte do Rio. Sua carreira começou já no fim da década de 90, após o contato com o skate e as rodas de freestyle. Desde então, o bairro central da Lapa se tornou sua segunda casa, onde virava as madrugadas em festas de hip-hop. “Tudo que vivi naquele momento, trouxe comigo até hoje, porque foram ensinamentos”, relata.

Em 2008, o rapper lançou seu primeiro EP Subindo a ladeira. Em 2014, foi a vez de seu primeiro álbum chegar às ruas: Circo dos Motivos. Considerado uma das promessas do rap no começo da última década, Ramonzin diz que não conseguiu se mobilizar mercadologicamente, o que impediu de se firmar melhor na música.

“Eu venho uma classe diferente, tive muitas dificuldades, o que me impediu de me mobilizar mercadologicamente. Não tinha recursos em tempo hábil para lançar música, ainda mais com dois filhos que eram pequenos na época. Nunca parei de trabalhar e, hoje, as pessoas me reconhecem depois de uma estrada de muitos anos”, comemora ele.

Se antes havia dificuldade, agora com Arteiro Ramonzin já tem motivos para celebrar. No final de outubro, ele venceu o prêmio Los Angeles International Music Video Festival 2020 (LAMV), na categoria de melhor video-clipe brasileiro, com a faixa “Vivência”, em parceria com BK’.

O clipe, gravado em casa, com os dois MCs em quarentena, reflete sobre experiências cotidianas, lutas, objetivos, a perseverança na arte para um mundo melhor e todo o contraste da sociedade brasileira. “O momento de isolamento foi importante para revermos a simplicidade nas coisas que fazemos. Minhas letras são sobre aquilo que vivo e sinto. É uma das músicas que mais diz quem sou, que traz um boombap tradicional e linhas bem desenhadas”, celebrou o MC carioca.

O rap como ferramenta crítica

Em Arteiro, Ramonzin mistura a estética do funk carioca com o rap – duas culturas de origem semelhante. Um dos principais exemplos é a faixa Made In Madureira que, segundo ele, fala sobre o resgate e pertencimento do povo preto e periférico.

O artista explica que “fez questão” de trazer essa sonoridade para trabalho. “Por afinidade, ao invés de explorar o trap, prefiro trabalhar com o funk”, disse. Ele acrescenta ainda que o objetivo foi mostrar que as duas culturas ainda são ferramentas de protesto. “O que se tem hoje na música, em relação ao funk, é a pauta de entrega do entretenimento. Então, fiz o resgate para as pessoas entenderem a raiz desse ritmo, que é de matriz africana e surgiu como música de protesto para pessoas oprimidas”, afirma.

A música “Gueto Feroz”, que tem a participação do rapper mineiro Djonga, é o carro-chefe do álbum Arteiro, na avaliação de Ramonzin. Ele diz que a canção retrata o discurso político e econômico que sempre esteve presente na sua carreira. Em umas das linhas, ele dispara: “Pega seus privilégio e enfia onde gosta mais / E é por esse fascismo velado que o ódio sem sentido mata a gente“.

Diante do atual governo federal, o MC do Rio de Janeiro diz que não há espaço para ficar em cima do muro. “Ficar em cima do muro é um discurso da direita para fingir que a balança é igual aos dois lados. Eu tenho uma crítica muito grande ao capital e à direita hegemônica que manda no dinheiro. A gente não pode cair nesse discurso”, finaliza.