COLETIVIDADE

Rapper BK’: ‘Movimento do líder é no sentido de inspirar outras pessoas’

Terceiro álbum do rapper carioca traz referências ao movimento negro e resgata nomes revolucionários, como Abdias do Nascimento

joão victor medeiros
joão victor medeiros
Um dos principais nomes da nova geração do rap nacional, BK' surgiu para o público em 2016. Desde então, o rapper da Lapa, zona central do Rio, tornou-se referência para a cena

São Paulo – Voltar ao passado, reconstruir o presente e mudar o futuro. Através dessa filosofia, o rapper carioca Abebe Bikila, conhecido como BK’, lançou seu terceiro álbum O Líder em Movimento. A obra vai além das 10 faixas apresentadas, seu intuito é criar vida, inspirar transformações e resgate o protagonismo negro.

Um dos principais nomes da nova geração do rap nacional, BK’ surgiu para o público em 2016, com o álbum Castelos & Ruínas. Desde então, o rapper da Lapa, zona central do Rio, tornou-se referência para os novos artistas que surgiram. Apesar do peso dessa responsabilidade, o artista comemora o patamar alcançado.

“Sempre foi uma das minhas metas de vida, para além do rap, fazer algo para o mundo e poder inspirar pessoas. Faltou referência pra mim, então sempre quis ser uma”, celebra.

Líder em movimento

O Líder em Movimento, de BK’, é uma dessas formas de inspirar e fortalecer sua comunidade. Seu objetivo, através da obra, é unir e criar novos líderes, e traz exemplos de lideranças: os ativistas norte-americanos Malcolm X, Martin Luther King; o revolucionário marxista da Burkina Faso, Thomas Sankara; além do ator e ativista negro brasileiro Abdias Nascimento.

“Eu acredito numa pessoa liderando, mas também acredito na troca coletiva, com todo mundo construindo um movimento junto. Porém, a ideia do disco é a soma dos dois. Dá para ter um cara puxando o bonde, mas com uma comunidade em volta ajudando e guiando esse trabalho”, defende BK’.

Discurso coletivo

O rapper carioca despontou na cena com seu antigo grupo Nectar Gang, em 2015. Durante esse período, seus versos eram marcados pela introspecção e temas mais individuais. Segundo ele, a maturidade e leituras, como os filósofos socialistas Frantz Fanon e Achille Mbembe, fizeram parte da construção de um discurso mais coletivo em sua arte.

Melhor que um líder sábio, é só um povo sábio”, assim exemplifica sua visão na música “Pessoas”. Porém, outra influencia citada por ele foram as vivências pelas ruas do Rio de Janeiro. “É uma leitura de mundo e essa situação em que ele se encontra, principalmente o Rio de Janeiro. O rap me deu uma vida melhor, então não preciso falar de mim toda hora, é melhor que eu influencie outras pessoas. Não posso parar no meu egoísmo”, explica.

A inspiração de buscar um mundo melhor também vem de casa. Dona Ana, a mãe do artista, é professora e milita no movimento negro desde jovem. “De fato, quando penso em ajudar o mundo, tem influência da minha mãe. Ela tem esse pensamento no próximo e isso veio dela”, acrescenta.

BK´é Bikila

BK’ explica que seu nome é uma forma que sua mãe encontrou para ampliar essa resistência. Abebe Bikila foi um maratonista etíope, considerado um dos maiores de todos os tempos, após se tornar o primeiro homem a vencer duas maratonas olímpicas (1960 e 1964).

Por esse motivo, inclusive, abandonou o pseudônimo artístico e resolveu assinar o álbum com seu nome de registro. “Esse disco é de resgate. Eu falo muito do movimento negro no álbum e minha mãe fez esse resgate histórico no meu nome. Então, como quero voltar para a base, achei que casaria com a ideia do disco”, disse.

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Maturidade, inspiração em casa e leituras, como os filósofos socialistas Frantz Fanon e Achille Mbembe, construíram discurso mais coletivo de BK’ (Foto: João Victor Medeiros)

Dinheiro como resistência

O Líder em Movimento é inspirado em DAMN, quarto álbum de estúdio do rapper norte-americano Kendrick Lamar, lançado em 2017. Uma das referências utilizadas foi o conceito de criar duas linhas narrativas em um único trabalho.

O disco de BK’ começa na música “Movimento” e termina em “Universo”, onde a jornada do personagem começa no cenário de guerra e finaliza com calmaria. Porém, ao ouvir na ordem inversa, é possível encontrar um outro significado. “De trás para frente, o personagem começa se preparando para a batalha e termina nela. E essas duas coisas são dois possíveis movimentos de um líder”, resume ele.

Ao longo do discurso, BK’ trata sobre construção do movimento, suas motivações, também aborda as conquistas, mas finaliza com a sensação de desprendimento material. A sua relação com o dinheiro também muda. Na música “Porcentos 2”, mostra que o capital deve girar em torno de sua comunidade: “Eu não gasto, eu invisto / Eu reparto e conquisto/ Consumir de nós, a grana volta”.

Segundo o rapper, o dinheiro é apresentado ao jovem preto como algo ruim. Apesar de não concordar com os problemas da exploração capitalista, ele diz que é preciso criar novas relações com o dinheiro, para fortalecer sua comunidade e garantir uma vida melhor para quem o cerca.

“Ao se afastar do dinheiro, a gente também se afasta da ideia de prosperidade. O problema não são as notas, mas o que é feito por elas e como o capitalismo funciona”, afirma.

O atraso de Erasmo

O Líder em Movimento é um disco de rap mais direto, como BK’ mesmo diz. Nele, “gastou a caneta” com rimas mais diretas e secas, envolvidas numa produção atual, mas que remete aos anos 90 do rap nacional.

Essa atmosfera contou com um elenco de peso: Jonas Profeta, Nansy Silvz e Deekapz foram responsáveis pelos beats, enquanto Arthur Luna, El Lif Beatz, mixaram e produziram. Já o americano Mike Bozzi, que curiosamente trabalhou com Kendrick Lamar, em DAMN, masterizou o álbum.

“Nesse disco, eu resgatei muito a estética do rap noventista, com muita rima e scratch de DJ. É seco e fiz isso de propósito. Esse disco consegue conversar com a geração anterior e a atual, então eu, como amante de hip-hop, vi essa necessidade de contribuir para a história da cultura”, comemora.

BK’ revela que O Líder em Movimento sairia no primeiro semestre deste ano, mas teve um pequeno atraso. A “culpa” é do cantor Erasmo Carlos. Uma das faixas do álbum possui um sample da canção “Minha Gente”, de Erasmo, e foi preciso aguardar a liberação.

“Se a gente soltasse sem deixar tudo certinho, eu poderia me estrepar”, brinca o rapper. Ele diz que não levantou a hipótese de retirar o sample. “Eu gosto muito dele porque é a cara da música. Eu não queria tirar ou colocar outra pessoa cantando, eu queria o sample do jeito que tava, com a voz do Erasmo. Somou muito com a ideia da música.”