De verdade

Djonga: ‘A vingança é ficar vivo e lembrar dos nossos’

O rapper demonstra evolução em seu quatro álbum “Histórias da Minha Área”, com o objetivo de dividir suas conquistas com seu povo

Daniel Assis/Divulgação
Daniel Assis/Divulgação
Nascido na Favela do Índio, em Belo Horizonte, o Djonga é visto como o maior expoente do rap da região mineira

São Paulo – “Nem é cedo demais pra saber que a vida é desgraçada aqui.” É assim que começa o quarto álbum do rapper mineiro Gustavo Pereira, o Djonga. Citando uma frase do musical Madame Satã, Histórias da Minha Área é lançado com o objetivo de celebrar a vida daqueles que estão aqui, mas também daqueles que se foram.

Desde a capa do álbum, o artista apresenta seu equilíbrio entre o medo da morte e a vitória que conquistou por meio da música. Enquanto sorri, senta no chão ao lado de seu corpo cheio de sangue, com marcas de tiro. Outros quatro personagens estão de pé, mas também sobre outros mortos.

“Eu tenho muito medo de morrer, porque amo estar vivo. Nós que vemos tanta morte perto da gente, inclusive muitas injustas, questionamos se vamos voltar vivos da padaria. Eu posso morrer por uma coisa pequena, porque nasci num contexto violento”, explica.

Na faixa Eu Não Sei Rezar, a busca por vingança do rapper é sintetizada no verso “Enquanto não houver justiça pra nós/Juro que pra vocês não vai ter paz“, explicando que o objetivo é conscientizar os amigos do bairro para que possam viver muito.

“A gente ficava revoltado antigamente. Hoje, só queremos ficar vivos e a vingança é essa. Quando lembro do Neném, um dos símbolos dos nossos amigos que se foram, penso que ele estaria curtindo pra caramba, feliz com o sucesso que alcançamos. A vingança por quem morreu é ficar vivo e lembrar deles nesses momentos”, afirma Djonga.

Nascido na Favela do Índio, em Belo Horizonte, e criado no bairro de São Lucas, na zona leste da capital mineira, o artista é visto como o maior expoente do rap da região mineira. Em 2017, lançou seu primeiro álbum, Heresia, seguido por dois trabalhos premiados: O Menino Que Queria Ser Deus (2018) e Ladrão (2019). Todos lançados no dia 13 de março – uma referência ao número do galo no jogo do bicho, em homenagem ao Atlético Mineiro, seu time de coração.

Histórias da Minha Área é definido por ele como um disco fácil e difícil, ao mesmo tempo, de produzir. Relembrar sua trajetória e dos amigos, além de revisitar algumas memórias que ficaram no passado, foi a parte mais dura de todo o processo. “Mas é mais tranquilo porque é um disco de verdade, o tornou todo o processo natural”, acrescenta.

Para Djonga, a paternidade também mexeu com o processo de produção do álbum. Gustavo foi pai pela segunda vez há quatro meses, com o nascimento de Iolanda – irmã de Jorge, de 4 anos. “Eu boto fé demais que as crianças dão muita melodia e leveza para nossa vida”, conta.

Bolsonaro, um “bocó”

O rapper sempre se colocou contra o presidente da República, Jair Bolsonaro. Entretanto, já virou rotina ver em seus shows Djonga interromper o público, que levanta um coro de xingamento contra o atual presidente.

Em setembro do ano passado, durante um festival musical em Belo Horizonte, o artista mineiro explicou o porquê de pedir o fim dos gritos. “A grosso modo, a gente sabe que só gritar isso não vai mudar nada. Na prática, o que temos que fazer é ir atrás do que sabemos e tomar essa decisão conscientemente. E o que fazemos para mudar isso? É muito mais importante, mas muito mais, evitar que essa reeleição aconteça”, declarou ao público.

Para ele, Bolsonaro “é um bocó”, mas “um bocó dos perigosos”. O rapper alerta que o atual presidente possuem estrutura por trás que é prejudicial para o país. “Não é só mandar o Bolsonaro tomar naquele lugar, tem muita coisa rolando ao redor também, com bancos e instituições financeiras fodendo a gente. É um puxão de orelha que a gente precisa dar”, afirma.

Ele critica a replicação do ambiente da internet na vida real. “As pessoas xingam e gritam, mas não realizam um debate sério e maduro. O que adianta xingar o Bolsonaro e votar em alguém parecido na próxima eleição? Política não pode ser tratada como algo de quatro em quatro anos”, finaliza.