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Cultura no Brasil: menos livrarias, mais cinemas, orçamento menor

Levantamento do IBGE mostra que em 2018 só 18% dos municípios tinham livrarias. Em 2011, eram 43%. O setor tem quase 5,7 milhões de trabalhadores e movimentou R$ 226 bilhões no ano passado

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São Paulo – Quase 43% dos municípios brasileiros tinham livrarias em 2011, mas no ano passado essa presença diminuiu para 17,7%, segundo pesquisa divulgada nesta quinta-feira (5) pelo IBGE. Também em 2018, pouco mais de 32% da população morava em cidades sem museu, 31% sem teatros ou salas de espetáculo e 39,9% sem cinema – e 14,8% não tinham provedor de internet. De acordo com o instituto, apesar de aumento nominal para R$ 9,1 bilhões, o orçamento destinado à cultura, em todas as esferas de governo, diminuiu para 0,21% do total, ante 0,28% em 2011.

Conforme o Sistema de Informações e Indicadores Culturais, do IBGE, a participação do setor nos gastos do governo federal em relação ao orçamento total caiu de 0,08% para 0,07%. No caso dos governos estaduais, houve redução mais severa, de 0,42% para 0,28%. Nos municípios, passou de 1,12% para 0,79%.

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“Os investimentos em cultura vêm caindo devido à crise fiscal, rotatividade de quadros e descontinuidade de políticas no governo federal. O orçamento fica limitado às despesas de custeio”, afirma o pesquisador do IBGE Leonardo Athias. “Os resultados mostram estagnação e queda dos investimentos com perda de importância da cultura nos gastos públicos das três esferas. Há redução dos investimentos, à exceção do audiovisual, que cresceu em participação.  Os investimentos de cultura no Brasil ainda são baixos e perderam importância em relação à inflação. O IPCA cresceu 52% e os gastos tiveram expansão de apenas 28,6%. Já o mecenato, mecanismo criado pela a lei de incentivo à cultura, ficou estagnado em R$ 1,3 bilhão”, acrescenta.

Desigualdade

O levantamento de dados do IBGE mostra que pessoas sem instruções ou ensino fundamental incompleto tinham menos acesso a museus, teatros, cinemas, rádios locais e provedores de internet do que pessoas com maior nível de escolaridade. “Você tem uma dupla desigualdade. Entendemos que há uma restrição de acesso à educação e ao mesmo tempo coincide com municípios que têm menos estrutura, menos presença de equipamentos culturais. Vemos isso pela distribuição regional, pelos estados do Norte e Nordeste, que têm menos estrutura de equipamentos, menos capilaridade, menores níveis socioeconômicos e você tem uma soma de desvantagens”, diz o pesquisador.

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Nos últimos anos, enquanto livrarias, jornais impressos, locadoras de vídeo e lojas de discos perderam espaço, houve aumento em relação aos cinema: a presença nos municípios subiu de 8,7% para 10%. Athias observa que não houve perda com a internet e os consequentes serviços de streaming. “Um ponto interessante da pesquisa é a indicação de que eles não são concorrentes diretos. Quem gosta de cinema entende que é uma experiência diferente de assistir a um filme em casa.”

Segundo o IBGE, os trabalhadores na área de cultura representam, em 2018, 5,7% do total de ocupados, ou 5,2 milhões de pessoas, com pequena maioria de mulheres (50,5%) e brancos (52,6%). A informalidade no setor aumentou, refletindo uma tendência do mercado de trabalho: os empregados com carteira assinada passaram de 45%, em 2014, para 34,6%, enquanto aqueles por conta própria subiu de 32,5% para 44%.

Incentivos fiscais

O gasto mensal com cultura é outro indicador de desigualdade, aponta o instituto. Na média, foi de R$ 282,86 no período 2017-2018. Famílias com menor rendimento comprometiam 5,9% dos gastos com atividades culturais, enquanto o grupo com renda superior gastava o equivalente a 7,9%, para uma média nacional de 7,5%.

Também no ano passado, de acordo com o IBGE, os incentivos fiscais à cultura somaram R$ 1,295 bilhão, menos do que em 2011 (R$ 1,325 bilhão). Do total de 2018, R$ 1,272 bilhão referem-se a renúncia fiscal e R$ 23 milhões, a investimentos efetivos do setor privado – apenas 13,9% da despesa orçamentária pública. O setor como um todo movimentou R$ 226 bilhões.

“Temos uma política de renúncia fiscal que serve para incentivar projetos culturais e cujo lado positivo é dar liberdade aos agentes econômicos. A crítica que se faz é que há uma concentração onde estão as grandes empresas”, comenta o pesquisador do IBGE. O Sudeste lidera em número de projetos, mas a participação diminuiu: de 65,4%, em 2011, para 57,3% em 2018 – mas ainda responde por 77,3% do total captado. O Sul passou de 22,1% para 33,4% dos projetos, enquanto a região Norte cresceu de 0,7% para 1,1%. Houve recuos nas regiões Nordeste (de 8% para 6,8%) e Centro-Oeste (de 3,8% para 2,8%).