2019 de dor e de glória

20 filmes do ano em que o cinema gritou em defesa da humanidade

Em 2019, o cinema no Brasil e no mundo denunciou que as coisas não vão bem. Foi um dos melhores anos da história do cinema nacional, mesmo (e até por isso) sob ataques

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Cena do filme Parasita, de Bong Joon-ho. A desigualdade que explode em violência

São Paulo – As bilheterias de 2019 foram, mais uma vez, dominadas por grandes produções hollywoodianas. Em especial, mais um ano de hegemonia financeira das histórias dos universos Marvel e DC. Enquanto Os Vingadores: Ultimato (de Joe e Anthony Russo) fizeram a maior fortuna no ano, o vilão Coringa (de Todd Phillips), com toda sua carga dramática, e com uma forte atuação de Joaquim Phoenix, foi um dos filmes mais comentados.

Para muito além desse nicho, o fato é que o cinema viveu um período fértil, com grande destaque para as produções nacionais. Mesmo sob intenso ataque da forte onda ultraconservadora que se abateu sobre o país, o cinema brasileiro resistiu e ganhou o mundo em um dos melhores anos de sua história.

Foram tentativas de censura e de sufocamento financeiro, com o completo desmonte do setor público audiovisual nacional, promovido pelo governo do presidente ultraconservador de extrema-direita, Jair Bolsonaro (sem partido). Na contramão, foi o ano em que filmes como A Vida Invisível (de Karim Aïnouz), Democracia em Vertigem (de Petra Costa) e Bacurau (de Kleber Mendonça Filho), fizeram sucesso estrondoso e ganharam amplo reconhecimento fora do país.

Foi o ano em que o cinema falou seriamente sobre os problemas dos modelos de produção do sistema capitalista. Tal forma de arte usou seu amplo alcance para deixar explícito como modelos econômicos neoliberais trazem a ruína para a sociedade. Desde o excluído Coringa, da resistência do povo de Bacurau até a ausência do Estado no sul-coreano Parasita (de Bong Joon-ho). Este último, um dos grandes destaques do ano, revela como são frágeis e suscetíveis ao colapso e à violência as relações doentias em ambientes de extrema desigualdade.

De fato, a crítica social falou alto com os milhões de espectadores de tantos filmes neste ano. Logo no início do ano, em Janeiro, o grego Yorgos Lanthimos chegou aos cinemas brasileiros com um retrato requintado e ao mesmo tempo grotesco das vidas artificiais dos mais privilegiados. Se trata do impactante A Favorita. Já em março, foi a vez do talentoso Jordan Peele apresentar Nós; uma metáfora, um terrível pesadelo que mostrou o subterrâneo, as entranhas recalcadas da sociedade norte-americana.

A #RBA fez uma lista dos filmes mais marcantes do ano. Claro que algo pode passar, e o leitor também está convidado para falar com a reportagem, através das nossas redes sociais, Twitter, Facebook e Instagram, quais dos melhores filmes do ano deveriam estar lista.

Dez grandes filmes nacionais de 2019

A Vida Invisível, de Karim Aïnouz: Um complexo melodrama de altíssima qualidade. Mais uma grande obra do cinema nordestino. O filme provoca grandes desconfortos, tira o espectador de sua zona de conforto ao abordar temas tão importantes como a violência e a repressão do patriarcado na sociedade brasileira. Foi o vencedor do Prêmio do Júri em Cannes e o escolhido para representar o Brasil no Oscar.

Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles: Depois de grandes obras como os potentes O Som ao Redor (2013) e Aquarius (2016), o diretor recifense apresentou o grande sucesso do cinema nacional no ano (tem até quem diga que assistiu ao filme 11 vezes). Uma obra essencial que chama o Brasil de hoje para uma conversa seríssima. O grande hype é justificável. Um filme essencial.

Divino Amor, de Gabriel Mascaro: Mais um filme nordestino. Uma obra de terror para os mais atentos. Tão absurdo quanto possível, o diretor apresenta um Brasil distópico. Em apenas oito anos, o país se afunda em um regime evangélico totalitário. Cai o Estado laico, entra a estética tenebrosa (típica do conservadorismo brasileiro) e os sorrisos falsos. Mesmo com esse enredo catastrófico, o diretor apresenta uma visão leve e com respeito às crenças dos espectadores.

Democracia em Vertigem, de Petra Costa: A produção Netflix escancara muitas das faces do golpe de Estado pelo qual o Brasil passou em 2016, com a queda da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Um drama com pitadas de terror sobre as forças políticas e econômicas que botaram abaixo a democracia brasileira e acabaram colocando no poder a extrema-direita. O filme está na disputa por uma vaga no Oscar de Melhor Documentário. Foi o segundo documentário Netflix mais assistido no ano no Brasil.

Banquete Coutinho, de Jeosafá Veloso: “Eu faço uns filmes aí eu fumo”, diz Coutinho. O maior documentarista brasileiro, morto em 2014, agora virou personagem. Apesar de ainda não ter entrado oficialmente no circuito comercial (o que deve acontecer logo no início de 2020), o filme contou com exibições na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O Barato de Iacanga, de Thiago Mattar: “Um dos mais bem elaborados documentos sobre o que foram as três, quase quatro, edições do Festival de Águas Claras (1975, 1981, 1983 e 1984). Duvido que apareça algum inventário tão rico desses eventos como o reunido nesse filme do Thiago e companhia”.

Dois Papas, de Fernando Meirelles: A produção Netflix conta com atuações maravilhosas de Anthony Hopkins, interpretando o papa Bento XVI, e Jonathan Pryce, na pele do papa Francisco. Um grande sucesso de público e crítica que encanta com humor sutil e boa dose dramática. Algumas críticas são relevantes, tais como as que apontam para o não tratamento na obra do passado sombrio do conservador Joseph Ratzinger (Bento), que remonta aos tempos do nazismo. Vale a crítica. Vale o filme.

Babenco, Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou, de Bárbara Paz: Premiado como melhor documentário no Festival de Veneza; marca a estreia de Bárbara Paz na direção; trata da vida do grande cineasta brasileiro e argentino Hector Babenco.

Torre das Donzelas, de Susanna Lira: Documentário premiado reconstrói presídio Tiradentes, onde mulheres, entre elas a ex-presidente Dilma, foram mantidas como presas políticas. No filme, a “torre” foi recriada cenograficamente para que as presas políticas pudessem relatar os momentos passados ali. Vencedor do Prêmio Especial do Júri no 51º Festival de Brasília.


Dez grandes estrangeiros

Parasita, de Bong Joon-ho: O grande sucesso de crítica do ano, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e favorito ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Aqui, a luta de classes é protagonista. A absurda desigualdade e a irrelevância do trabalho diante de um sistema que perpetua riquezas provoca uma bola de neve de violência. Um filme de grandes viradas, outra obra essencial para os dias de hoje.

O Irlandês, de Martin Scorsese: O lendário diretor está de volta para retratar novamente o grande tema que permeou sua carreira: a máfia. O filme foi executado com absoluta perfeição técnica, tanto de Scorsese tanto dos principais atores: Robert de Niro, Al Pacino e Joe Pesci. Uma aula de cinema em três horas com produção Netflix. Vale também menção honrosa ao documentário Rolling Thunder Revue (2019), também de Scorsese, que trata de uma turnê de Bob Dylan e retrata o espírito dos anos 1970 nos Estados Unidos.

Era Uma Vez Em… Hollywood, de Quentin Tarantino: Mais uma aula de cinema. Com planos ousados e muito bem executados, tensão calculada e, como não poderia faltar, um certo grau de violência, Tarantino apresenta uma homenagem à história do cinema. Destaque para uma grande atuação de Leonardo di Caprio, ao lado do também competente Brad Pitt.

Odisseia dos Tontos, de Sebastián Borensztein: Com um roteiro muito bem executado, típico do cinema argentino, o filme traz Ricardo Darín em uma emocionante história de trabalhadores que tiveram que se virar diante dos problemas ocasionados pelo neoliberalismo aplicado no país, mais especificamente com o congelamento de depósitos e estabelecimento de limites para retirada de fundos no país em 2001, durante o governo de Fernando de la Rua, que ficou conhecido como Corralito.

Nós, de Jordan Peele: Uma metáfora, terrível pesadelo que mostrou o subterrâneo, as entranhas recalcadas da sociedade norte-americana. Um exercício de filosofia do diretor e roteirista que apresentou essa obra complexa após o sucesso de seu longa anterior, Corra! (2017). Destaque para a atuação assustadora de Lupita Nyong’o.

História de Um Casamento, de Noah Baumbach: Scarlett Johansson e Adam Driver entregam um trabalho de grande dedicação e sensibilidade. A atuação do casal é o grande ponto alto do filme que trata de um casal apaixonado de pessoas competitivas que acabam se envolvendo em um término conturbado. Um filme sobre vidas ordinárias (até certo ponto), como o diretor já fez em outras obras.

Dor e Glória, de Pedro Almodóvar: Um filme muito pessoal do grande diretor espanhol. Antônio Bandeiras interpreta um cineasta nesta obra que é uma evidente autobiografia. A obra é carregada de uma certa melancolia de um grande artista que tenta agora, passando dos 70 anos, transformar sua vida em arte. Um dos melhores filmes do mestre Almodóvar.

A Favorita, de Yorgos Lanthimos: Com belas atuações, especialmente de Rachel Weisz, essa obra do diretor grego apresenta um jogo de poder entre três mulheres em um ambiente palaciano. Com uma abordagem cínica da realeza, Lanthimos mostra a vida dos mais privilegiados não como algo a ser conquistado, mas como rituais superficiais e grotescos.

System Crasher, de Nora Fingscheidt: Indicado da Alemanha para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, System Crasher é um filme desconfortável do começo ao fim. Sequências criativas e boas tomadas acompanham a história de uma criança problema. O incomodo, aos poucos, se transforma em algo diferente conforme a menina se desenvolve e o espectador entende as dores da personagem.

Honeyland, de Tamara Kotevska, Ljubo Stefanov: Uma grande surpresa do ano, preferido do público e do Juri na Mostra de Cinema de São Paulo, Honeyland acompanha personagens que trabalham com apicultura, de forma simples e justa. Com recursos de documentário, a obra é um deleite visual. Conflitos sobre a produção de mel levam os espectadores a uma reflexão sobre a ganância e como existem outras formas mais equilibradas de se viver.

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