Arte e ativismo

Rodas tocadas só por mulheres reafirmam o lugar delas no samba

Segundo Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba, neste sábado, vai animar, simultaneamente, 23 cidades do Brasil e três do exterior

André Bandeira
André Bandeira
A roda de samba exclusivamente tocada por mulheres se repetirá em Londrina, nesse Segundo Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba

Porto Alegre — Sob o comando de mulheres cantoras e instrumentistas, o samba vai ecoar pelo Brasil neste sábado (9), durante o Segundo Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba. Tendo Leci Brandão como sambista homenageada, o evento será realizado em 23 cidades do país (veja lista abaixo) e em três do exterior, numa verdadeira celebração às mulheres sambistas. “O movimento é o estopim de muito preconceito que as mulheres sofrem na sociedade e, no samba, essa discriminação grita”, afirma Camille Siston, jornalista, produtora cultural e uma das coordenadoras do evento.

Com dificuldades de patrocínio para realizar um encontro que ocorre, simultaneamente, em mais de 20 cidades do país, ela destaca que o evento não é meramente uma festa de mulheres sambistas. “Ao mesmo tempo em que enfrentamos esses desafios de fazer acontecer sem recurso, amadurecemos nosso projeto e ele ganha mais fôlego e força. É um marco, um ato político e social que já entrou para o calendário do samba.”

Pesquisando a resistência da mulher no samba em seu trabalho de pós-graduação, Camille inclusive criou um termo para tentar definir a representação das mulheres — ou justamente a ausência — nesse gênero musical tão brasileiro: a “desinvisibilidade”. “Este evento é uma tática de resistência para trazer a ‘desinvisibilidade’ da mulher dentro do samba, pois não sabemos em que momento a mulher se tornou invisível”, explica.

“Esse evento veio como um grito de guerra. Os movimentos feministas estão cada vez mais fortes, mas não tinha nada inclinado para a mulher dentro do samba. Eu nem chamo de preconceito, existe discriminação, distanciamento. Foi dada uma definição de lugar para o homem, e ali eles se acham os donos da bola. Só eles são bons. Só homem pode tocar pandeiro bem, cavaco, violão”, pondera a produtora artística, responsável pelo projeto “Samba Delas”, na casa de show Rio Scennarium, no Rio de Janeiro.

Em tempos de governo de Bolsonaro e da crescente onda conversadora no Brasil, Camille não tem dúvida da importância de realizar o encontro de mulheres no samba, com elas no centro do protagonismo de um gênero clássico da música brasileira. Esse evento enfrenta todas as irregularidades de um governo fascista que estamos vivendo. Estamos falando de mulher, de mulher preta, de samba. Isso dentro de um país que corrobora com o machismo e com o racismo. Mais do que nunca precisamos estar atuante dentro da sociedade, nossa arte é ativista sim. Não vamos entregar nossos pontos, pelo contrário, queremos nosso espaço que é de direito.”

A abertura da roda de samba será às 16h. Uma hora depois, começam as transmissões ao vivo pelo Facebook, contemplando todas as cidades participantes. Ao todo, serão cinco horas de samba apresentado exclusivamente por mulheres, cantoras e instrumentistas, em revezamentos regulares até o final da noite.

A roda será realizada nas cidades de Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campinas (SP), Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Juiz de Fora (MG), Londrina (PR), Maceió, Maricá (RJ), Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São José do Rio Preto (SP), São Paulo, São Luís, Vitória e Volta Redonda (RJ), além de La Plata (Argentina), Florença (Itália) e Lisboa (Portugal).

Como surgiu a ideia de realizar o evento, em 2018? A intenção é ser anual?

A criação do Encontro Nacional de Mulheres foi criado para unir as mulheres. Não sabíamos como isso seria feito e através da nossa própria rede de amizade, o movimento foi tomando forma e chegando nas mulheres sambistas de outros estados. O movimento é o estopim de muito preconceito que as mulheres sofrem na sociedade e, no samba, essa discriminação grita. O mais importante é conseguir colocar em prática o poder que a mulher tem nas mãos. Vamos lutar juntas contra o fascismo, racismo e tentar transformar um mundo melhor para as próximas gerações.

Produzir arte no Brasil nunca foi fácil e está cada vez mais difícil. Um evento como esse, por sua característica, em mais de 20 cidades do país, enfrenta mais resistência ou mais apoio?

Enfrenta muita resistência. Poucas cidades têm patrocínio, acho que nenhuma. Contamos com alguns apoios, que não chegam perto de pagar as despesas. Faço produção cultural há mais de 10 anos e, se a cultura em si está difícil, no samba fica pior, e o samba feito por mulher, mais ainda.

Mas, ao mesmo tempo em que enfrentamos esses desafios de fazer acontecer sem recurso, amadurecemos nosso projeto e ele ganha mais fôlego e força. Ano passado estreamos com 10 estados, e esse ano estamos em 18. São 24 cidades no país todo, fora Itália, Portugal e Argentina.

O evento acontece dia 9 de novembro e, no dia 11, na segunda-feira seguinte, faremos reunião de produção para traçar um plano de negócio para 2020. O Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba não é uma festa, é um marco, um ato político e social que já entrou para o calendário do samba. Agora precisamos chegar nas empresas e mostrar a nossa potência.

O Brasil teve e tem grandes mulheres na história do samba, como Ivone Lara, Clementina de Jesus, Leci Brandão, Beth Carvalho, Jovelina Pérola Negra, Teresa Cristina, entre outras. Ainda assim, foram e são minoria. Por que?

Acredito que ser minoria foi algo socialmente construído por uma questão de performance da mulher dentro de uma mundo desenvolvido por um sistema patriarcal. O samba só existe graças a uma mulher, Tia Ciata, e as Tias Baianas, mas quando você pega o livro e procura ler sobre a história do samba, você encontra uma narrativa masculina, contando a trajetória dos homens, de Pixinguinha, Noel Rosa, João da Baiana, Ismael Silva, entre uma centena.

Eu digo, em minha pesquisa de mestrado que está em curso, no programa de pós-graduação em Cultura e Territorialidade, na Universidade Federal Fluminense, que este evento é uma tática de resistência para trazer a “desinvisibilidade” da mulher dentro do samba. Pois não sabemos em que momento a mulher se tornou invisível.

Como vocês avaliam a presença das mulheres no samba? Há muito preconceito e machismo?

Esse evento veio como um grito de guerra. Os movimentos feministas estão cada vez mais fortes, mas não tinha nada inclinado para a mulher dentro do samba. Eu nem chamo de preconceito, existe discriminação, distanciamento. Foi dada uma definição de lugar para o homem, e ali eles se acham os donos da bola. Só eles são bons. Só homem pode tocar pandeiro bem, cavaco, violão.

E isso é uma visão machista. Por isso que chegamos com o ‘pé na porta’, mobilizando um país para dizer que tem mulher no samba sim. Tem mulher tocando muita percussão, conga, pandeiro, surdo, cuica, compondo, tocando cavaco, violão. Tem mulher DJ, tem mulher em todas as funções dentro do samba. O encontro nacional desmistifica um rótulo machista e, aí sim, que se torna preconceituoso.

Qual a importância de realizar um evento como esse, em que coloca a mulher no centro do protagonismo de um gênero clássico da música brasileira? Adquire maior relevância no momento atual do Brasil, com o crescimento de posturas conservadoras na sociedade?

Esse evento enfrenta todas as irregularidades de um governo fascista que estamos vivendo. Estamos falando de mulher, de mulher preta, de samba. Isso dentro de um país que corrobora com o machismo e com o racismo. Mais do que nunca precisamos estar atuante dentro da sociedade, nossa arte é ativista sim. Não vamos entregar nossos pontos, pelo contrário, queremos nosso espaço que é de direito. Somos mais de 50% da população brasileira e nunca tivemos o devido valor no âmbito do trabalho. O espaço da mulher sempre foi delimitado pelos homens. Esse cenário já está em processo de mudança. E nós somos parte desse caminho. Queremos trazer coragem, força, empoderamento, segurança para que cada mulher se sinta no direito de reivindicar o que é certo, justo. Não estamos sozinhas, somos uma corrente que já está conectada em todo o país.


Consulte a programação deste Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba na sua cidade:

 

?? Aracaju (SE) » http://bit.ly/2lM5Z08⁣
?? Belém (PA) » http://bit.ly/2maSKWX⁣
?? Belo Horizonte (MG) » http://bit.ly/2lISq1g ⁣⁣
?? Brasília (DF) » http://bit.ly/2ma6OQs⁣
?? Campinas (SP) » http://bit.ly/2ma8edK ⁣⁣
?? Cuiabá (MT) » http://bit.ly/2kswzuY⁣⁣
?? Curitiba (PR) » http://bit.ly/2keTfPa⁣
?? Fortaleza (CE) » https://bit.ly/2oZ2zJb
?? Florianópolis (SC) » http://bit.ly/2lObcnO ⁣ ⁣⁣⁣
?? Goiânia (GO) » http://bit.ly/2MMDPvP ⁣⁣
?? João Pessoa (PB) » http://bit.ly/2ksycsy ⁣⁣⁣
?? Juiz de Fora (MG) » http://bit.ly/2ktZpLt ⁣⁣⁣
?? Londrina (PR) » http://bit.ly/2kEV1ZR⁣
?? Maceió (AL) » http://bit.ly/2lMIm7k ⁣⁣⁣
?? Maricá (RJ) » http://bit.ly/2m94ZTR ⁣⁣⁣⁣
?? Natal (RN) » http://bit.ly/2lOHrDp ⁣⁣
?? Porto Alegre (RS) » http://bit.ly/2kd6q35⁣
?? Recife (PE) » http://bit.ly/2keqwKi⁣
?? Rio de Janeiro (RJ) » http://bit.ly/2lJ0kHY ⁣⁣
?? Salvador (BA) » http://bit.ly/2mafGWg ⁣⁣
?? São José do Rio Preto (SP) » http://bit.ly/2VJP0t3 ⁣⁣
?? São Luís (MA) » http://bit.ly/2BfkiyE ⁣⁣
?? São Paulo (SP) » http://bit.ly/2kd8ZCf⁣
?? Vitória (ES) » http://bit.ly/2kETbIq⁣
?? Volta Redonda (RJ) » http://bit.ly/2lI7Fri ⁣⁣
?? La Plata (ARG) » http://bit.ly/2kD1Tag ⁣⁣
?? Lisboa (PT) » http://bit.ly/2MHOisn⁣
?? Florença (ITA) » http://bit.ly/2MeV61o⁣

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