De primeira

Fernanda Montenegro celebra ‘A Vida Invisível’ e o grande momento do cinema brasileiro

Filme do diretor Karim Aïnouz vencedor do prêmio Um Certo Olhar, em Cannes, concorre a uma indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro. E ganha exibição em SP nesta sexta

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"A Vida Invisível" deixa seus nós na garganta e desconstrói a rigidez do expectador. Participação de Fernanda Montenegro é breve, especial e essencial

São Paulo – O longa metragem A Vida Invisível celebra uma época de ouro do cinema nacional, em termos de criatividade e projeção internacional. Aplaudido em Cannes com o prêmio Um Certo Olhar, o filme do cearense Karim Aïnouz disputa pelo Brasil uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Previsto para estrear somente em novembro em circuito comercial, o longa terá uma projeção especial para o público de São Paulo na noite desta sexta-feira no cine Petra Belas Artes, depois de ter aberto a 43ª Mostra Internacional de Cinema, na semana passada

A atriz Fernanda Montenegro, 90 anos, tem participação especial em A Vida Invisível. E comemora “a frente de filmes que temos no Brasil”, apontando para a qualidade das novas gerações e, ao mesmo tempo, para o cenário nebuloso da história do país – de censura e perseguição aos que afrontam o ambiente neofascista nacional.

“Imagina neste momento, sem verba, temos uma filmografia de primeira. Ninguém vai nos calar, porque isso é vital. Estou viva. O ator é inexplicável, por isso sobrevive”, definiu a atriz, em recente entrevista na companhia da equipe do longa, onde não faltaram expressões de apreensão com o peso da conjuntura política sobre a produção audiovisual.

A safra de excelência da indústria cinematográfica nacional vive sob tiroteio da onda reacionária no país que elegeu presidente Jair Bolsonaro (PSL). Um governo que opera tentativas de sufocar a arte economicamente ou por censuras em editais públicos. Para Fernanda Montenegro, ela própria alvo de uma rede virtual de bolsominions, a resistência cultural parece fortalecer a qualidade estética da arte nacional.

O diretor Aïnouz celebra esse movimento. “A cada dia fico mais feliz com o caminho do cinema brasileiro. Temos uma exuberância e diversidade. Um cinema vibrante, e uma profissão também. É algo a ser celebrado. Sou otimista. Somos um acúmulo histórico. A cada ano produzimos mais filmes. O momento criativo é ótimo, este ano é exuberante para o cinema brasileiro. Me recuso a pensar em crise. Formamos um exército maravilhoso e tendemos a ter mais exuberância.”

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O produtor, Rodrigo Teixeira, reitera o diretor. Com orçamento próximo dos R$ 6 milhões, A Vida Invisível contou com poucos patrocinadores. “Momentos com pessoas mal educadas, contestamos com educação e criatividade. A arte brasileira contestou brilhantemente nos anos 60 e 70 e agora vamos fazer. Se tentarem censurar vamos contra, se tentarem censurar economicamente vamos atrás de outras formas. Tem gente pensando positivo. A arte não morre. O melhor para fazer é contestar o que foi eleito infelizmente. É o que tem que ser feito”, sentenciou.

O filme

A Vida Invisível causa uma sensação de nó na garganta a cada desencontro. Faz parte da intenção admitida pelo diretor em revelar “como mudaram as mulheres e pouco mudaram os homens”. O filme é ambientado nos anos 1960, e sua construção estética é um espetáculo à parte. Elementos da identidade carioca estão fortemente presentes, o que torna a cidade personagem. Os tons de luzes fogem ao previsível para um filme “de época”.

O melodrama complexo e envolvente ganha profundidade com os recursos do diretor, como belas e fetichistas câmeras lentas, que remetem aos trabalhos sensíveis de diretores como Wong Kar Wai e Pedro Almodóvar, ao mesmo tempo em que abraçam elementos como o calor carioca.

Algumas críticas da obra falam sobre sua sensualidade. Embora presente, a repressão por um patriarcado violento tão naturalizado e entranhado naquela (e nesta) sociedade, aos poucos a desconstrói.

A repressão progressiva em Eurídice – da privação do amor da irmã aos obstáculos em relação ao sonho de ingressar em um conservatório em Viena – tem construção delicada, como a evolução do caráter da personagem – impresso em seus ombros, seu olhar, seu corpo – com o passar dos anos.

A personagem de Fernanda Montenegro, em participação mais do que especial, tem presença crucial para dar ritmo a esse enredo denso. Ela desnuda a couraça que envolve Eurídice e, ao mesmo tempo, põe ao chão as armaduras que podem restar a um espectador.


Exibição

A Vida Invisível será exibido no Noitão do Cinema Petra Belas Artes, Rua da Consolação, 2423. A sessão começa às 23h30 desta sexta (25). Na sequência, será exibido o filme O Segredo dos Seus Olhos (2010), de Juan José Campanella. O longa argentino foi vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro naquele ano. Será exibido também um filme surpresa.

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