Reconhecimento

Em ritmos diversos, artistas brasileiros lançam músicas em homenagem a Lula após sua prisão

Programa "Hora do Rango" especial apresentou canções compostas por Ana Cañas, Siba e Lucas Santtana, entre outros autores

Leandro Godoi
Leandro Godoi
Desde os festivais Lula Livre, a música tem sido um importante instrumento de luta, resistência e homenagem ao ex-presidente Lula

São Paulo — Em meio ao processo de edição da biografia de Marisa Letícia, ex-mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Joana Monteleone, historiadora e editora da Alameda Casa Editorial, e o jornalista e escritor Camilo Vannuchi, autor da obra a ser lançada, começaram a descobrir músicas feitas em homenagem a Lula após sua prisão, em abril de 2018, na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. “A gente foi recolhendo as músicas informalmente, até que uma hora a gente falou: ‘Isso é ótimo pra um podcast ou um programa de rádio’”, recorda Joana, durante o programa Hora do Rango especial, em homenagem ao ex-presidente, que foi ao ar nesta quinta-feira (24), na Rádio Brasil Atual. Cada um descobria uma música nova e enviava para o outro. 

O programa abriu com Meu primeiro amor, do baiano Lucas Santtana, um dos autores da trilha sonora do filme Democracia em Vertigem. Segundo ele, a canção foi encomendada pela cantora Mariana Aydar, que acabou não gravando.

“Desde o princípio, a ideia da música era uma história de amor, como um Romeu e Julieta, em que o Romeu fosse um cara pobre do semiárido e a Julieta uma menina rica de Higienópolis (bairro nobre de São Paulo). É uma canção de amor com um fundo da questão social do Brasil, essa dificuldade que o país tem até hoje de amalgamar mais por conta da grande desigualdade social. Isso acaba dificultando a relação entre classes”, explica Lucas Santtana, em depoimento dado ao jornalista Camilo Vannuchi. “Obviamente, quando fui falar desse Romeu do semiárido, era impossível não citar o Lula e o que ele fez pelos mais pobres e por toda essa região do Brasil.”

Outra canção apresentada foi Viverei, de Ana Cañas. Ela conta ter ficado muito indignada e sensibilizada com a prisão política do ex-presidente, ciente dos interesses escusos para que ele não disputasse a eleição presidencial de 2018. “Então movimentei uma canção que fala sobre liberdade, democracia, sobre a importância da equidade e o espírito de resistência daqueles que acreditam num país mais justo socialmente. O governo do Lula trouxe mudanças sociais muito importantes, por mais que a gente possa fazer críticas ao partido”, afirma Ana, em depoimento gravado e apresentado no programa.

O clipe de Viverei foi gravado na Ocupação 9 de Julho, em São Paulo. “Essa música busca celebrar os movimentos de resistência que lutam por mudanças sociais e não têm reconhecimento, muitas vezes são demonizados pelo sistema, que tenta prender as lideranças”, argumenta a artista, amiga de Preta Ferreira, recentemente mantida presa por mais de 100 dias.

O programa continuou com Carcará de gaiola, canção de Siba que integra seu último álbum, Coruja Muda. De acordo com o autor, a letra da música foi escrita “no calor” da primeira entrevista dada por Lula na prisão. “Foi uma entrevista muito marcante, muito potente. A lucidez dele, a leitura do presente mesmo estando ali isolado. Escrevi o poema no calor da minha percepção e do quanto aquele fato político me afetou no momento”, afirma Siba. “Minha posição política contrária ao golpe, de apoio e reconhecimento do legado de Lula, já está muito clara há tempo suficiente pra não ter que me preocupar com isso”, diz ele, explicando não ter se importado com eventuais críticas que poderia receber ao incluir a canção no novo álbum.

“Os homens que lhe prenderam
Passeiam despreocupados
Parecem ratos mimados
Que de manhã já comeram
Mas à noite perceberam
Que não podem descansar
Se ele um dia se soltar
Que força ainda vai ter?
O que vai querer fazer?
E pra que lado vai voar?”

Trecho da música Carcará de gaiola, do álbum Coruja Muda, de Siba

Cangaço do terceiro milênio

Na sequência, o programa Hora do Rango especial apresentou “Lulampião e Marisa Bonita”, composta por Mauricio Baia, Gustavo Macacko e Gabriel Moura. “É uma música que fala do cangaço urbano e do linchamento virtual, diferente do linchamento daquela época”, explica Joana Monteleone.

A “playlist” em homenagem ao ex-presidente Lula continuou com Samba Lula Livre, de Teju, gravado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com a participação de 15 músicos, além de Teju (violão), Daniel Altman (violão de sete cordas) e Clayton Santana (percussão e cavaco). A música tem influência de Miriam Muniz, diretora musical do clássico álbum Falso Brilhante, de Elis Regina.

O Hora do Rango especial a Lula ainda colocou no ar a música Pertinho de Você, composta e gravada por Rodrigo Nunes na Vigília Lula Livre, em Curitiba. Militante do setor de cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do Sul, Rodrigo Nunes tem 31 anos e mora no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, cidade localizada na região metropolitana de Porto Alegre.

Do sul do Brasil para Los Angeles, nos Estados Unidos, o programa contou com a participação, via internet, de Daniel Téo, autor da canção You are not alone. Natural de Chapecó (SC), ele diz ter composto a música após assistir ao pronunciamento de Lula diante do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no dia da sua prisão.

“Foi muito triste. Pra mim foi a única opção pra aquele momento, tentar escrever uma música sobre o que eu estava sentindo.” Daniel Téo pondera que a inspiração abrangeu todo o estresse da eleição de Dilma Rousseff, em 2014, e os fatos seguintes que culminaram com o impeachment. “O dia que o Lula se rendeu foi o que desencadeou mesmo. Escrevi a música em cinco minutos. Foi um processo bem raro, geralmente demoro pra escrever música, fico trabalhando três ou quatro dias, mas aquele ali veio inteira, de uma vez só”, explica Téo, compositor de trilhas sonoras nos Estados Unidos.

Ele explica ter sido intencional escrever a canção em inglês, para que mais pessoas pudessem saber quem foi e é Lula. “Os políticos da ‘primeira classe’ sabem, mas o mundo, as pessoas comuns, não sabem a importância do Lula.” Daniel Téo apresentou a música no Festival Lula Livre, no Rio de Janeiro, uma experiência que, afirma, foi marcante. “Lembro de olhar aquele mar de gente e pensar que tudo daria certo, que a gente não estaria aqui agora. Mas vamos lá, a luta continua.”

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