Medo de quê?

Paranoia ideológica de Bolsonaro e medo de cultura. Chico Buarque é o alvo da vez

O governo de Bolsonaro institucionaliza a censura e reforça seu pavor do pensamento crítico. Mais nova vítima é filme sobre Chico Buarque

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Não é a primeira vez que esse grande artista brasileiro vive a censura. Muitas de suas músicas passaram pelas tesouras da ditadura civil-militar (1964-1985)

São Paulo – Nove meses de governo de Jair Bolsonaro já resultaram na extinção do Ministério da Cultura, em cortes drásticos em programas de incentivo à produção cultural, especialmente a audiovisual, ataques à Agência Nacional de Cinema (Ancine) e em ofensivas abertas contra produção artística. A bola da vez foi veto à exibição do filme Chico: Artista Brasileiro (2015), documentário de Miguel Faria Jr.

Sob ordem do Itamaraty, a embaixada brasileira em Montevidéu proibiu a exibição do longa-metragem, programada para outubro, em um festival de cinema brasileiro no Uruguai. “Chocado, mas não surpreendido”, disse o diretor sobre a censura. A obra trata exclusivamente dos 50 anos de carreira de Chico Buarque, um dos maiores nomes da música popular brasileira. Chico é opositor ao governo Bolsonaro, assim como foi à ditadura civil-militar (1964-1985) defendida pelo atual governo. No período, muitas de suas obras passaram pelas tesouras do regime autoritário.

Você vai pagar e é dobrado…

Junto com a escalada autoritária do governo Bolsonaro, cresce a repercussão e a indignação. O músico carioca Leoni – ex-Heróis da Resistência – lamentou o retorno da censura. “A ditadura chegou muito mais rápido que o previsto. Mais um caso de censura! As instituições estão funcionando normalmente, sem se manifestar.” A jornalista Mônica Waldvogel, da Globonews, chamou a ação do governo de “censura abominável”. “Pessoas do Itamaraty, formadas e mantidas pelo contribuinte brasileiro para defender o país no exterior, vão se prestar a esse papel sem qualquer reação?”, questionou.

Assim como o escritor Milton Hatoum disparou contra o ministro do Itamaraty, Ernesto Araújo. Seguidor do ex-astrólogo Olavo de Carvalho (que rejeita Einstein, flerta com a teoria da terra plana e acredita que o filósofo Theodore Adorno foi o verdadeiro compositor das músicas dos Beatles, que seriam “analfabetos musicais”), Araújo, entre outras visões anti-científicas, nega o aquecimento global. “O atual ministro da relações exteriores, que refuta o aquecimento do planeta e a globalização, é também um censor. Um inventário de absurdos e arbítrios”, disse o escritor.

Página infeliz da nossa história…

O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), argumenta que Bolsonaro governa para seu clã e não para o povo brasileiro. “O regime Bolsonaro rasga todo princípio ético ou republicano. Transforma o governo em uma extensão de seus interesses particulares e familiares, e não mais como uma representação do Estado. Na medida em que o governo Bolsonaro chega ao ponto de censurar a possibilidade de um filme ser veiculado em um festival por conta do fato de Chico ser um opositor, que não comunga com as ideias reacionárias estapafúrdias de Bolsonaro, podemos ter a dimensão do avanço do fascismo, do autoritarismo.”

Apesar de você…

Os ataques de Bolsonaro também incluem cortes de verbas para a produção audiovisual, como a anunciada nesta semana, de 43% no Fundo Setorial (FSA), além de ameaças de fechar a Ancine e acabar com os investimentos de empresas públicas, como a Petrobras. Na prática, Bolsonaro contribui para o aumento do desemprego, visto que o setor vinha em franco desenvolvimento, criando milhares de postos de trabalho ano a ano. Ataca a cultura de seu povo e contribui para a crise econômica, que está longe de ser resolvida.

Nesta semana, como o cancelamento da estreia do filme Marighella, de Wagner Moura, e a proibição de um espetáculo teatral infantil que falava sobre censura em Pernambuco. O bolsonarismo também ecoou nas tentativas de censura do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que mandou recolher material escolar que, basicamente, falava que a comunidade LGBT existe, e do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), que mandou lacrar exemplares de livro de HQ que tinha um quadrinho de um beijo gay na bienal.

A Justiça ordenou que Doria devolvesse o material escolar e, no caso da bienal, o resultado foi o amplo aumento nas vendas de livros com temática LGBT.

O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-deputado federal Wadih Damous lembrou que a investida bolsonarista contra a cultura não vai surtir o efeito desejado de calar as vozes da sociedade. “Eleger Chico Buarque inimigo do governo não apaga o fato de sua obra ser admirada pela maioria do povo brasileiro. A censura sobre o filme que fala da sua vida é mais uma sandice dessa gangue que nos (des)governa e que não pode ser banalizada.”

*Atualização: Mesmo com a censura do Itamaraty, a JBM Producciones do Uruguai, responsável pelo festival, anunciou que o filme será exibido

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