Tristezas do mundo

Adriano Grineberg: as origens africanas do blues tocadas ao piano

Em participação no "Hora do Rango", músico contou que tocar blues numa guitarra elétrica é motivo de perseguição e morte em alguns países da África. Resgate dessa "vida de artista" está em seu terceiro disco

Divulgação/Kaedi Konrad Waldmann
Divulgação/Kaedi Konrad Waldmann
Cena do filme "Mali Blues", país de forte influência na música do pianista Adriano Grineberg (destaque), e onde tocar blues elétrico pode levar à morte

São Paulo — Adriano Grineberg era adolescente quando foi ao Blues Festival, em 1989, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Ali ouviu Ed Motta, André Christovam e Magic Slim, entre outros, e foi apresentado à atmosfera do ritmo que mudaria sua vida. “Foi um som que me pegou logo de cara, foi uma noite mágica”, relembra o músico, durante o programa Hora do Rango que foi ao ar nesta terça-feira (23), pela Rádio Brasil Atual.

Curiosamente, o futuro pianista se encantou com o blues numa noite em que não houve pianista no palco. Tempos depois conseguiu um CD com 22 blues tocados no piano. Ouvia-o sem parar, três vezes ao dia. Um hábito que, diz, os jovens de hoje não têm mais. Escutar repetidamente a mesma música parece não fazer mais sentido para uma geração com fácil acesso à informação por meio da internet.

Naquela época, ter pouca chance de ouvir pianistas tocando blues dificultou imaginar o som que um dia gostaria de fazer. A situação foi mudando à medida em que Grineberg se aventurou pela música originária do norte da África, a fonte primária do blues. Segundo relatou o cantor e compositor, os africanos daquela região, quando escravizados nos Estados Unidos, não podiam usar tambores, pois a igreja protestante proibia, razão pela qual se desenvolveu no país americano uma música “mais vocalizada”. Situação diferente da que levou ao surgimento do samba no Brasil e de outros ritmos latinos e caribenhos, onde os negros originários da África deixaram o legado de uma música fortemente baseada em instrumentos de percussão.

A conexão com os ritmos africanos é hoje a essência do blues tocado pelo pianista Adriano Grineberg, que apresenta no próximo sábado (27), em show no Sesc Belenzinho, zona leste de São Paulo, seu terceiro álbum solo, batizado simplesmente de 108. O novo trabalho é uma fusão de influências diversas, começando por ritmos regionais do Brasil, sedimentado na origem africana do blues, e passando ainda por ritmos indianos, do Paquistão e do Oriente Médio. As músicas são cantadas em línguas ancestrais de diversos países.

Confira como foi o programa

“É um álbum que me representa bastante, minha história na Índia, na África, com o blues”, explica Grineberg. Uma história em que a música se funde com o encontro da própria espiritualidade e, ao final, se harmoniza numa única manifestação de vida. As experiências pelo mundo mostram ao pianista que a perseguição cultural em curso no Brasil, com ameaças de fechamento da Ancine e críticas a artistas não alinhados com as ideias do governo de Jair Bolsonaro, não são exclusividade dessa terra brasilis.    

“Não acontece só no Brasil, é uma coisa em escala global. Não só na cultura, mas em todos os aspectos, cada país tem a sua brecha para que isso aconteça. A gente tem um cenário preocupante”, pondera o pianista.

Ele dá como exemplo a situação dos músicos de blues no Mali, país localizado no norte da África, onde eles são perseguidos e mortos por usarem guitarra elétrica. “Na religião deles, isso é uma heresia imensa, então você está sendo contra a religião porque eletrificou uma guitarra.” Perseguição semelhante ocorre também na Mauritânia, Níger, Chade e Argélia. Por causa disso, músicos destes países escolhem morar na França, onde podem tocar seu ritmo predileto em instrumentos eletrificados.

O mesmo ocorre com os tuaregues, povo nômade do deserto do Saara e forte influência na música de Adriano Grineberg, que luta pelo reconhecimento de uma nação própria. Alvos de violência e perseguição, os tuaregues montam núcleos de resistência na França e na Bélgica. Porém, uma vez lá, costumam ser considerados suspeitos de serem terroristas. “O artista não tem vida fácil em nenhum lugar do mundo”, afirma.

Apesar de todas as dificuldades, Grineberg prefere permanecer otimista e esperançoso. “Quero acreditar que a boa música, aquilo que você faz, é insubstituível.”