Livre e firme

Hibernando na ‘casa das moças’, Odair José analisa o Brasil: ‘Foi um país alegre, hoje é um país de confronto’

Ao mesmo tempo em que divulga o novo álbum, ele segue na defesa do ex-presidente Lula. "O brasileiro não tem o direito de virar as costas para um cara que sempre os olhou de frente"

Rama de Oliveira/divulgação
Rama de Oliveira/divulgação
Há 50 anos conhecendo os muitos "brasis", Odair José sonha com um país unido. “Quando eu falo as coisas, não é fazer política, é tentar alertar as pessoas, inclusive as pessoas que seguem a opinião da elite"

São Paulo — Prestes a completar 71 anos, em agosto, o cantor e compositor Odair José tem cuidado com o que diz, se preocupa em não falar “besteira”, mas passa longe da ideia de ficar em cima do muro e não dar opinião sobre o momento político e social do Brasil. “Com a minha idade, medo não tenho”, disse ele, durante o programa Hora do Rango, na última quarta-feira (26). Cantor e compositor há cerca de 50 anos na estrada, a música sempre foi para ele o meio pelo qual se expressa e analisa o mundo. “É a forma que tenho de dar minha opinião sobre as coisas, falar das minhas observações sobre o que olho.”

Suas composições normalmente abordam temas e questões dos quais discorda. Para ele, é uma forma de chamar a atenção das pessoas. Ou, como costuma dizer, é “tocar o dedo na ferida”. “Como pessoa, tenho minha leitura sobre as coisas e essa leitura vai ser vista no meu trabalho”, explica.

Odair José se orgulha de rodar o país há 50 anos e conhecer os muitos “brasis” dentro do Brasil. É essa bagagem de quem há décadas roda todos os estados e rincões do país que lhe permite avaliar que o Brasil já foi um país alegre, enquanto hoje é um país de confronto. “Isso é um absurdo”, lamenta, enquanto diz sonhar com um Brasil unido, sem barreiras de preconceito.

“Quando eu falo as coisas, não é fazer política, é tentar alertar as pessoas, inclusive as pessoas que seguem a opinião da elite. A elite não está preocupado com o que vou dizer, mas as pessoas deviam estar: existem vários ‘brasis’ dentro desse Brasil, e eu conheço. Por isso, tem que ter muito cuidado com a linha de raciocínio de um Brasil único, porque não é”, afirma. Como músico, defende que todo artista se posicione politicamente, “seja a posição que forma”.

“Vou hibernar por um tempo
Me avise quando a cena mudar
O mundo está de ponta cabeça
Espera ele aprumar

Tem conspiração na terra do Sol
Manipulação com o futebol
É pão e circulo, com marmelada”

Trecho da música Hibernar, do novo álbum Hibernar na casa das moças ouvindo rádio. 

Lula livre

É com base nessa posição libertária que Odair José tem sido figura constante nos atos e shows em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e contra sua prisão política, encarcerado na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, desde abril de 2018. 

“Eu não saio por aí defendendo o presidente Lula, e essa posição que as pessoas veem como mais de esquerda, porque me beneficiei ou quero me beneficiar de algo. Eu quero apenas que o brasileiro esteja em boas mãos”, afirma o compositor do clássico Uma vida só (pare de tomar a pílula).

Autor de grande sucessos nos anos de 1970, Odair José acredita que “uma coisa louca” acontece atualmente no Brasil, um país imerso em equívocos atrás de equívocos. Dentre os erros, a posição de muitos brasileiros sobre a situação de Lula. “Acho que o brasileiro não tem o direito de virar as costas para um cara que sempre os olhou de frente, no caso, o presidente Lula”, defende, com a voz baixa e pausada. “O presidente Lula não precisa do Brasil. O Brasil precisa do presidente Lula.”

No Festival Lula Livre, realizado em São Paulo, em junho, Odair José cantou, entre outras, a música Eu vou tirar você desse lugar, lançada em 1972. Na época, a canção lhe rendeu a chegada de uma carta e uma intimação para comparecer num endereço ligado ao governo federal. Naqueles anos, o Brasil vivia o período mais violento e repressivo da ditadura. Ao se apresentar no local indicado, foi alertado a ter mais cuidado com o que escreveria dali em diante. Embora não tivesse sido censurada, a frase “eu vou tirar você desse lugar” desagradar a ditadura, que a considerar inadequada para o momento. O compositor ainda tentou explicar que a frase não se referia ao governo, mas sim a uma prostituta.

“Pior ainda”, disse o homem para Odair José. A partir daquele encontro, o músico teria canções censuradas em todos os seus discos seguintes. “Uma vida só (para de tomar a pílula), por exemplo, permaneceu proibida enquanto houve censura no Brasil. “Eles achavam que eu era uma péssima influência para a família, para os jovens.

No Hora do Rango, Odair José cantou ao vivo As noites que você passou comigo, outro sucesso proibido pela ditadura. Ainda que os tempos sejam outros, o eterno rebelde permanece revoltado com o que chama de “falsa moral” do brasileiro. “A maior censura que existe até hoje é essa falsa moral que a sociedade continua fazendo questão de jogar na cara da gente toda hora.”

“Incrível liquidação de armas de fogo
Você pediu, agora chupa

O assunto agora é a cultura da bala
Na falta de argumento a solução é uma vala
Alguém mergulhou nas contas do pré-sal
Não deu praia, se deu mal”

Trecho da música Chumbo grosso, do novo álbum Hibernar na casa das moças ouvindo rádio.  

As moças

Odair José acaba de lançar o 37º álbum de inéditas da carreira. Hibernar na casa das moças ouvindo rádio é um convite, segundo ele, à desobediência. O alvo é a hipocrisia que assola o Brasil. O nome do álbum, ele faz questão de explicar: “A gente vai pra casa das moças, e fica lá, porque o mundo aqui fora tá uma merda. E fica lá curtindo com as moças e ouvindo rádio para saber se melhorou aqui fora”.

Crítico e bem humorado ao mesmo tempo, diz que não gosta de muita coisa da sua própria discografia, músicas e álbuns que, avalia, foram desnecessários. “Estou tentando fazer uns discos que prestam agora, pra limpar aquelas besteiras lá atrás. Com todo o respeito a quem comprou os discos, tenho um repertório, uns discos, que não precisavam ter sido feitos daquela forma.”

A sinceridade com que analisa sua discografia é a mesma com que emite opinião sobre os destinos do país. Se por um lado há empolgação com o último álbum, por outro há a permanente preocupação com o futuro do Brasil. “Respeito aqueles que discordam, mas também gostaria que os que discordam, respeitassem minha opinião. O que estou fazendo é porque acho que essa minha posição é a melhor para o Brasil”, afirma.

“Não se chega a alvorada
Sem passar pela noite

Tem um papo no ar
Tá todo o mundo falando
Hoje ninguém vai pagar
A casa está liberando

Vai ser tudo de graça
E vai ter muita fartura
Já tem gente na praça
Esperando abertura”  

Trecho da música Liberado, do novo álbum Hibernar na casa das moças ouvindo rádio.  

Confira como foi o programa

Leia também

Últimas notícias