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Contra o ódio, ‘Ninguém Solta a Mão de Ninguém’ celebra a alegria na política

Com 24 textos, a coletânea leva no título a expressão criada pela artista Thereza Nardelli, que ganhou grande destaque após a vitória da extrema-direita nas eleições presidenciais do ano passado

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Obra coletiva ainda conta com uma música, composta especialmente para o conjunto

São Paulo – Ao declarar que “ninguém solta a mão de ninguém”, acadêmicos, ativistas e artistas traçam sua principal estratégia de resistência em tempos sombrios. Em uma noite de celebração, muitos deles se encontraram ontem (3) para o lançamento do livro que carrega no título a máxima, criada pela artista Thereza Nardelli Silva, que ganhou as redes sociais após a vitória da extrema-direita nas eleições presidenciais do ano passado. 

Ninguém Solta a Mão de Ninguém – Manifesto afetivo de resistência e pelas liberdades, editora Claraboia, foi lançado na livraria Tapera Taperá, que, além de vender livros, funciona como um centro cultural no segundo andar da Galeria Metrópole, no coração de São Paulo. Alguns dos autores participaram de uma conversa sobre os 24 textos da obra, incluindo a organizadora, Tainã Bispo.

“Trabalhei neste projeto por mais de seis meses”, explica, “é um livro coletivo que mistura poesia, prosa, vários tipos livres (…) Com esse livro, posso mostrar para meu filho que podemos combater o ódio com carinho, que podemos combater o cheiro de mofo com a alegria e o riso. Que o coletivo é melhor que o individual, que o plural é mais belo”, completou, ao lamentar a ascensão de políticos autoritários, com discursos homofóbicos e misóginos, que têm sua representação máxima, como afirma a própria escritora, em Jair Bolsonaro (PSL).

O lamento dos que estavam ali vem com uma ponta de alegria e esperança. Esta é uma das principais características que não pode ser perdida na prática política democrática e plural, defendem os autores. Juca Kfouri, que assina um dos textos do livro, sintetizou o sentimento: “Tem uma coisa que nos distingue dessa gente que, deploravelmente, está ganhando. Nós somos capazes de fazer política com alegria, com festa, com afeto. Isso é absolutamente diferente do que essa gente que está ganhando temporariamente pode fazer”.

Este livro-manifesto é justamente um apelo à união em torno desse sentimento positivo. Ao citar o seu bordão mais famoso, Juca completa: “Mais do que nunca, devemos reforçar a ideia de que precisamos novamente nos dar as mãos e dar a volta por cima. Tão importante quanto dar as mãos é não desesperar jamais”.

A escritora Edilamar Galvão, autora do texto A Fábula das Cores, ou Cante para Crianças, reafirma o tom de solidariedade, e fala da pluralidade presente no livro, que ainda conta com uma música criada especialmente para tal, da cantora Ceumar, em parceria com Lauro Henriques Jr. “Esse projeto é emocionante, o encontro dos 24 textos, a música da Ceumar, dizem que a nossa saída é essa: continuar fazendo a política da alegria, do afeto, do encontro. A única coisa que não podemos fazer é desistir. Não podemos recuar. Eles estão vencendo temporariamente. Nossa missão é ficar no front. Temos que fazer pressão para não perdermos.”

Em 192 páginas, ainda estão ali textos assinados, entre outros, pelo jornalistas Leonardo Sakamoto, o escritor Antonio Prata, a psicanalista Vera Iaconelli, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, os também escritores Julián Fuks e Alexey Dodsworth e por Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, vereadora do Psol do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018.

Luta democrática

Tainã define seu livro como “apartidário”, em defesa das liberdades democráticas. Para o jornalista Antônio Prata, que também integra a coletânea, a união em torno da sobrevivência minimamente digna deve ser central nas lutas por vir.  “Aqueles que chamávamos de golpistas há alguns anos, talvez sejam alguns que possamos contar. O centrão fisiológico, talvez seja quem vai barrar pena de morte legalizada pela PM. Ou falamos com o Romero Jucá, ou com um torturador do DOI-Codi. Se tamparmos o nariz e não falarmos, pode ser tarde demais.”

Ele argumenta que a democracia deve ser um projeto maior, e que é necessário “furar a bolha” dos que já são engajados no ativismo social. “Temos que abrir o leque e lutar pela democracia. É maior do que nosso projeto, é a democracia. Tem mais gente que pensa diferente mas compactua com isso. Temos que negociar neste momento. Não podemos nos fechar em nossa bolha para não acontecer o que já está acontecendo”, disse.

“Com a vitória do Bolsonaro tenho mais amigos, os fascistas tucanos não parecem mais fascistas. Eu falava que o Mário Covas era fascista em 1993. Eu estava errado, abre-se uma visão de um campo democrático. Temos que estender as mãos para fora daqui para todos que estão a fim de defender a democracia. Nossa obrigação é abrir o campo. Não vamos fazer resistência com grêmio da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo). Não vamos vencer assim”, completou.