Luto na música

Beth Carvalho, uma das rainhas do samba, morre aos 72 anos no Rio

Com 50 anos de carreira e intérprete de vários sucessos, como 'Vou Festejar' e 'Andança', ela estava internada desde o início do ano

“Ficamos em 3º com ‘Andança’ (no festival de 1968). Mas ficar atrás do Tom e do Chico, com ‘Sabiá’, e do Vandré, com ‘Caminhando’, era como vencer”

São Paulo –  Mangueirense, botafoguense, cantora, sambista, engajada politicamente, Beth Carvalho morreu nesta quarta-feira (30), apenas cinco dias antes de completar 73 anos, de causas ainda não divulgadas. Ela estava internada desde o início do ano no Hospital Pró-Cardíaco, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. Parte com cinco décadas de carreira e responsável pelo lançamento de nomes como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Jorge Aragão e Almir Guineto, além do grupo Fundo de Quintal.

“O ambiente em casa sempre foi muito musical. Minha vó tocava violão e bandolim. Meu pai adorava cantar, era um homem moderno, me deu discos de João Gilberto e Dorival Caymmi. Minha mãe adorava ópera e cantava músicas do Orlando Silva”, contou Beth em entrevista à Revista do Brasil em 2011 (confira ao final do texto). Ela explicou as origens de seu ativismo político, que também veio do berço.

“Meu pai era de esquerda, foi perseguido pela ditadura, era varguista, brizolista, janguista e também admirava muito o (Luiz Carlos) Prestes. Minha mãe sempre estava do lado dos pobres. Esse era o ambiente em casa, boa música e política de esquerda”, contou Beth. O posicionamento político, sempre aberto, foi demonstrado mais uma vez no ano passado, quando a sambista gravou Lula Livre, de Claudinho Guimarães, pedindo a liberdade para o ex-presidente. Assista:

O primeiro compacto é de 1965, ainda sob a influência da Bossa Nova. No ano seguinte, começou seu mergulho no samba, do qual nunca mais iria se separar. Mas Beth tornou-se nacionalmente conhecida a partir de sua participação no Festival Internacional da Canção (FIC) de 1968, com sua interpretação, ao lado dos Golden Boys, de Andança, um clássico de nascença, composto por Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi.

A canção ficou em terceiro lugar naquele festival, atrás apenas de Sabiá (Tom Jobim e Chico Buarque) e Pra não Dizer que não Falei das Flores (Geraldo Vandré). Mas ficar atrás desses artistas “era como vencer”, disse Beth.

Me leva, amor
Por onde for
Quero ser seu par

A lista de sucessos é grande. Inclui músicas como 1.800 Colinas, Saco de Feijão, Olho por Olho. Vou Festejar é cantada em qualquer encontro de sambistas. E Coisinha do Pai chegou ao espaço, escolhida pela Nasa, a agência especial norte-americana, para tocar em Marte. Beth também gravou clássicos de compositores do samba carioca, como Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho, e As Rosas não Falam, de Cartola.

Chora
Não vou ligar, não vou ligar
Chegou a hora
Vais me pagar
Pode chorar, pode chorar

Em 1979, Elizabeth Santos Leal de Carvalho casou-se com Edson de Souza Barbosa, jogador de futebol. Luana, filha do casal, é atriz e cantora. Em 1984, Beth foi tema do samba-enredo da Unidos do Cabuçu, que ganhou o campeonato no grupo de acesso, na inauguração do Sambódromo. Foi a primeira de várias homenagens à sambista.

Em 2013, por motivos de saúde, ela não conseguiu participar do desfile da Acadêmicos do Tatuapé, em São Paulo. Nos últimos anos, sofria com problemas na coluna. Tornou-se famosa a imagem de Beth participando deitada de um show com o Fundo de Quintal, em 2018.

“Hoje fica apenas o luto – ainda mais neste momento terrível cultural do país – de uma brasileira resistente, que nunca se vendeu ao comercialismo barato”, escreveu o produtor Rodrigo Faour em rede social. “Sempre gravou o melhor da música brasileira, primeiro em bossa nova e toada moderna, depois o melhor repertório de samba que uma intérprete já teve, pois seu bom gosto musical era fantástico. Sempre resgatando grandes compositores do passado e apostando em novatos”, acrescentou.  

“Nossa querida Beth Carvalho partiu hoje às 17:33, cercada do amor de seus familiares e amigos. Agradecemos todas as manifestações de carinho e solidariedade nesse momento. Beth deixa um legado inestimável para a música popular brasileira e sempre será lembrada por sua luta pela cultura e pelo povo brasileiro”, afirmou a página oficial da cantora.