Molhando a palavra

‘Falando alto pelos botecos’ discute Chico Buarque, a literatura e a cachaça

Encontro promove 'harmonização cultural', discutindo a obra do compositor com interpretações musicais ao vivo e degustação de cachaças

Rodrigo Propósito/Creative Commons 2.0

Chico em desfile da Mangueira, em 1989: brasileiríssima cachaça dá o tom de várias de suas músicas

São Paulo – “A cachaça é polivalente, em cada canção ela tem um valor, um sentido. Lembra a propaganda de um conhaque que passava no rádio antes dos jogos de futebol: ‘para comemorar a vitória ou consolar a derrota, beba o conhaque tal’.” É assim que o pós-doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP) Maurício Ayer define as múltiplas formas como a aguardente tipicamente brasileira aparece na obra de um dos maiores compositores do Brasil, Chico Buarque.

O encontro “Chico Buarque: Falando Alto Pelos Botecos”, que faz parte do ciclo Literatura Brasileira & Cachaça, vai contar com leituras e audições de músicas, peças de teatro e romances do autor onde a bebida aparece. Além de ter uma degustação de marcas da terra natal do autor, o Rio de Janeiro.

Ayer ilustra como ela permeia diversas das letras do músico e compositor. “Por exemplo, em Meu Caro Amigo, a cachaça é o que ajuda a ‘segurar o rojão’, é um lenitivo para a dureza da vida, e harmoniza culturalmente com o samba-choro que sustenta os versos. Esse mesmo sentido de aguentar a dureza é levado ao extremo, com conotação pesada e negativa,  em Deus lhe Pague, pois aí se trata da fala de um miserável que agradece ‘a cachaça de graça que a gente tem que engolir'”, explica.

“Nos dois polos dá para colocar Feijoada Completa, em que a cachaça é combustível para o almoço festivo com os amigos, e Com Açúcar com Afeto”, pois aí o personagem já tem uma relação problemática com a bebida, que o desvia do caminho da oficina ou do caminho de casa para uma vida de uma nostalgia ébria com retrogosto de melancolia.”

Mas a bebida não representa só tristeza ou sofrimento na obra de Chico e chega a adquirir nuances mais lúdicas em suas canções. “Em ‘Joana Francesa’, a cachaça é o perfume do amante, faz parte de sua sedução, dos caminhos do desejo. E em Paratodos, Chico faz alusão às garrafadas, esses remédios populares feitos de infusões de ervas em cachaça, para receitar doses concentradas de música popular brasileira, como nos versos: ‘Fume Ari, cheire Vinícius, beba Nelson Cavaquinho’, entre outros”, ilustra.

A “malvada” também se faz presenta nas peças teatrais. “Na Ópera do Malandro, por exemplo, primeiro é preciso falar das canções que fazem parte da peça. O prólogo O Malandro usa como mote um gole de cachaça: o malandro sai sem pagar e esse prejuízo vai sendo passado por toda a escala da sociedade até chegar ao topo do poder global no contexto do Estado Novo, que é o exército americano, aí volta descendo essa escala, do Banco do Brasil até o garçom do bar, e estoura de volta nas costas do malandro, que é considerado culpado pela situação do país”, destaca. “Ou seja, com uma habilidade imensa e um poder de síntese incrível, Chico conseguiu retratar o jogo de poder que perpassa toda a sociedade e, ao mesmo tempo, a principal construção ideológica do período Vargas, que é a de enaltecer o trabalho e perseguir o malandro.”

Nos livros, como em O Irmão Alemão, a bebida marca presença. “Ali, bebe-se muito, mais principalmente cerveja e stanhäger, em função do tema do livro, e também uísque nacional, que não deixa de ser um duplo da cachaça, versão classe média. O interessante aqui é que ele resgata um pouco a memória do antigo bar Riviera, na esquina da Consolação com a Paulista, que era frequentado pelos estudantes e esquerdistas em geral. E também a cervejaria Zillertal.”

Literatura Brasileira e Cachaça: Chico Buarque
19/05 (sábado)
Das 16h às 19h
Ateliê do Bixiga. rua Conselheiro Ramalho, 945, Bela Vista, São Paulo
Inscriçõesneste link

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