Cinema

‘Pagliacci’ celebra a figura do palhaço e homenageia Domingos Montagner

Documentário acompanha a produção da versão teatróloga e circense da ópera homônima reinterpretada pela Lamínima, companhia criada em 1997 por Fernando Sampaio e Montagner, que morreu em 2016

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‘Pagliacci’ é o primeiro espetáculo que Sampaio (esq.) faz sem Montagner, seu amigo e parceiro há mais de 20 anos

“Eu não estou aqui para dizer que as lágrimas que aqui choramos são falsas, embora o riso seja verdadeiro. Eu estou aqui para contar o que lembro e para lembrar que todo artistas é um ser humano e todo ser humano é um tolo. E talvez essa tolice seja a nossa salvação. A vida não é uma ópera, como queria Machado de Assis, mas um circo. E somos todos – todos! – palhaços: presidente, político, policial, por trás de uma aparência séria, tentam disfarçar suas ridículas misérias”, anuncia o personagem Tonio na abertura do documentário Pagliacci, que estreou nesta quinta-feira (26) nos cinemas.

Dirigido pelo quinteto Chico Gomes, Julio Hey, Luiza Villaça, Pedro Moscalcoff e Luiz Villaça, o longa-metragem é uma homenagem poética ao ofício do palhaço e ao ator Domingos Montagner, que morreu afogado no Rio São Francisco, em 2016, no intervalo entre as gravações da novela Velho Chico, da Rede Globo.

Além de reflexões filosóficas sobre o “ser palhaço” e a importância de rir de si mesmo, o filme acompanha a produção da peça circense-teatral Pagliacci, uma versão da ópera italiana homônima reinterpretada pela companhia LaMínima. Ele também conta a história desta trupe criada pelos atores e palhaços Montagner e Fernando Sampaio, ou Agenor e Padoca, que trabalharam juntos por mais de 20 anos.

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Fernando Sampaio visita Roger Avanzi, o famoso Palhaço Picolino

Este é o primeiro espetáculo que Sampaio faz sem a presença física de seu parceiro e amigo de longa data e o documentário faz jus à memória de Montagner. A dupla que em 2008 ganhou o Prêmio Shell de Teatro SP de Melhor Ator com a peça A Noite dos Palhaços Mudos se conheceu no Circo Escola Picadeiro, em São Paulo. Foi lá que se tornaram “discípulos” de Roger Avanzi, o lendário Palhaço Picolino, e aprenderam esta profissão considerada uma das mais antigas da humanidade.

O encontro de Sampaio com Avanzi é um dos pontos altos do filme, quando a admiração e a amizade entre mestre e pupilo faz transbordar generosidade e emoção. Sampaio relembra o que sentiu ao ver Picolino pela primeira vez: “Quando eu conheci ele [sic] em cena, junto com a dupla, que era o Pinguim, um anãozinho deste tamanhinho, foi muito encantamento. A criança, quando vê o Batman, ela pensa em ser o Batman ou o He-man ou um grande herói, né? Quando vi Roger atuando, eu falei: ‘Acho que esse é o ofício que eu teria prazer em fazer’”, declara.

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Companhia LaMínima em ‘Pagliacci’

O riso e a vida

As reflexões que a produção promove sobre a necessidade humana de rir e, especialmente, de rir de si mesmo, são trazidas à tona por meio de entrevistas com vários palhaços e cenas do dia a dia de ensaio da companhia LaMínima. A fotografia de Pedro Moscalcoff harmoniza e traz ainda mais poesia aos depoimentos, além traduzir em imagens a incrível transformação que ocorre quando os atores e atrizes encarnam seus personagens.

Para o italiano Leris Colombaioni, do circo Ercolino, fazer rir é fundamental para a humanidade. “O palhaço é aquela pessoa que percorre o mundo com a esperança de proporcionar riso e alegria, de contribuir para a vida da humanidade. Por isso mesmo o encontramos em tantas partes do mundo, em diversos lugares. É um personagem universal, o encontramos em zonas de guerra, de paz, nas praças, nas ruas, nos metrôs, nos hospitais, em toda parte”, diz.

“O palhaço é uma pessoa livre, exagerada em sua humanidade, e que tem como objetivo fazer rir. Há palhaços profissionais, que vivem da profissão, e há muitos palhaços na vida, nas famílias, nos bairros, entre amigos. É uma atitude”, afirma o Fernando Cavarozzi, que interpreta o palhaço Chacovachi. “As pessoas quando veem um palhaço, se reconhecem em suas estupidezes e veem nele características que gostariam de ter. O que faz o palhaço: perde a dignidade com dignidade. E a pessoa quando perde a dignidade se traumatiza por toda a vida. O palhaço é aquele que cai e se levanta com a mesma alegria. O palhaço provoca, delira, denuncia”, continua o argentino.

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Montagner e Sampaio

 Além da paixão pela arte, o que Pagliacci apresenta ao espectador é o trabalho de artistas completos. “Eles são músicos, eles são atores, eles são acrobatas, eles são palhaços. Eles retomam essa tradição de ‘super artistas’ e colocam novamente o palhaço no lugar de destaque. Quando Duma [Domingos] e Fernando ganham o prêmio de Melhor Ator do Prêmio Shell por Uma Noite dos Palhaços Mudos, é como se coroassem esse grande artista, essa grande personalidade que são os palhaços”, pontua Veronika Tamaoki, coordenadora do Centro de Memória do Circo.

O longa do quinteto de diretores da Bossa Nova Films é uma ode ao riso, à arte, ao circo e à alegria, este sentimento de leveza e contentamento cada vez mais difícil de alcançar neste país que ultimamente tem ganhado mais e mais tons de cinza. Vem à tona o desejo de lutar para voltar a ter vontade de sorrir pois, como diz o argentino Fernando Cavarozzi no filme, “ninguém pode estar em paz com algo do qual não pode rir”.

CartazPagliacci
Direção: Chico Gomes, Julio Hey, Luiza Villaça, Pedro Moscalcoff, Luiz Villaça

Argumento: Luiz Villaça
Roteiro: Guilherme Quintella
Produção: Denise Gomes, Paula Cosenza, Luciana Lima, Fernando Sampaio
Produção executiva: Adriana Tavares
Fotografia: Pedro Moscalcoff
Som direto: Adriano Vasquez, Guilherme Lessa, Luciano Raposo, Marcelo Lopes, Robson Lima, Rodrigo Amorim, Tales Manfrinato
Montagem: Gabriel Lancman
Edição de som: Daniel Sasso e Toco Cerqueira
Mixagem: Toco Cerqueira
Trilha sonora original: Marcelo Pellegrini
Texto e adaptação da peça Pagliacci: Luís Alberto de Abreu
Elenco/Personagens: Alexandre Roit, Alice Viveiros de Castro, Carla Candiotto, Cesar Guimarães, Chico Pelúcio, Claudio Carneiro, Erica Stoppel, Fernando Cavarozzi, Fernando Paz, Fernando Sampaio, Filipe Bregantim, Keila Bueno, Luciana Lima, Marcelo Lujan, Roger Avanzi (Picolino), T´ófanes da Silveira, Verônica Tamaoki