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Paixão pela arte e escassez documental marcaram a trajetória de Torquato Neto

Chega aos cinemas o documentário “Torquato Neto: Todas as horas do fim”. Com poucos registros diretos do poeta, a produção mira obra escrita e depoimentos de grandes nomes da cultura popular

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‘O que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice’

São Paulo – “Estou cansado: de que lado é isso? Careço: luz e força. Gás e telefone. Manchete de jornal desta semana: amor mata três.” As palavras angustiantes do poeta tropicalista Torquato Neto representam sua sufocante e curta, porém, forte trajetória como artista. Os diretores Marcus Fernando e Eduardo Ades tentam trazer a síntese desta figura histórica em documentário que será lançado nos cinemas na quinta-feira (8).

A tarefa da equipe do documentário Torquato Neto: Todas as horas do fim não foi fácil. A escassez de material sobre o artista é notável na produção, que compensa em depoimentos de nomes chaves da Tropicália, como Gilberto Gil, Jards Macalé, Caetano Veloso e Tom Zé. Para dar vida e lugar de fala ao artista principal, o ator Jesuíta Barbosa cede sua voz e recita, durante todo o longa, poemas e textos de Torquato.

Fica claro no documentário a vocação principal de Torquato: a escrita. Nasceu em 1944, filho de professora e defensor público, em Teresina. O poeta Torquato nascera cedo. O primeiro texto apresentado do artista fora escrito quando ainda com 9 anos. “Meu nome é Torquato/ O de meu pai é Heli/ O de minha mãe é Salomé/ O resto vem por aí.”

A partir deste ponto, o documentário relata de forma cronológica, mas não explícita, a evolução de Torquato, que morreu jovem, em 1972. Cometeu suicídio aos 28 anos. No início, a relação complicada com a mãe, que o criara para si, ou outro propósito, não o qual ele seguiu. Inquieto, tão logo pôde, se mudou para Salvador e, posteriormente, para o Rio de Janeiro. Nesse tempo, se aproximou e se afastou do movimento da Tropicália. De início, tinha ressalvas: não por ser conservador, mas por ser muito crítico, como deixa claro o longa.

A escassez de material também é suprida com imagens de Torquato enquanto participou de outra paixão: o cinema. Durante os tempos duros da ditadura civil-militar (1964-1985), o artista preferiu o exílio a viver calado. Demonstrou cansaço com uma superestimada Paris e se encantou por Londres. Lá, conheceu nomes como Jimi Hendrix e Yoko Ono. Diferente de outros artistas exilados, Torquato não conseguiu uma renda estável, o que levantou o desejo de voltar. Nesse tempo, nutria o sonho de produzir e dirigir filmes.

Pouco antes do suicídio, Torquato realizou seu sonho, ao dirigir o filme Terror da Vermelha (1971/1972). Antes disso, participou como protagonista do filme Nosferatu, de Ivan Cardoso (1970). O artista então assumiu sua “identidade vampiresca”. De acordo com relatos, os outros atores temiam Torquato por tanta paixão ao interpretar. Para os amigos, a imagem do vampiro caiu bem para a personalidade do poeta que aos poucos “sugava” sua energia vital até chegar ao ponto de se suicidar.

Ele não nos deu a oportunidade de mais, pois achou que deveria partir”, afirma Gilberto Gil. A situação do país sob ditadura e a inércia popular agravaram o desencanto, como Torquato demonstrou em uma carta enviada a seu mais querido amigo, o artista plástico neoconcretista Hélio Oiticica, com quem trabalhou brevemente em Londres.

O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma. Todo o mundo virou uma espécie de Capinam (esse é o único de quem eu não gosto mesmo: é muito burro e mesquinho), e o que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice, a queimação de fumo o dia inteiro, como se isso fosse curtição, aqui é escapismo, vanguardismo de Capinam que é o geral, enfim, poesia sem poesia, papo furado, ninguém está em jogo, uma droga. Tudo parado, odeio”, disse em carta próximo ao suicídio, em 1971.

Torquato deixou muitas músicas gravadas por grandes nomes, como os já citados tropicalistas, além de Luiz Melodia, Sérgio Britto, Edu Lobo, Geraldo Azevedo, Geraldo Vandré, entre outros. Caetano dedica sua música Cajuína ao velho amigo. Além disso, toda a obra jornalística enquanto trabalhou no periódico Última Hora, onde cultivou uma coluna intitulada “Geleia Geral”.

Ficha técnica:

Título: Torquato Neto – Todas as horas do fim
Ano de produção: 2017
Direção: Eduardo Ades e Marcus Fernando
Duração: 88 minutos
Gênero: Documentário

Assista ao trailer:

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