Tempos sombrios

Artistas repudiam fim de exposição queer no Santander Cultural após pressão do MBL

Mostra tinha obras de 85 artistas, entre eles Lygia Clark, Di Cavalcanti e Alfredo Volpi. Para a artista Ana Norogrando, a decisão do Santander Cultural em cancelar a exposição é “uma guinada à Idade Média”

Reprodução Facebook

Obra de Ana Norogrando que integrava a exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”

São Paulo – Após a decisão do Santander Cultural em encerrar a exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, em Porto Alegre, artistas cujos trabalhos integravam a mostra têm se posicionado nas redes sociais criticando o fim precoce da exposição.

Iran Giusti, criador das imagens e frases do Tumblr “Criança Viada”, que inspiram os quadros da artista Bia Leite, explicou no seu perfil no Facebook que as fotos foram enviadas, em 2012, pelos próprios donos. A obra de Bia Leite está entre as mais criticadas por supostamente fazer apologia à pedofilia.

“As frases que ilustram as obras da Bia são minhas e me doeu pra caralho ver que algo que eu escrevi, que foi tão lindamente entendido por anos, acabar sendo colocado como apologia à pedofilia por tanta gente inconsequente e desinformada”, disse ele.

“Como dizer que uma obra de arte que contém imagem de zoofilia é apologia? Obras sobre crimes, sobre guerras, sobre violência são apologia para estas coisas? Vai ter boicote ao Museu do Prado que expõe “O Jardim das delícias terrenas”, do Bosch e que conta com várias imagens de zoofilia? A gente vai proibir a publicação de ‘120 dias de Sodoma’ do Sade ou ‘A Casa dos Budas Ditosos’ do João Ubaldo Ribeiro por ter cenas de zoofilia? É nesse ponto que a gente chegou?”, questiona o artista.

Reprodução Facebook
Obra de Bia Leite foi uma das que causou revolta nas redes sociais

A artista Ana Norogrando definiu como “estarrecedora” a polêmica criada em torno da exposição, “sob a égide de um discurso moralista baseado na intolerância, no preconceito e na inveja”. Para ela, a decisão do Santander Cultural em cancelar a exposição é “uma guinada à Idade Média”.

“Algumas pessoas intolerantes, em sua maioria jovens, evidenciam desconhecimento total da arte, suas manifestações e história. Resultado de nossa educação! Seres humanos insensíveis à diversidade! Lembro de meu tempo na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), interior do RS. Há 30 anos atrás já convivíamos com a pluralidade de modo natural, fazia parte de nossa vida! Então, é assombroso assistir tudo isso, hoje, no século XXI”, escreveu ela em seu post.

Ana Norogrando pondera que a temática da exposição queer não é nem sequer inovadora e que a proposta da curadoria não é “fechada”, o que abre a possibilidade para outras visões sobre o tema, a exemplo de outros museus do mundo que já fizeram exposições sobre o mesmo tema.

“A temática Queer não é inovadora, pelo menos para quem conhece um pouco mais. É um tema já muito trabalhado e publicado internacionalmente, inclusive na moda. O mérito da exposição é olhar por este tema a Arte no Brasil. Assim, quanto mais projetos e ações efetivas houverem para a visibilidade da Arte Brasileira, melhor! Façamos!”, afirmou.

Já a ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda comparou o episódio com a peça de teatro Roda Viva, proibida pela ditadura civil-militar, em 1968, após atos de violência cometidos contra o elenco por integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

“Ataques violentos por parte de alguns visitantes, além da campanha agressiva nas redes sociais fizeram com que os responsáveis pelo espaço cultural resolvessem fechar a exposição prevista para se estender até outubro. É a intolerância exibindo a sua cara através da força”, disse a ex-ministra em seu perfil no Facebook.

Leia também

Leia também

Últimas notícias