Cinema

Por trás dos dramas dos imigrantes pelo mundo, um negócio de US$ 400 bilhões

'Por Um Punhado de Dólares, Os Novos Emigrados' acompanha a vida de pessoas que, em busca de melhores condições de vida, deixaram seus países e passaram a enviar dinheiro para ajudar a família

Divulgação

Os filhos de Jorge Takano se mudaram para Tókio para ajudar o pai com as dívidas contraídas depois do acidente

São Paulo – Segundo dados do Banco Mundial, mais de 200 milhões de homens e mulheres deixaram seus países em busca de melhores oportunidades econômicas e condições de vida. Juntos, eles movimentam cerca de US$ 400 bilhões por ano em forma de remessas de dinheiro que enviam para ajudar as famílias que ficaram para trás. Este é o tema do documentário Por Um Punhado de Dólares, Os Novos Emigrados, de Leonardo Dourado, que estreou nesta quinta-feira (16) nos cinemas brasileiros.

O longa-metragem – filmado no Brasil, Alemanha, Japão, México, Estados Unidos e Gâmbia – aborda questões atuais, como imigrantes indocumentados que pagam impostos mas não têm direitos de cidadãos, a ampliação do muro que separa mexicanos e norte-americanos, as difíceis condições de trabalho em subempregos, a saudade da família, dos amigos, da terra natal, entre outros assuntos que envolvem a imigração.

Segundo o diretor, a ideia para a produção do filme nasceu em 2005, quando ele estava na Guatemala e leu uma notícia sobre o alto valor em dólares das remessas de cidadãos emigrados de vários países latino-americanos. Na época, alguns fatos chamaram sua atenção. “Altas taxas cobradas na intermediação desses valores, o fato de os bancos (mesmo os públicos) pouco se interessarem por esse serviço, visto que migrantes indocumentados geralmente eram caso de polícia e o crescimento de toda uma indústria de intermediação de empresas como Moneygram e Western Union. Um alto funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento me disse que a intermediação de remessas foi o grande negócio praticamente desconhecido dos anos 1980 e 1990”, aponta Leonardo Dourado.

O longa demorou 10 anos para ficar pronto e a situação desde então não mudou. “México e Brasil eram e são até hoje os campeões em remessas de dinheiro para casa. O Brasil recebe em torno de US$ 7 bilhões por ano. Atualmente, há 244 milhões de pessoas morando fora de seus países em busca de uma vida melhor. A estimativa do Banco Mundial e do Bird é que isso tenha gerado, em 2016, a bagatela de US$ 600 bilhões. Imaginei que junto com o fato econômico deveria haver o drama das famílias separadas e parti em busca de personagens para contar essas histórias”, afirmao diretor.

“Nenhum ser humano é ilegal”

Esta foi uma frase que vi pichada em muros na Califórnia e que resume bem o espírito do filme. Ninguém pode ser considerado ilegal por buscar um futuro melhor para os seus. São no máximo indocumentados e assim são tratados no filme. Até um profissional de finanças, Donald Terry, ex-diretor do Bird, declara em depoimento para o filme que é uma contradição que, em plena globalização haver livre trânsito de capitais, de tecnologia e não haver livre trânsito de pessoas. É uma mensagem contra a discriminação e xenofobia que infelizmente já afetam países da América Latina, como Argentina e o próprio Brasil”, declara Leonardo Dourado.

As histórias retratadas no documentário revelam dois lados de uma mesma moeda: o dos trabalhadores que deixam seus países e o de suas famílias que permanecem e recebem muitas vezes uma pequena, porém preciosa, ajuda financeira. Este é o caso do mexicano José Luis Vásquez, que foi com a mulher e os quatro filhos para os Estados Unidos e acabou vendo sua família separada. Com o sonho de dar uma vida melhor para os filhos e para o pai que ficou em Monterrey, José Luis se instalou em Houston, no Texas, apenas com visto de turista. Mesmo sem documentos, ele abriu uma academia de boxe, paga todos os impostos para o governo norte-americano, vive de maneira simples e envia cerca de US$ 700 para os dois filhos que voltaram para o México e para o pai. Devido à situação irregular da família, os dois filhos que ficaram nos Estados Unidos estão tentando, sem sucesso, ingressar em uma universidade.

Francine Lipman, professora da Universidade de Chapman, afirma que os imigrantes indocumentados nos Estados Unidos pagam impostos e estão sujeitos ao imposto de renda americano exatamente como os cidadãos americanos e os demais residentes legalizados. “Os contracheques deles já vêm com descontos. É assim que eles pagam”, comenta. Este é um país de imigrantes. Eles progridem porque suas famílias trabalham duro. Imigrantes indocumentados são apenas parte da nossa história de imigração. Nós precisamos acolher esta população e criar para eles um caminho de cidadania, um caminho pelo qual eles se tornem membros desta sociedade. E para criar os Estados Unidos do qual todos queremos ser parte, em um país que tem a Estátua da Liberdade dizendo ‘Tragam para mim seus pobres, venham para este país!’, nós estamos dando boas vindas porque queremos ser um país que acolhe as pessoas que buscam uma vida melhor. Não para usar os serviços sociais! Eles nem podem!”, critica a professora.

ReproduçãoFamília
A numerosa família depende do envio regular de parte do dinheiro que Ibrahim ganha na Alemanha

O coração e as despesas de Ibrahim Suware estão divididos entre dois continentes. Nascido na Gâmbia, na África Ocidental, Ibrahim deixou para trás uma numerosa família na capital, Bajnul, para tentar a vida na Alemanha. Em Berlim, ele conheceu Anett, com quem se casou e teve dois filhos. Para sustentar a nova família e cerca de 40 parentes na África, ele se mudou para Munique, onde arrumou um emprego como lavador de louças. O problema é que agora ele fica longe das duas famílias e deixou com Anett a responsabilidade de cuidar dos filhos sozinha. Apesar de admirar o esforço que o marido faz para ajudar seus parentes, ela afirma no filme que não tem sido fácil. Segundo o longa-metragem, assim como Ibrahim Suware, cerca de 30 milhões de africanos vivem fora de seu continente por motivos econômicos.

Aqui no Brasil, a família Takano sente saudades dos irmãos Seidi e Leonardo, que abandonaram os planos de fazer faculdade para ir para o Japão trabalhar como eletricistas. Os dois jovens tomaram esta decisão depois que o pai, dono de uma pequena oficina mecânica no interior de Goiás, sofreu um sério acidente e adquiriu muitas dívidas. Quando chegaram em Tóquio, eles começaram a trabalhar como lixadores em turnos nos quais ficavam em pé durante de 12 horas. “Apesar da precariedade das estatísticas no Brasil, estima-se que em torno de 4 milhões de brasileiros vivam fora ajudando a família que ficou”, afirma o diretor.

Em todos os casos retratados no filme, o glamour de viajar e morar no exterior é inexistente, tanto em frente como atrás das câmeras, nas histórias que ficaram de fora. “O filme demorou 10 anos para ficar pronto, vários personagens desistiram, um africano na Alemanha foi ameaçado por skinheads e um mexicano foi assassinado em um de seus retornos ao povoado de La Luz. Mesmo sendo uma co-produção com a Alemanha, também houve muita dificuldade em se levantar o financiamento da produção pois várias empresas e bancos não queriam associar suas imagens a histórias de gente que não acreditava em seu país. Durante todo esse tempo, houve altos e baixos nas estatísticas, mas até hoje os números se mantém em crescimento”, declara Leonardo Dourado.

Por um Punhado de Dólares, Os Novos Emigrados ganhou prêmios de desenvolvimento de roteiro do National Film Board, do Canadá, junto com o Ministério da Cultura e do governo do Estado do Rio de Janeiro. Em 2014, foi selecionado para a mostra competitiva do festival É Tudo Verdade e para o chileno SurDocs.

Por um Punhado de Dólares – os Novos Emigrados (trecho) from Telenews Service on Vimeo.

CartPor um Punhado de Dólares, Os Novos Emigrados
Argumento, roteiro e direção: Leonardo Dourado
Direção de fotografia: Florian Pfeiffer
Montagem: Leyda Nápoles Viant
Trilha sonora original: Erwin Meyer
Finalização de som: Denilson Lelis Campos
Motion design: Gentil Norberto
Produção executiva: Nuno Godolphin e Leonardo Ribeiro
Coprodução: Phoebe Clarke, Magnatel (Alemanha)
Gênero: documentário.
Duração: 81 minutos