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‘Boa Esperança’, de Emicida, escancara luta de classes e discriminação

Primeiro single do próximo álbum do rapper ganha clipe que mostra a rebelião de empregados domésticos de uma mansão: 'Bomba relógio prestes a estourar'

Divulgação

‘Boa Esperança’ apresenta os vários tipos de violência sofridos pelos empregados, como assédio sexual e moral

São Paulo – Há mais de 25 anos, o Brasil viu nascer a lei que determina pena de reclusão para quem praticar atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pouco mais de 100 anos depois da abolição oficial da escravidão, em 1888, a Constituição Federal determinou que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. Porém, passado tanto tempo, é notório que a lei não foi o suficiente para fazer com que a população negra deixasse de ser vítima de violência racial.

É o que escancara o clipe de Boa Esperança, o primeiro single do próximo álbum de Emicida, ainda sem título, mas com previsão de lançamento neste segundo semestre. A trama gira em torno de um grupo de empregados domésticos de uma mansão que, depois de sofrer todo tipo de humilhação, se rebela contra os patrões e incita uma revolução em todo o país. O vídeo reproduz uma espécie de “nova Casa Grande e Senzala”, livro do sociólogo Gilberto Freyre que trata sobre a formação da sociedade brasileira: os brancos (e ricos) são servidos por mãos negras e pobres que só têm acesso aos restos e ao desprezo.

Com direção do fotógrafo João Wainer (do documentário Junho) e de Kátia Lund (de Cidade de Deus), o roteiro nasceu de um processo coletivo entre Emicida, os diretores e empregadas domésticas que moram na Ocupação Mauá, no centro de São Paulo. Para compôr a letra, o rapper se inspirou em uma viagem que fez à África. “O tempero do mar foi lágrima de preto/ Papo reto, como esqueletos de outro dialeto,/ Só desafeto, vida de inseto, imundo/ Indenização? Fama de vagabundo.”

Boa Esperança apresenta os vários tipos de violência sofridos pelos empregados, tais como assédio sexual e moral. Depois de ser assediada pelo patrão, uma das domésticas negras é humilhada pela dona da casa, gota d’água que desencadeia a rebelião de todos os empregados. “Cês diz que nosso pau é grande/ Espera até ver nosso ódio// Por mais que você corra, irmão/ Pra sua guerra vão nem se lixar/ Esse é o xis da questão/ Já viu eles chorar pela cor do orixá?/ E os camburão o que são?/ Negreiros a retraficar/ Favela ainda é senzala, Jão/ Bomba relógio prestes a estourar”, canta Emicida.

O clipe traz no elenco o próprio rapper, que interpreta o porteiro do prédio onde o motim acontece, dona Jacira, mãe de Emicida, Domenica e Jorge Dias, filhos de Mano Brown, a modelo Michelli Provensi, Divina Cunha e Raquel Dutra, ambas moradoras da Ocupação Mauá.