Cinema

Filme conta a misteriosa história de um americano preso no Brasil

'A Vida Privada dos Hipopótamos' narra as aventuras e desventuras do técnico de informática Christopher Kirk que, para fugir de uma rotina massacrante, entrou de cabeça num mundo de obsessão e crime

Divulgação

Filme conta aventuras de Chris Kirk: relações humanas são muito mais complexas que uma história bem contada

“Esse caminho é bem conhecido. Começa com casamento, depois hipoteca, paternidade, pensão… Começar a falar coisas como ‘como está seu fim de semana?’. Escolher um plano de saúde e começar a engordar. Se preocupar com as eleições locais, me inscrever no relatório de consumidor para garantir que eu escolha o melhor soprador de folhas. Uma canaleta limpa é o melhor que eu consigo? Fazer piadas hilárias sobre o seguro do meu carro e estar na cama às 23h? Qual é o melhor amaciante para meu estilo de vida? Talvez eu comece a assistir noticiários na TV. Encontrarei um partido político que expresse meus sentimentos de impotência e frustração. Talvez me interesse pela vida amorosa dos famosos. Ou pela estatística das pessoas que jogam bola em um campo. Vou me preocupar por não comprar a melhor gasolina ou por não acertar meu imposto de renda. Paguei a multa no prazo? ‘Querida, tente se lembrar onde viu o bebê pela última vez.’ E talvez tudo fique bem, pois, com um único aparelho, poderei ver filmes sobre pessoas que têm vidas interessantes e então jogarei videogames para fingir que tenho uma vida interessante e em alta definição. Sim, acredito que eu vou agradecer a Deus por ser sexta-feira. Ah, meu bom Jesus, aleluia, é sexta-feira! Enfim, livre, pelo menos até segunda-feira. Um final de semana se torna uma semana, que se torna um mês, que se torna um ano, que se torna: ‘opa, sua cadeira de rodas’.”

O maior medo do técnico de informática americano Christopher Kirk era ter uma vida chata, medíocre. Um dia, no escritório, ele navegava na internet quando leu uma reportagem sobre o chefe do cartel colombiano Pablo Escobar e os hipopótamos que ele criava em uma de suas mansões. Chris ficou intrigado com o destino dos animais depois da morte do traficante: como não cabiam em nenhum zoológico, os bichos ficaram à mercê na fazenda abandonada e, como viviam em clima favorável, se procriaram desordenadamente e começaram a aterrorizar as redondezas.

Foi aí que o americano decidiu que iria para a Colômbia. Só não imaginava que, em vez de ferozes hipopótamos, encontraria V., uma doce e bela nipo-colombiana que, ao que tudo indica, virou sua vida de cabeça para baixo. É esta a história do documentário A Vida Privada dos Hipopótamos, dirigido por Maíra Bühler e Matias Mariani, que estreia nesta quinta-feira (7) no Circuito São Paulo de Cultura. Originalmente, a ideia do filme era tratar sobre presos estrangeiros em presídios brasileiros mas, ao se depararem com Christopher, Maíra e Matias perceberam que teriam ali uma boa história para contar. Para isso, eles tiveram acesso irrestrito ao HD do computador de Chris.

O personagem é simpático, tem um discurso eloquente e uma certa timidez, o que acaba prendendo o espectador do início ao fim do filme, um mérito inegável da montagem labiríntica de Luisa Marques. Ele conta como sua relação com V. livrou-o da monotonia. Mas em nenhum momento ela aparece nitidamente no filme: suas fotos, seus vídeos e as imagens mais escondem do que revelam quem é essa misteriosa femme fatale que encantou e enfeitiçou um homem inocente.

Fotos, vídeos e imagens de V. mais escondem do que revelam quem é essa mulherA obsessão dele por essa mulher ocupa o filme do começo ao fim. Os diretores usam fotos, vídeos, arquivos, músicas e reproduções de bate-papos do computador de Chris para contar esta história. Mesmo estando preso, ele tem toda a liberdade do mundo para narrar e viajar em sua conturbada epopeia amorosa. E aí está o trunfo do filme: deixar-se levar pelo suspense que o personagem cria.

Porém, ao apresentar entrevistas com os amigos e conhecidos de Chris, aos poucos, aquela inocência inicial vai ficando difícil de digerir e o espectador começa a se perguntar: “Por que ele fala mais de V. do que dele próprio? Será que ela é mesmo a culpada por ele estar preso? Quem é, de verdade, esta mulher?” Mas, acima de tudo, a pergunta que se impõe é: “Quem é realmente Christopher Kirk?”. Ele nos leva a acreditar que seu tórrido caso amoroso teria influenciado na conduta que o levou à prisão em 2009, no Brasil, por tráfico internacional de drogas.

Inocente? Culpado? Obsessivo e obcecado? Depende do olhar do espectador. Talvez Christopher seja como os hipopótamos que o instigaram a sair de sua pacata cidade nos Estados Unidos: a aparência dócil esconde sua periculosidade. Talvez não. Na dúvida, a comparação com o personagem italiano Pinóquio, logo no início do filme, avisa o espectador que é preciso tomar cuidado com sua “lábia”.

Não dá para saber se V. existiu realmente ou é uma criação/adaptação do protagonista. O mais importante é que, mesmo sendo um personagem oculto, ela existe na narração do americano; é uma espécie de Capitu, inatingível e que ele não consegue compreender completamente.

Aliás, parece ser este o objetivo do documentário: mostrar que ninguém pode entender e apreender totalmente a verdade de outra pessoa. As relações humanas são muito mais complexas que uma história bem contada.

A Vida Privada dos Hipopótamos é o primeiro filme a ser lançado no Circuito São Paulo de Cultura, um programa da Secretaria Municipal de Cultura que apresenta uma nova política de programação cultural para a cidade.

Rede Brasil AtualA Vida Privada dos Hipopótamos
Direção: Maíra Bühler e Matias Mariani
Roteiro: Matias Mariani e Maíra Bühler
Montagem: Luisa Marques
Produção: Matias Mariani
Produção executiva: Luis Dreyfuss e Marília Alvarez Melo
Direção de fotografia: Pedro Eliezer e Basil Shadid
Som direto: Juliano Zoppi, Matt Sheldon, Nikolas Drankoski, Brett Mcdonald
Edição de Som/mixagem: Beto Ferraz
Duração: 91 minutos
Gênero: documentário
Países: Brasil e EUA
Idiomas: inglês e espanhol
Classificação: 12 anos

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