Memória

A arte se reúne em sarau e discute caminhos da cultura brasileira

Instituto coordenado pelo jornalista e pesquisador Assis Ângelo quer ampliar acesso à investigação sobre manifestações populares

Jailton Garcia/RBA

Assis Ângelo quer abrir caminho de seu vasto acervo para os interessados em cultura popular. “Isto aqui não é meu. Aqui é o Brasil vivo”

São Paulo – Não é todo dia que se pode ver Theo de Barros, Osvaldinho da Cuíca, Papete e Mário Albanese, entre outros, reunidos em uma sala, em conversas de pé de ouvido ou no meio da roda, para falar sobre cultura brasileira e das dificuldades de acesso à pesquisa sobre arte popular. Era mais um dos encontros do Instituto Memória Brasil (IMB), regularmente organizados na casa do jornalista e pesquisador Assis Ângelo, com seu acervo de 150 mil itens. O mais recente foi realizado no último sábado de janeiro (31). Umas 30 pessoas conversando sobre arte, música, cordel, direito autoral. E tocando, cantando.

Há décadas na estrada, o violonista Theo, carioca que veio para São Paulo nos anos 1950, é coautor, com Geraldo Vandré, de Disparada. Prestes a completar 75 anos, no próximo dia 12, Osvaldinho é compositor, sambista, pesquisador, o primeiro Cidadão Samba paulistano. O maranhense Papete, 67 anos, é um dos grandes percussionistas brasileiros. Albanese, de 83 anos, é pianista, compositor, professor, radialista, jornalista. Criador do ritmo jequibau, com Ciro Pereira, na década de 1960.

A certa altura, aparece no encontro, no bairro de Santa Cecília, região central de São Paulo, o cantor, compositor e violeiro Jurandy da Feira, baiano de Tucano, 54 anos de vida e muitos de canção. O nome artístico foi dado por Luiz Gonzaga, que ele conheceu nos anos 1970 e que gravou canções suas, a começar por Nos Cafundó do Bodocó. Sentando num canto, começa a dedilhar Dom Divino: “Esse dom é divino, já vem de menino no sangue da gente/ Essa coisa danada que a gente se agarra com unhas e dentes/ Cantando pra viver, vivendo pra dizer é preciso lutar/ Nesta selva só dura doçando a amargura e soltando no ar”.

Ao seu lado, estão Albanese e Jarbas Mariz, músico “mineiro por acaso”, criado na Paraíba, com trabalho solo e também no grupo de Tom Zé. Albanese ouve com atenção e lembra de Garoto, violonista e compositor cujo nascimento completará 100 anos em junho. Morreu em 1955. Um pouco mais tarde, a cantora Janaína Pereira, do grupo Bicho de Pé, vai chegar e, impressionada, levará Jurandy para tocar à noite num bar, em cantoria que só terminará no final da madrugada.

Tem muitos mais. Outro que está ali é Jorge Mello, piauiense de Piripiri que estudou em Fortaleza e desembarcou em São Paulo na década de 1970, juntamente com a chamada turma do Ceará, que inclui Ednardo, Fagner e o desaparecido Belchior, de quem ele foi parceiro. Cantor, compositor, repentista, Jorge também é advogado especialista em direito autoral.

Também passam por lá o jornalista Ricardo Viveiros e o editor José Cortez, da editora que leva o seu nome. “O IMB é uma instituição que merece toda a atenção de quem pensa Brasil pela vida da formação do indivíduo na sociedade. Não dá para dissociar educação de cultura”, comenta.

No fim do encontro, lembra Assis, o produtor Darlan Ferreira brinca. “Olha que desta vez não estiveram presentes Vandré, Tinhorão, Anastácia, José Hamilton Ribeiro, Oswaldinho do Acordeon, Braz Baccarin e nem Deus.”

O paraibano Assis Ângelo, desde os anos 1970 em São Paulo, preocupa-se com o acesso à pesquisa e quer abrir caminhos para os jovens interessados em cultura popular. Pretende conseguir meios para deixar seu vasto acervo – “Isto aqui não é meu”, repete – em algum local adequado para esse fim, com auxílio público ou privado. “Aqui é o Brasil vivo.”