Estreia

Documentário acompanha sobrevivente do holocausto em visita ao passado

O polonês Julio Gartner passou por vários campos de concentração nazistas e refez toda sua trajetória com uma equipe de filmagem para que esta história nunca seja esquecida

Divulgação

Julio Gartner e Marina Kagan em uma viagem por lugares onde 6 milhões de judeus foram assassinados

A história pessoal do polonês Julio Gartner, entre 1939 e 1945, está intimamente ligada a um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade: o assassinato de seis milhões de judeus pela Alemanha nazista. O documentário Sobrevivi ao Holocausto, de Caio Cobra e Marcio Pitliuk, que estreia nesta quinta-feira (21) em circuito nacional, acompanha Gartner nesta terrível viagem ao passado.

Durante mais de três semanas, este sobrevivente do holocausto é acompanhado em mais de 15 cidades da Polônia, Áustria, Itália, França e Brasil para resgatar suas memórias de onde passou antes, durante e depois da tragédia. Gartner está sempre acompanhado pela cineasta – também judia – Marina Kagan, tão jovem quanto Julio quando foi libertado dos campos de concentração, no fim da guerra.

A presença de Marina parece ser uma tentativa de fazer a conexão entre passado e presente. Na prática, a jovem mais atrapalha do que ajuda ao fazer comentários irritados que em muito contrastam com a grandeza de um homem que se mantem otimista e tolerante mesmo depois de ter visto o que de pior tem o ser humano.

Julio e Marina andam do início ao fim do longa-metragem, em uma viagem visivelmente exaustiva física e emocionalmente. A primeira cidade por onde passaram foi Cracóvia, onde visitaram a casa em que Julio morou com os pais até os 15 anos, quando a Alemanha invadiu a Polônia e expulsou os judeus. Ele fala sobre suas lembranças boas de onde frequentava: onde nadava, o estádio de futebol de seu time, a sinagoga, o bairro judeu… Até chegarem à casa onde morou, no Gueto, que foi destruído e os judeus levados ao campo de Plaszow.

Em seguida, visitam a cidade onde viu seus pais pela última vez, Prozowice. Como não queriam deixar os bens para trás, foram capturados pelos alemães e levados para um campo de extermínio. Julio e Marina passam pelo memorial do campo de Plaszow, onde o judeu trabalhou como escravo durante nove meses. Lá encontram a casa do comandante Amon Goeth e é possível reconhecer o terraço de onde ele atirava nos judeus – cena reproduzida no filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg.

Ao chegar em Glewiec, Julio procura a casa onde se escondeu com a ajuda da comunidade local, no sul da Polônia. É aqui que acontece o melhor momento do filme, quando Julio encontra um senhor octagenário que salvou sua vida e o reconheceu. Quando chega à casa, o homem, que sempre se perguntava de Julio teria sobrevivido, o chama pelo nome, mesmo depois de passados 70 anos sem se verem.

A visita segue no complexo Auschwitz-Birkenau, por onde Gartner passou antes de ser enviado à Austria como escravo. Ao chegar no campo de Mauthausen, ele relembra cenas inimagináveis diante de um penhasco ladeado por uma extensa escadaria. “Quando chegamos aqui, os alemães mandavam a gente carregar pedras pesadas escadas acima. Chegando lá em cima, deixava a pedra, pegava outra e trazia para baixo. A gente fazia isso 10 horas por dia, todos os dias, sem parar. Esse tipo de trabalho inútil e exaustivo acaba com o ser humano. Depois de dez dias, a gente estava mentalmente e fisicamente destruído. Era uma tortura insuportável e quem não aguentava era jogado de lá de cima”, relata no filme.

Ainda na Áustria, passam pelo campo de Melke, onde visitam o crematório. Julio afirma não acreditar que os vizinhos dos campos de concentração não soubessem o que se passava dentro daqueles lugares. O questionamento, o clima pesado (e talvez o cansaço) levam Marina a hostilizar em frente às câmeras a vizinha que guarda as chaves do campo de concentração e do crematório.

Em Ebensee, Julio conta que só sobreviveu porque foi incumbido de trabalhar dentro dos túneis que os escravos foram encarregados de construir. Em pleno inverno austríaco, em um local com muita água, era praticamente impossível de sobreviver ao contínuo e pesado trabalho. Não é à toa que 25% dos prisioneiros morriam por semana. Em Viena, Julio fala com a diretora do centro Simon Wiesenthal e consulta arquivos sobre os nazistas capturados no Brasil.

A partir daqui, a viagem fica mais leve: é quando Gartner revive sua passagem pela Itália, depois de ter sido libertado e algum tempo depois segue para Paris, a última parada do filme na Europa. Eles seguem para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo, onde os filhos e netos de Gartner dão depoimentos emocionados. “São lembranças de tempos que ao pior inimigo não posso desejar porque é desumano. O que eles fizeram não cabe na mente de uma pessoa normal”, diz o judeu que afirma não ter vivido entre os 15 e os 21 anos.

A fotografia acinzentada e sem saturação adotada quando Julio revisita os fantasmas de seu passado contrasta com as cores vivas que o filme ganha quando o personagem relembra o que aconteceu depois da guerra. Momentos que mais parecem quadros em movimento oscilam com enquadramentos e movimentos de câmera indecisos.

Mas nem isso nem Marina tiram o brilho de Sobrevivi ao Holocausto. O filme, assim como outros sobre o tema, se mostra importante para que os horrores que a guerra e o homem são capazes de causar não sejam esquecidos. E, principalmente, para que barbaridades com esta nunca mais aconteçam na humanidade.


Sobrevivi ao Holocausto
Direção:
Caio Cobra e Marcio Pitliuk
Roteiro: Marcio Pitliuk
Direção de fotografia: Enio Berwanger
Produtor: João Pedro Albuquerque
Produção executiva: João Pedro Albuquerque e Cláudia da Natividade
Diretor de som: Paulo Garfunkel