Drama pessoal

Em ‘Mataram Meu Irmão’, diretor reconstitui vida e desafia culpa

Documentário de Cristiano Burlan reconstrói memória de seu irmão, morto na periferia de São Paulo

Divulgação

Narrativa evidencia violência pela exclusão, pela droga. Quantos não vão embora da mesma forma todos os dias?

Rafael Burlan tinha 22 anos quando foi assassinado com sete tiros, em outubro de 2001, no Capão Redondo, na zona sul da capital paulista. Era viciado em crack e participava de furtos e outros crimes. Seu corpo foi encontrado em uma vala cheia de lixo. Seu irmão, o cineasta Cristiano Burlan, nunca esqueceu a voz da mãe anunciando a morte de Rafael pelo telefone. Recebeu a notícia enquanto jantava com a namorada e desde então é atormentado pela ideia de que poderia ter salvo Rafael se o tivesse convidado para jantar naquela noite.

É essa história que Cristiano conta no documentário Mataram Meu Irmão, que estreou na sexta-feira (22) e está em cartaz no CineSesc, em São Paulo. O quinto longa-metragem do diretor foi vencedor do prêmio de melhor filme pelo júri e pela crítica no festival É Tudo Verdade deste ano.

O filme começa com um vazio. Na tela preta, ouve-se a voz de Cristiano ao telefone com alguém que trabalha no cemitério onde o irmão foi enterrado. Para sua surpresa, a funcionária burocraticamente lhe informa que o corpo foi retirado do jazigo e exumado.

Com o filme, Cristiano lida com o desaparecimento de Rafael da vida dele e de sua família. Entrevista parentes, amigos, vizinhos, que contam as lembranças que têm do jovem e a dor pela morte tão precoce. Mas não é o esclarecimento do crime que Cristiano procura. O que ele quer é a reconstrução da memória de seu irmão, o que acaba resultando também em um retrato da periferia paulistana. São pessoas reais em seus lugares reais: apartamentos de conjuntos habitacionais, lajes e vielas da favela onde Cristiano já morou.

Essa investigação narrada em primeira pessoa descortina um drama familiar que evidencia a violência na sociedade, pela exclusão, pela droga etc. Quantos “Rafaeis” não vão parar em um saco de ossos da mesma forma todos os dias? A violência na periferia de São Paulo é exposta por meio de um só caso neste longa-metragem.

Mas o ponto alto do filme se dá longe da periferia, de frente para o mar. Cristiano entrevista um parente ou um amigo (as relações não são evidentes) que faz interpretações sobre o caso de Rafael: um malandro à moda antiga que viveu na era do crack. Na verdade, ele foi vítima de um tempo em que é normal transformar uma pessoa em um mero saco de ossos que pode ser debatido clínica e friamente, praticamente alheio ao debate da violência urbana que extermina jovens periféricos.

Mataram Meu Irmão
Direção: Cristiano Burlan
Fotografia: Rafael Nobre
Montagem: Lincoln Péricles e Cristiano Burlan
Produção: Natália Reis
Duração: 77 minutos