Encontro em São Paulo reúne grupos de teatro comunitário da América Latina

cultura popular

Marcelo Camargo/ABr

Companhia teatral Humbalada em Cidade Tiradentes: integração cultural das periferias do continente

São Paulo – Espetáculos de artistas das periferias de 11 países latino-americanos estão em cartaz até domingo (15) no 5º Encontro Comunitário de Teatro Jovem, na Cidade Tiradentes, extremo leste da capital de São Paulo. A mostra é resultado da articulação da Rede Latino-americana de Teatro em Comunidade, coordenada pelo grupo Pombas Urbanas. A companhia foi fundada em 1989 e, desde 2004, atua no bairro – um dos mais populosos da periferia paulistana.

“Os espetáculos do grupo Pombas Urbanas, e de todos os grupos que estão aqui, acabam refletindo o local onde a gente está instalado. A partir daqui que a gente coloca todos os sonhos, as ideias, o imaginário dessa comunidade dentro da dramaturgia, da forma de se criar os espetáculos”, explica Marcelo Palmares, um dos organizadores.

O lema do Pombas Urbanas é fazer teatro “com, para e na comunidade”, destaca Palmares. “É feita uma série de exercícios, de propostas, para escutar o que o jovem, o que a própria comunidade nos traz de relatos, para que isso fundamente a dramaturgia e o fazer teatral daqui”, completa ao descrever o trabalho que tem entre os focos o resgate da autoestima dos jovens. “Eles têm a autoestima muito baixa, até por ser um bairro muito reconhecido pela violência.”

Com o trabalho de formação, os jovens da Cidade Tiradentes passam a ter uma nova visão sobre o lugar onde vivem e sua realidade. “Meu sonho era crescer, ser advogado, ganhar dinheiro e sair do bairro. Eu pensava: quando eu tiver meus filhos eu não quero que eles fiquem aqui, porque eu acho que esse bairro não dá futuro para ninguém”, conta o arte-educador Paulo Wesley dos Santos, que foi apresentado ao circo aos 12 anos. “Hoje eu não troco aqui por nada”, garante o rapaz de 19 anos. “Meus planos são: família, circo e Cidade Tiradentes”, resume.

Grupos com experiências semelhantes passaram a se encontrar em 2005 para fazer o intercâmbio de experiências e ideias. Mas só em 2009 foi possível estruturar a rede. Desde então são feitos encontros periódicos. Além de apresentar espetáculos, as companhias promovem oficinas e palestras, como as que ocorrem na sede do Pombas Urbanas ao longo da semana.

Este ano, o encontro homenageia o grupo peruano Vichama, que há 30 anos atua na Vila El Salvador, na periferia de Lima. Segundo o diretor da companhia, Cezar Escuza, um dos focos das ações educativas e artísticas é tentar construir uma cultura de paz no bairro. “Há situações e momentos bastante violentos em nossa comunidade e nós queremos desenvolver toda uma cultura preventiva nessa direção. Não nos interessa somente uma prática reativa em relação à violência. Queremos que a cultura e a arte tenham um papel transformador nessa direção”, destacou.

Uma discussão de valores que os grupos tentam fazer a partir dos elementos presentes nas próprias comunidades, como na peça Tudo Está Organizado para que Nada Aconteça, que percorreu a Avenida dos Metalúrgicos na noite de terça-feira (10). Durante a apresentação, por várias vezes, as falas dos personagens conviveram com o funk que tocava nos carros que trafegavam pela via. Uma marca das periferias de São Paulo, da Cidade Tiradentes, zona leste, e do Grajaú, zona sul, bairro de origem da Companhia Humbalada de Teatro, que fazia a apresentação. Até que em um determinado momento, o funk também apareceu como parte da peça.

“Moramos em um bairro onde as pessoas escutam funk o dia e a semana inteira. E a gente se pergunta muito: Por que o funk? O que o funk significa? Tem toda uma questão da cultura de massa. Mas tem uma questão de pertencimento, de uma música periférica”, explica a atriz Tatiana Monte sobre essa parte do espetáculo que ocorre em frente a um supermercado e questiona o consumo desenfreado.

O modelo da peça surpreendeu Jéssica Azevedo, de 22 anos, moradora do Tatuapé, também na zona leste, que frequenta o espaço do Pombas Urbanas desde o ano passado. “Eu já tinha visto outras peças itinerantes, mas à luz do dia. Nunca tinha visto à noite. Isso me deixou bem curiosa”, disse. “A gente não percebe o tempo, não percebe as pessoas, acaba ficando tudo muito invisível. Acho que o questionamento da peça é esse”, comentou.