Faroeste Caboclo

Epopeia rebelde de Renato Russo vira filme sem heróis, mocinhas ou vilões

Uma das músicas mais conhecidas da Legião Urbana ganha versão cinematográfica

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Cena de Faroeste Caboclo, filme inspirado em letra de Renato Russo, que estreia e circuito nacional

São Paulo – Renato Russo tinha 19 anos quando compôs Faroeste Caboclo, que em nove minutos narra a saga de João de Santo Cristo no Planalto Central. É de uma safra próxima a Que País é Este? e Geração Coca-Cola, feitas em 1978 para o então Aborto Elétrico, gênese da Legião Urbana. Mas Faroeste Caboclo só foi apresentada ao público em 1983 e gravada apenas em 1987. Agora, inspirou uma versão cinematográfica que chega às salas na próxima quinta-feira (30). É um filme livremente inspirado na canção. Apesar das óbvias diferenças entre a obra musical e a filmada, o lado comum é uma história sem heróis, nem mocinhas, nem vilões.

“A gente encontrou um recorte que era a história de amor, sem deixar de lado os demais eventos”, diz o diretor do filme, René Sampaio, autor de curtas e comerciais que fez o seu primeiro longa-metragem. “Nunca quisemos fazer um clipe da música”, acrescenta. “Procuramos criar os eventos na ordem corrente para o filme.”

“Não é uma cópia fiel da música, é uma leitura”, acrescenta a atriz Isis Valverde, que interpreta Maria Lúcia, uma estudante de Arquitetura e filha de senador (Marcos Paulo, em seu último trabalho) que se envolve com João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira), um filho de lavradores no interior da Bahia acostumado desde cedo com a pobreza e a violência, alguém que “já nasceu com contas a acertar”. Entre eles, vai aparecer o playboy e traficante Jeremias (Felipe Abib). “Maria Lúcia é o papel feminino nessa história masculina. Acho que ela é uma rosa naquele campo seco”, diz Isis.

No filme, João de Santo Cristo não é “o terror da cercania onde morava”, mas um menino pobre que perde os pais ainda criança que termina vingando a morte do pai, baleado por um policial. Também não vai parar em Taguatinga, mas em Ceilândia, no Distrito Federal. Na história não aparecerá “um senhor de alta classe”, a mando de militares. Mas a figura do poder está ali representada, por exemplo, pelo policial corrupto, aliado de Jeremias, vivido por Antonio Calloni.

Após perder também a mãe e matar o assassino do pai, João vai a um reformatório, segue para Brasília, à procura do primo Pablo (Cesar Troncoso), que lhe arruma emprego numa carpintaria – mas a “ocupação” principal é vender droga na Asa Sul, no Plano Piloto, irritando Jeremias por causa da concorrência e desencadeando a trama. Será ali, na área nobre brasiliense, que ele conhecerá Maria Lúcia. Na rixa que se estabelece, João será violentado por um capanga do traficante e, posteriormente, preso. Nos dois casos, vai se vingar. Para ficar com a moça, tenta levar uma vida normal, mas não consegue.

Para Fabrício, João é um personagem que tenta fugir de um destino ruim. “A gente pode pensar num garoto da comunidade”, compara. “O que é escolha ou o que é destino?” E diz que procurou compor um personagem sem maniqueísmo. “O Jeremias (rival de João de Santo Cristo) não é o vilão da história. É um cara que tem grana, certa condição social, filho de alguém com poder político. É uma questão aberta.”

Ele conta que costuma brincar dizendo que João de Santo Cristo “é um pouco da construção de Brasília, de São Paulo” e acredita que o filme – no qual ele atua como protagonista pela primeira vez – traz à tona a questão da intolerância, citando o deputado Marcos Feliciano, que causa polêmica e protestos à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. “A gente está passando por essa dificuldade em relação às diferenças”, afirma.

Marcos Paulo, que morreu em novembro do ano passado em decorrência de uma embolia  pulmonar, soube que estava doente durante as filmagens. Adiou o tratamento por 15 dias para poder concluir o trabalho. “Eu me ressinto de não poder apresentar o filme para ele”, diz o diretor.

Não há mesmo heróis ou vilões em Faroeste Caboclo e seu esperado final trágico. Diferente da música, o duelo final, em um campinho de futebol na Ceilândia, não tem público, nem apareceu na televisão.