Em primeiro romance, Xico Sá transforma dramas da infância em livro para todos

‘Big Jato’ é o nome do caminhão limpa-fossas que botava comida na mesa do autor quando criança (Foto: Letícia Moreira/Folhapress) São Paulo – A infância de todo mundo renderia um […]

‘Big Jato’ é o nome do caminhão limpa-fossas que botava comida na mesa do autor quando criança (Foto: Letícia Moreira/Folhapress)

São Paulo – A infância de todo mundo renderia um livro. A relação que cada um desenvolveu com pai e mãe, então, renderia dois, três – vira e mexe rende teses de psicologia. Difícil é transformar lembranças e dramas pessoais em narrativa interessante para quem não te conhece – e provavelmente jamais vai conhecer. Xico Sá parece ter conseguido.

Lançado em outubro pela Companhia das Letras, Big Jato é uma história que – como define o próprio autor – esticou ao máximo a corda da verossimilhança. É o primeiro romance de um jornalista, escritor e colunista que até então havia se arriscado apenas pelas veredas da crônica. Ali retratou com palavras certeiras políticas, mulheres, bares, gols – e firmou sua presença em jornais, revistas e programas de tevê.

Em Big Jato, porém, Xico Sá é apenas um garoto imerso nos eternos dilemas criados pelo primeiro amor, pela virgindade perdida no puteiro e pela família grande, imensa, criada no sertão do Cariri. O foco desse romance de 182 páginas é o pai bravo – e os meninos do mundo sabem que não é fácil crescer e abrir as asinhas ao lado de uma figura paterna não muito afeita a dar o braço a torcer. Pior ainda, claro, é ganhar altura, brio e responsabilidade sem ter o pai provedor como amparo.

Quem cultiva um misto de admiração e diferenças com seu progenitor encontrará em Big Jato um belo interlocutor. Nas lembranças paternas de Xico Sá, fatalmente recordará das suas. Pode dar vontade de voltar pra casa correndo e dar um abraço no velho, na velha e nos avós. Pode vir aquele amargo arrependimento de não ter convivido o suficiente com quem já se foi. Pode soar na mente a lembrança de uma surra, a certeza de que sair de casa foi a melhor opção. Podem, enfim, escorrer lágrimas de um coração mole que tenta – e nunca consegue – negar o afeto por quem te botou no mundo.

Tem coisa que não dá para segurar. Às vezes, a infância é uma delas. No caso de Xico Sá, emergiu, como ele mesmo diz, por “força superior” – e brotou num texto fluido, saboroso. A rudeza do velho apaixonado pelo trabalho se mistura à descoberta dos Beatles por obra e graça do tio vagabundo. A admiração pelo lirismo se enrosca com as crises do menino que cresceu no Semiárido e só conheceu o pai de verdade porque perdeu a vergonha de acompanhá-lo na boleia do caminhão limpa-fossas – mal-cheiroso ofício que por anos e ânus sustentou esposa e sete filhos no sertão cearense.

Não é preciso ter acompanhado as frequentes intervenções de Xico Sá na imprensa brasileira para ler e gostar de Big Jato: basta ter crescido – com ou sem pai, no Nordeste, na Amazônia ou no Sul Maravilha, não importa. Ler suas colunas em jornais e revistas, depois, será uma opção. O livro ajudará a escolhê-la.

Big Jato
Autor: Xico Sá
184 páginas
Companhia das Letras
R$ 33