Mouzar Benedito e Ohi lançam ‘Mitologia Brasílica’

Coleção infanto-juvenil mostra ligação entre personagens do folclore e meio ambiente

Nova coleção traz principais personagens do folclore brasileiro, resultado de mais de seis anos de trabalho do jornalista Mouzar Benedito (reprodução)

São Paulo – O jornalista Mouzar Benedito e o desenhista Ohi lançaram no sábado (18) os seis volumes da coleção ‘Mitologia Brasílica’, da Liz Editora. A obra apresenta histórias e personagens que se transformaram em referências da cultura popular brasileira, como o Saci-Pererê, a Iara e o Caipora. Os autores relacionam os mitos a questões ambientais.

Livros da Coleção Mitologia Brasílica

O Saci – guardião da floresta
– Amigos (conto)
– Lembranças da meninice
– Como nasceu o Saci
– Como o Saci se espalhou pelo Brasil
– A Mata Atlântica, primeira morada do Saci
– A língua do Saci
– A importância do Tupi
– Será que ele vai sobreviver?

A Iara – encanto das águas 
– Fernão Dias e as pedras verdes (conto)
– Ipupiara, Uiara, Iara…
– O Boto e seus filhos
– Sem rios, o Brasil não seria Brasil
– Nossa vida depende dela
– O rio das Amazonas
– Será que a Iara vai sobreviver?

O Curupira, nosso gênio das matas
– A morte do Curupira
– Defender a floresta é com ele mesmo
– O Curupira nas terras de Macunaima
– Cara a cara com o Curupira
– Biomas: uma riqueza brasileira
– Amazônia, Pantanal e Pampas
– Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica
– Será que o Curupira vai sobreviver?

O Caipora, amigo dos bichos
– Os desejos de Ana Maria (conto)
– Caçadores de cigarras
– E o que tem o tatu com isso?
– E por falar em Caipora…
– Vicente Celestino e os protegidos do Caipora
– Anhanga, um amigo meio esquecido
– Será que ele vai sobreviver?

O Boitatá – esse mito é fogo!
– Com as nádegas queimadas (conto)
– O Boitatá é mau?
– Uma palavra que veio de longe
– Ô moça sabida!
– Nem só o Sul tem campos
– O Negrinho do Pastoreio
– Será que o Boitatá vai sobreviver?

Lobisomem, Cuca e Mula sem Cabeça – importados e naturalizados
– João e Maria (conto)
– Eles até parecem naturais do Brasil
– O rei que virou lobo
– A descabeçada e a sétima filha
– Bruxa ou jacaré?
– Um somatório de gente e culturas

Segundo o Mouzar Benedito, a maior parte dos mitos tem origem indígena. “Cinco livros se dedicam aos mitos do Brasil e um deles aos mitos que vieram com os colonizadores, mas se adaptaram tão bem aqui que até parecem brasileiros”, relata o autor. 

Confira, abaixo, a entrevista com o jornalista, feita por Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual.

Rede Brasil – Você está lançando a coleção infantil “Mitologia Brasílica”, com seis livros que falam sobre o Saci, a Iara, o Curupira, a Caipora, o Boitatá, o Lobisomem, a Cuca e a Mula sem Cabeça. Como foi realizada esta série?

Mouzar Benedito – Fiz em parceria com o desenhista Ohi. Temos pensado nisso há mais de seis anos. A mitologia brasileira é muito rica e não é nenhum pouco inferior a outras mitologias tão glorificadas. A gente fala muito da mitologia grega, da romana e da nórdica, mas os mitos brasileiros tem uma vantagem: são todos ligados ao meio ambiente e à questão ambiental. É raro existir algo assim. O Curupira, por exemplo, é o grande protetor das florestas. Todos eles eram os grandes legisladores porque antes de existir uma lei escrita, esses nossos mitos eram os que criavam as leis e diziam o que se podia ou não fazer. Por exemplo, você não podia matar um filhote ou uma fêmea prenhe ou amamentando. Então, os indígenas não faziam isso porque sabiam que seriam severamente castigados. Era uma forma de se ter uma lei, porque hoje as pessoas são castigadas de outras formas. 

Os mitos são as nossas riquezas?

Sim. E é interessante observar, porque a gente conhece muito os mitos do povo Guarani e Tupi Guarani, porque foram os povos que tiveram contato com os colonizadores e ocupavam quase todo o litoral brasileiro.

O mito do Saci tem relação com a cultura indígena?

O Saci surgiu indígena, era um curumim guarani, um menino bondoso que tirava as pessoas perdidas da mata. Mas quando chegou o colonizador, este sempre soube que o melhor meio de dominar um povo é destruindo a sua cultura. O povo fica pensando que a cultura do colonizador é superior, assim como ele também é.  Assim, fica fácil de dominar.

Os colonizadores demonizaram toda a mitologia indígena. O Saci era só um menino e passaram a falar que ele tinha cifre e cheiro de enxofre – como o demônio. Mas nessa fase de demonização, ele foi adotado pelas negras, que eram grandes contadores de causos e foi então que ele também virou negro. Era algo muito esperto da parte delas porque, por exemplo, elas sabiam que se errassem a mão em uma comida, seriam castigadas porque o senhor de escravos não tinha nenhum pouco de bondade. Então quando erravam no sal diziam ‘Ah, passou o Saci aqui e jogou sal na comida’.

Em uma revolta na senzala, o líder que a comandasse, quando era novamente dominado respondia ao senhor que perguntava quem havia iniciado (caso se apresentasse, o líder seria no mínimo, marcado a ferro) e ele dizia que foi o negrinho de uma perna só que havia passado por lá. Depois, o Saci ganhou um gorrinho mágico dos colonizadores europeus.  Ele sintetiza os três povos que formaram o Brasil: o índio, o africano e o europeu.

Existem mitos que não são brasileiros. De onde foram trazidos?

Em um volume da coleção a gente trata dos mitos que foram trazidos de fora, mas que se adaptaram muito bem aqui, tanto que as pessoas pensam que eles são brasileiros. Quando você fala que a Mula sem Cabeça é originária da Península Ibérica, você assusta. A Cuca também. O Lobisomem surgiu na Grécia antiga e, com o domínio romano sobre a Grécia, eles o espalharam pela Europa inteira. Fora os mitos africanos como Iemanjá que tem algum parentesco com a nossa Iara. As pessoas confundem isso, mas representa o povo brasileiro que é uma mistura de povos. Isso é uma coisa enriquecedora no Brasil.

Parece que os brasileiros têm a mania de imitar os norte-americanos com a festa do Halloween, que é no dia 31 de outubro, numa atitude que vai contra a nossa identidade cultural. Deveríamos pensar sobre isso e valorizar a celebração de nossos mitos, com os nossos personagens?

Não existe ingenuidade nessa coisa de transferir a cultura e o Halloween faz parte disso, impondo a festa de lá (países anglo-saxões) na mesma data, como se fosse superior à nossa. Temos que comemorar aqui o Dia Saci, que é muito mais divertido e sabemos quem é.

Cada livro tem um conto diferente?

Utilizamos os principais mitos da mitologia tupi. O Saci não está entre os principais, mas se transformou no mito mais brasileiro e popular. Dos principais tem o Curupira que é o protetor das matas. E tem uma questão relacionada ao meio ambiente que é muito interessante. O Curupira era inicialmente apenas o protetor dos vegetais, mas ele percebeu que a vida animal era integrada com a vida vegetal e passou a proteger a mata integralmente. O Caipora é protetor especificamente dos animais da mata, o Boitatá é protetor dos Campos e a Iara protege os animais que vivem nas águas e, por isso, ela deve proteger as águas, porque os animais não vivem sem ela.

No livro começamos sempre com um conto relacionado ao determinado mito e a questão ambiental que ele cuida. Depois disso, colocamos um personagem, um sábio professor aposentado que conversa com seus sobrinhos-netos.

Ouça a entrevista a Marilu Cabañas na Rádio Brasil Atual

Colaborou Vanessa Ramos

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