Projeto de Sesc em São Paulo revisita álbuns históricos de músicos brasileiros

Já pensou em escutar na íntegra e ao vivo aquele seu disco preferido ou que marcou a infância ou adolescência? Essa é justamente a ideia do projeto “Álbum”,realizado pelo Sesc […]

Já pensou em escutar na íntegra e ao vivo aquele seu disco preferido ou que marcou a infância ou adolescência? Essa é justamente a ideia do projeto “Álbum”,realizado pelo Sesc Belenzinho, em São Paulo, e que, desde março, já contou com a participação de Alceu Valença (que apresentou o disco “Vivo”), Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos (Dança das Cabeças), Edvaldo Santana (Lobo Solitário), e os Paralamas do Sucesso (Selvagem?). A próxima convidada é a banda pernambucana Nação Zumbi, representante do movimento manguebeat, com “Da Lama ao Caos”.

O ambiente é descontraído e inclui várias mesas para as pessoas jantarem; um palco pequeno e bem baixo, que deixa os artistas bem próximos da plateia; algumas imagens projetadas num telão e, no fundo do grande salão, apenas vidro, o que permite que as pessoas do lado de fora também vejam o show. Tudo isso faz com que a experiência seja única e inesquecível. O espetáculo é praticamente intimista e proporciona uma agradável viagem ao passado da música brasileira.

A seguir, leia uma entrevista exclusiva com o responsável pelo projeto, Sandro Saraiva, que é um dos responsáveis pela programação musical do Sesc Belenzinho.

 Como surgiu o projeto Álbum e com quais objetivos?

O projeto surgiu em dezembro do ano passado como um plano de ação para 2011. A primeira edição aconteceu em março deste ano. Trazer à tona títulos expressivos da discografia da música brasileira e apresentá-los para o público em formato de show, abre uma possibilidade sem precedentes para a revitalização da memória cultural do país, bem como para a difusão de uma cultura que deve, necessariamente, ser dinâmica e transformadora.

Lançar um olhar para o passado compreendendo-o como um ponto norteador para o entendimento do presente, propiciando assim um campo fértil para construção do que está por vir, é uma das ações constantes do SESC. A tradição e a inovação mantêm diálogo no dia a dia da instituição, ambas entendidas de maneira que o estreitamento e a permeabilidade do relacionamento entre gerações contribuam e incentivem o surgimento de novos paradigmas para a arte e para a cultura.

Como foi a seleção dos participantes e tem alguns nomes que vocês desejem muito que participem do projeto? 

O Núcleo de Música do Sesc Belenzinho, formado por mim e pela Carolina Laguna, fez uma pesquisa de onde surgiram dezenas de sugestões. Consideramos todos os discos que elencamos importantes para determinado período na música brasileira. São álbuns considerados clássicos pela sua importância histórica, inovação estética, atemporalidade e pela influência nas produções da nova  geração.

Seria leviano de nossa parte divulgar essa lista, pois não entramos em contato com todo mundo e isso poderia gerar expectativas. Já conversamos com a produção do Luiz Melodia, por exemplo, para ele fazer o “Pérola Negra”. Conversamos também com o Oswaldo Vechione, do Made in Brazil, para eles apresentarem o “Jack, o Estripador”.  O “Vivo” do Alceu Valença (inaugurou o projeto) figura na minha lista dos cinco melhores discos de música brasileira. Coloco também nessa lista “A volta do Secos e Molhados”, mas pelo que sei, esse seria impossível remontar.

 Quais álbuns ainda não apresentados você acredita que ficariam muito bem ao vivo? Por quê?

“Transa” do Caetano Veloso. Na minha opinião, é um disco essencial em sua discografia. Acho que o Caetano é um dos poucos grandes nomes que ainda ousam em seus discos e em seus shows. Na verdade, em suas apresentações mais recentes, acho que ele retomou um pouco do vigor e das ideias presentes nesse disco.

 A estrutura do Sesc Belenzinho é bastante descontraída, com palco baixo, bem próximo das pessoas, espaço para jantar e janelas inteiras de vidro, que permitem até que pessoas vejam o show do lado de fora. Você acredita que esse tipo de estrutura é o ideal para o projeto Álbum? Por quê?

Não fazemos apresentações só na (chamada) Comedoria. Usamos o teatro da unidade também. O “Dança das Cabeças” do Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos aconteceu no teatro. A próxima edição, com o Violeta de Outono, acontecerá no mesmo local, pois estes shows demandam maior concentração e um espaço mais fechado, para um público menor (392 lugares), enquanto a Comedoria (450 lugares) atende apresentações como a do Paralamas do Sucesso e Alceu Valença, num espaço mais aberto onde faz sentido o consumo de bebidas com duas opções: a mesa ou a pista.

O Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, tem um projeto bastante parecido, que já contou inclusive com Edu Lobo apresentando O Grande Circo Místico. Vocês sabiam da existência desse projeto e há alguma relação dele com o Álbum?

Não há nenhuma relação. O Sesc não inventou a roda com este projeto. Remontar discos no palco já aconteceu emoutras ocasiões no Brasil. Um exemplo foi a Virada Cultural de 2008. Talvez o diferencial esteja na abordagem, na mediação que procuramos fazer.

Rodamos um programa como material gráfico que imita uma capa de disco sete polegadas. Dentro, além do repertório e ficha técnica do show, mostramos fotos da época. Convidamos um crítico de música para escrever sobre o disco e pedimos para os artistas um depoimento também.

O Carlos Calado escreveu sobre o “Vivo” do Alceu Valença e o “Dança das Cabeças” de Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos. O Jotabê Medeiros foi o convidado para confeccionar os textos sobre o “Lobo Solitário” do Edvaldo Santana e o “Selvagem?”, dos Paralamas do Sucesso. Xico Sá fará o texto sobre o “Da Lama ao Caos” da Nação Zumbi. Nossa intenção não é fazer o espetáculo pelo espetáculo e sim trazer uma programação recheada de informações que possibilitem a reflexão.

O Álbum é um projeto exclusivo do Sesc Belenzinho ou pertence À rede Sesc como um todo? A apresentação do “Nós Vamos Invadir Sua Praia, do Ultraje a Rigor”, faz parte dele, por exemplo?

O Álbum é um projeto do Sesc Belenzinho. A apresentação do Ultraje a Rigor foi dentro do mês do rock no Sesc Pompeia. Por acaso eles fizeram shows baseados em seus discos. 

Atualmente, há vários grupos se unindo no Facebook e em outras redes sociais pedindo para músicos interpretarem álbuns clássicos. Como resultado, Jorge Benjor, por exemplo, resolveu ensaiar a apresentação de “Tábua de Esmeraldas”. Por que há tanto interesse por parte do público nesse tipo de apresentação?

Acho isso natural, faz parte de um processo chamado cultura. A ruptura e a inovação só se fazem possíveis com oconhecimento do passado. Todos esses discos são clássicos, devem ser retomados sempre.

Por parte dos músicos, você acha que o interesse se deve ao quê exatamente? Revival ou falta de criatividade faz parte disso?

Não entendo essa relação como comodismo ou nostalgia. Muito menos falta de criatividade. O pensamento de remontar trabalhos antigos que foram marcantes para a música brasileira tampouco sugere uma falta de inovação nos dias atuais, se é isso mesmo que sua pergunta insinua. Acredito que vivemos hoje um dos momentos mais profícuos e criativos da música brasileira, basta procurar nos lugares certos. No Sesc Belenzinho temos projetos que destacam a nova cena da música brasileira também. 

Claro que a pergunta é mais do que pertinente, há sim artistas que deitaram na fama e que há anos não trazem nada de relevante para o cenário musical. Esse tipo de pensamento sim, eu acho cômodo. O fato de esses artistas retomarem trabalhos anteriores não quer dizer que hoje não façam trabalhos interessantes e inovadores.