‘Não me Abandone Jamais’ usa ficção científica em drama

(Foto:Divulgação) São Paulo – O tempo pode ser o futuro ou o passado. O lugar pode ser a Inglaterra que conhecemos, ou um outro país. E os personagens podem ser […]

(Foto:Divulgação)

São Paulo – O tempo pode ser o futuro ou o passado. O lugar pode ser a Inglaterra que conhecemos, ou um outro país. E os personagens podem ser humanos. Mas tudo soa muito estranho no melancólico drama “Não me Abandone Jamais”, de Mark Romanek, baseado no brilhante romance do inglês Kazuo Ishiguro.

Aqui, tanto o filme quanto a obra original, na verdade, têm mais a ver com Charles Dickens do que com George Orwell – apesar do clima de futuro distópico. Isso porque o longa de Romanek (“Retratos de uma Obsessão”) não é uma fabula de tons políticos – como “1984”.

Nele, a distopia é um subterfúgio para um drama intimista, para uma história humanista. Os três jovens do filme, abandonados em num colégio interno, lembram os órfãos de destino infeliz e muita provação dos romances de Dickens.

Eles são Kathy (Carey Mulligan, de “Educação”), Tommy (Andrew Garfield, de “Rede Social”) e Ruth (Keira Knightley, de “Amor Extremo”), que moram e estudam em Hailsham, uma escola relativamente progressista, mas bastante rígida.

Seriam adolescentes normais, não fosse um fato que é o centro de suas vida: o sacrifício é o seu destino, numa sociedade que lembra qualquer ditadura e, ao mesmo tempo, ecoa muito o nosso tempo. Esses jovens deveriam aceitar o seu futuro com a cabeça baixa, curvando-se àquilo que lhes está reservado.

Kathy, Tommy e Ruth envolvem-se num triângulo amoroso destinado a ser trágico, dadas as perspectivas limitadas de futuro para todos eles. A narrativa constrói-se de forma lenta e cumulativa. Quando a revelação essencial da história vem à tona é como se “Não me Abandone Jamais” fosse uma ficção científica – mas não é. Os elementos desse gênero são usados para investigar os dramas humanos desses personagens, especialmente o amor e o destino.

Ruth toma uma decisão egoísta. Acredita, por causa de rumores, que um possível envolvimento com Tommy poderá poupar os dois daquilo a que se destinam. Suas ações, no entanto, irão refletir-se no futuro, quando poderá ser tarde demais para ela reparar seus danos.

Como “Os Vestígios do Dia”, outro longa baseado num livro de Ishiguro, este é um filme em que o que não se diz conta mais do que aquilo que é dito. É uma história que se constrói lentamente em cima de seus personagens, que desconhecem estar de mãos atadas, incapacitados de alterar aquilo que lhes é destinado. Nesse sentido, são quase personagens de tragédia grega que, quando aceitam sua maldição, a encaram de cabeça erguida, até na hora de sua execução.

Assistidos por guardiões, entre eles a Srta. Emily (Charlotte Rampling, “A Duquesa”), os jovens moradores de Hailsham crescem como crianças normais — brincam, aprendem, brigam, se apaixonam. Por isso mesmo, é grande o horror quando se descobre quem são essas crianças e porque elas existem.

Um dos maiores prazeres de ler ou ver “Não me Abandone Jamais” deriva do trabalho de detetive que a obra pede do público, juntando as peças do quebra-cabeças.

Ao final, questionando a humanidade de seus personagens, “Não me Abandone Jamais” questiona a nossa própria natureza e o resultado da ganância do homem. É uma história sobre horrores, mas também sobre amor e afeição – tudo aquilo que pode englobar a experiência humana.

Veja o trailer do filme:

Fonte:Reuters

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