Biblioteca-parque do Brasil quer transformar áreas carentes do RJ

Ministro da Cultura promete tornar ação modelo para outras áreas onde há obras do PAC programadas

Para líder comunitário Leonardo da Silva, Manguinhos “é show” (Foto: Maurício Thuswohl)

Rio de Janeiro – “Eu queria agradecer de coração por tudo o que está sendo feito aqui em Manguinhos. Isso aqui é único. Eu fui criado dentro de um barraco caindo aos pedaços e hoje eu estou vendo meu filho brincando numa pracinha legal e podendo ler livros em uma biblioteca. Manguinhos mudou, é show”.

As palavras do líder comunitário Leonardo da Silva, cheias de comovente sinceridade, mostram que a Biblioteca-Parque de Manguinhos, inaugurada no dia 29 de abril após uma parceria dos governos federal e estadual, é um acontecimento significativo na vida de milhares de pessoas que habitam uma das áreas mais pobres e massacradas pelo abandono do poder público e pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

Para além de eventuais marquetagens políticas ou proveitos eleitorais, a biblioteca-parque é um ganho enorme para uma região que compreende 26 comunidades carentes, com mais de 100 mil habitantes, e abriga em seu interior a área tristemente batizada pelos cariocas como Faixa de Gaza, devido às constantes batalhas entre facções do tráfico rivais e destas com a polícia.

Construída no terreno abandonado do antigo Depósito de Suprimento do Exército (1° DSUP), a biblioteca ocupa uma área de 3,3 mil metros quadrados e disponibiliza aos visitantes um complexo que conta, além da biblioteca em si, com outras atrações como sala de leitura para portadores de deficiências visuais, filmoteca, cineteatro, ludoteca, cafeteria e sala para reunião das entidades representativas dos moradores.

O acervo da Biblioteca-Parque de Manguinhos possui 25 mil livros, 800 filmes e três milhões de músicas, além de diversos computadores, acesso gratuito à internet e rede para internet sem fio. Também estão previstas atividades destinadas aos moradores das comunidades, como grupos de leitura, cursos, oficinas e estágios.

O projeto teve um investimento total de R$ 8,6 milhões (R$ 7,4 milhões do governo federal e R$ 1,2 milhão de contrapartida do Governo do Rio de Janeiro) e trata-se da primeira biblioteca-parque do Brasil, inspirada em experiência semelhante e bem-sucedida realizada na cidade colombiana de Medellín desde 2007.

Presente à cerimônia de inauguração, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, anunciou que toda obra do PAC terá uma biblioteca ou equipamento semelhante. “O Ministério da Cultura se associou ao Ministério das Cidades e aos governos estaduais exatamente para permitir que a gente vá disponibilizando para a população brasileira equipamentos desse tipo. A relação do governo com as comunidades deve ser aquela de dar condições para as pessoas viverem e morarem com dignidade e qualidade de vida. Essa biblioteca-parque é parte de um projeto que disponibiliza cultura de qualidade para toda a população brasileira em todo o território nacional.”, disse.

Biblioteca-parque em Manguinhos-RJ

O ministro ressaltou o “novo padrão” do projeto desenvolvido em Manguinhos. “A característica de uma biblioteca-parque é não ser somente uma biblioteca que fica esperando quem já é leitor vir buscar o livro emprestado. Na verdade, essa biblioteca é um centro cultural que vai estimular a leitura e ser uma porta aberta para várias áreas da cultura, como música, cinema e teatro”, explicou.

Ferreira lembra que o conceito da biblioteca parte do princípio adotado na gestão da área desde 2003 que considera a cultura como um direito dos cidadãos. “O Estado tem a obrigação de disponibilizar as condições para que esse direito se realize”, disse.

Para a secretária estadual de Cultura do Rio, Adriana Rattes, “encurtar as distâncias nessa cidade” é a principal proposta da biblioteca de Manguinhos. “A cultura é o melhor caminho para juntar forças e diferenças”, sustenta. Ela promete inaugurar outras quatro unidades ainda este ano.

A secretária anunciou que o governo lançará, a partir de 30 de maio, diversos editais para modernização de bibliotecas municipais e comunitárias, formação de agentes de leitura e concurso para novos autores. Adriana Rattes esclareceu ainda como se dará a gestão da biblioteca-parque. “Uma boa parte dos funcionários é daqui mesmo, das comunidades da região. Vamos criar um Conselho de Gestão formada por líderes comunitários, instituições do entorno de Manguinhos, como a Fundação Oswaldo Cruz, diretores das escolas da área e representantes da Secretaria de Cultura”.

ABL e Turma da Mônica

A Biblioteca-Parque de Manguinhos terá como madrinha a Academia Brasileira de Letras, que a apoiará com a doação de livros, a aquisição de novos títulos e a orientação na programação de seminários. O presidente da ABL, Marcos Vilaça, compareceu à inauguração. “Essa biblioteca é exemplar e isso aqui vai frutificar no futuro, vai render bastante. A ABL aceitou honradíssima ser a patronesse dessa biblioteca. Nós só exigimos da comunidade uma coisa: isso tem que ser continuado. A Academia se compromete a continuar doando livros e forcejando pelo êxito da biblioteca. Queremos selar este acordo levando as lideranças dessas comunidades para visitar a Academia”, disse.

Para os habitantes de Manguinhos, sobretudo a criançada, o ponto alto da cerimônia de inauguração foi a subida ao palco do desenhista Maurício de Souza, acompanhado pelos bonecos de Mônica e Cebolinha, que receberam das mãos do ministro Juca Ferreira o diploma de embaixadores da cultura: “Estou muito feliz e contente por estar aqui em Manguinhos e ver essa maravilha de biblioteca que é um sonho realizado. Isso aqui é uma revolução que vai dar o que falar e obter resultados maravilhosos nos futuro”, disse.

Maurício anunciou a doação para a biblioteca de cem mil exemplares de revistas da Turma da Mônica: “Isso é parte de um total de três milhões de exemplares que estamos encaminhando para o Ministério da Cultura. E não vai ficar só nisso não, porque tem muito mais do que três milhões de crianças querendo ler no Brasil e eu quero colaborar. Vou colocar no meu contrato com as editoras que cada livro que eu fizer terá um percentual direcionado ao Ministério, para distribuir para bibliotecas como esta no Brasil inteiro. Eu e a Turma da Mônica queremos participar desse processo”, afirmou.

Abandono e cultura

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, afirmou que o início da revitalização de Manguinhos é uma das maiores conquistas de seu governo: “Isso aqui era uma área tão abandonada que inúmeras empresas, como CCPL e Embratel, e até mesmo o Exército, quiseram ir embora daqui. Nos últimos 20 anos, Manguinhos só fez crescer desordenadamente enquanto a sociedade e o poder público assistiam de camarote. Ver hoje essa praça, essa biblioteca, o complexo esportivo aqui ao lado, é extraordinário”, disse.

Cabral citou o presidente Luiz Inácio Lula por diversas vezes. “No segundo turno das eleições de 2006, o presidente Lula me prometeu em praça pública que nós iríamos recuperar o tempo perdido do governo federal no Rio de Janeiro e fazer uma parceria forte para melhorar a vida do povo do Rio. O Rio, financeiramente, estava muito mal das pernas, não conseguíamos fazer nada. Havia dez anos que o Rio não conseguia sequer pegar empréstimo, e atualmente acabamos de ganhar o investment grade. Essa biblioteca-parque só foi possível graças à força da comunidade de Manguinhos e à generosidade do presidente Lula. Ela é uma intervenção urbanística extraordinária e impactante”, disse.

O ministro Juca Ferreira afirmou esperar que a biblioteca comece a mudar a face de Manguinhos: “Cultura não combina com violência. A cultura qualifica as relações humanas, qualifica as subjetividades das pessoas e permite que as pessoas realizem aspectos importantes que só através da cultura elas podem realizar. Onde tem cultura, em geral, o índice de violência abaixa. Estratégias realizadas em Nova York, Medellín e outros lugares do mundo mostram isso A gente está trabalhando para que a população brasileira tenha de fato acesso pleno à cultura”.

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