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Espumantes

Com açúcar, com afeto: mais dicas do mundo dos vinhos para apreciar durante a quarentena

O Brasil não deve nada a ninguém quando o tema são os espumantes, que vão muito bem em festas, coquetéis, em casa, em reunião com amigos, em qualquer lugar

Pixabay | Arte RBA
Pixabay | Arte RBA

Em nossa última conversa, eu disse que os espumantes mereciam um capítulo à parte, pois existem métodos de produção distintos e estilos diferentes. Abordei na última coluna os métodos champenoise ou tradicional, e o charmat (se você não teve tempo de ler ou se está chegando agora por aqui, volte lá na coluna para não ficar perdido(a)). Neste texto, vou falar sobre os estilos de espumantes e o tema passa pelo açúcar.

O vinho, assim como o pão, o queijo, a cerveja, o iogurte e vários outros produtos dos quais nos alimentamos e usamos no nosso dia a dia, é fruto da fermentação. No caso do vinho, os açúcares da uva (glicose e frutose, principalmente) são transformados em álcool pelas leveduras, o que significa que, quanto mais doce a uva (nós chamamos no mundo enológico de grau Brix ou Babo), mais alcoólico será o vinho.

Contudo, nem todo açúcar será totalmente consumido pelas leveduras. Há na uva o que chamamos de açúcares não fermentescíveis. Para resumir, trata-se dos açúcares que não serão transformados em álcool pelas leveduras durante a fermentação. Veja só: as leveduras produzem o álcool que será responsável pela morte delas. E, quando elas morrem, a fermentação para. Ou o mosto (sumo da uva) “seca”, no jargão enológico. Para saber se o vinho está seco, nós medimos a densidade dele com um aparelhinho chamado densímetro (a densidade do álcool é menor que a da água, ou seja, abaixo de mil).

Açúcar residual

Você já deve ter reparado que, mesmo no vinho seco que compramos (pode ser o tinto ou o branco), é possível sentir um certo dulçor na boca quando o provamos, não é mesmo? É o tal do açúcar residual ou o que “sobrou” no vinho após o processo fermentativo. O glicerol, um composto que é subproduto da fermentação, também é responsável por essa sensação, além do próprio teor alcoólico. Mas nosso foco aqui é o açúcar. 

Pela legislação brasileira, para que um vinho seja considerado seco ele pode ter até quatro gramas de açúcar residual por litro da bebida (cada país produtor tem suas regras e o açúcar residual do vinho é determinado por análise laboratorial).

Suponhamos que a análise laboratorial verificou que o nível de açúcar residual está abaixo do permitido pela legislação. Nesse caso, é permitido ao produtor corrigi-lo, usando sacarose (açúcar branco). Por que isso é importante? Principalmente para tornar a bebida mais palatável ao gosto do freguês.

O enólogo

Nesse processo todo, o papel do enólogo – o profissional que fica na vinícola quebrando a cabeça e o corpo todo num trabalho super pesado para levar à sua mesa o melhor vinho possível – é fundamental. Esse cara (ou “essa” cara) vai pegar a uva e, a partir de uma avaliação sensorial (que uva é, se está mais doce ou menos doce, se a maturação foi boa ou não etc. etc.), determinar o tipo de produto que vai sair dali. Em suma, o(a) enólogo(a) vai fazer o impossível para retirar da uva “marromeno” o melhor produto possível (e isso, minha gente, depende muito do clima, do ataque de pragas e muitos outros fatores) ou não estragar a uva que está linda e maravilhosa.

O teor de açúcar da bebida vai determinar o rótulo do produto. Quando você vai comprar vinho, já deve ter reparado nos rótulos descrições como “vinho tinto fino seco” ou “vinho tinto suave” e por aí vai. (Abre parênteses: mas tem o caso do vinho suave de mesa do Brasil, que já expliquei na coluna anterior. Volte lá!). Quanto aos espumantes, também já deve ter percebido que há vários tipos deles: nature, extra-brut, brut, séc, demi-séc e espumante doce.

Os espumantes

Primeiramente, espumante é um vinho com gás (carbonatação ou CO2), produzido naturalmente durante a fermentação (a depender do método, pode ser na primeira ou segunda fermentação). Por isso, tem borbulhas ou pérlage, em francês, que podem ser mais grossas ou mais finas e intermitentes ou não. Mas, quanto mais finas e intermitentes (a duração das borbulhinhas subindo na taça, como o desenho de um terço), melhor a qualidade do produto.

Só para ilustrar, vamos focar no método tradicional, usado em Champagne (e no Brasil e em várias partes do mundo também), região da França que o propagou: é produzido um vinho base, feito como se faz um vinho branco. Na sequência, faz-se o que chamamos de licor de tiragem, para que ocorra uma segunda fermentação.

No caso do método champenoise, ou tradicional, ela é feita em garrafa fechada tampada com um fecho branquinho (bidule) mais a tampa. A garrafa é colocada no pupitre, um suporte de madeira, num ângulo que permite que o resíduo de resto de leveduras usadas na segunda fermentação vá para o gargalo da garrafa, que posteriormente é congelado e retirado (importante ressaltar que, no método tradicional, a(s) garrafa(s) é (são) girada(s) um pouquinho a cada dia por mãos humanas). Por fim, é adicionado uns 15 mililitros do chamado licor de expedição, que pode ser o próprio vinho ou outro, até mesmo um bom conhaque, com adição de um determinado nível de açúcar que vai determinar o seu estilo. Expliquei tudo isso pois será importante para você compreender o resto.

Desce redondo

Sabe aquela propaganda de TV que tinha o lema “desce redondo”? O espumante bom desce macio, dá uma sensação de preenchimento de boca, como se você estivesse mastigando um miolo de pão recém saído do forno coberto com manteiga de boa qualidade. Você vai mastigando aquela massa, que fica macia na boca e desce gostoso (se não gostou da comparação, pense em outra coisa).

Agora, vamos aos tipos de espumantes (os limites de açúcar determinados aqui são para os espumantes feitos no Brasil. Na França e em outros países as regras são um pouco diferentes):

  • Nature: são espumantes sem açúcar ou, no máximo, três gramas de açúcar por litro no produto final. No nature – ou “ao natural” – normalmente não é adicionado o licor de expedição, ou seja, retira-se o potencial máximo da uva usada naquele produto, que normalmente é de boa qualidade. A Chardonnay, a rainha das uvas brancas, é muito usada neste tipo de espumante, por sua versatilidade.
  • Extra-brut: bastante secos e com acidez pronunciada, o Extra-brut tem de 3,1 a 8 gramas de açúcar por litro. Aqui já pode rolar um licor de expedição.
  • Brut: tem de 8,1 a 15 gramas de açúcar por litro, mas, ainda assim, apresenta-se seco e com bastante acidez, embora menos que os anteriores.
  • Seco ou Sec: tem de 15,1 a 20 gramas de açúcar residual por litro. Para quem está começando no mundo dos espumantes, é uma boa pedida, pois não tem açúcar demais nem de menos e a acidez é agradável.
  • Démi-sec: possui de 20,1 a 60 gramas por litro de açúcar. Está entre os preferidos do brasileiro, por ser mais doce.
  • Espumante doce: acima de 60 gramas de açúcar por litro. O mais famoso deles é o Moscatel, feito com a uva Moscato (pode ser branca, rosada e tinta), uma varietal muito aromática e naturalmente bem doce. Este vinho é produzido pelo método Asti, que é uma variação do método charmat, feito em autoclaves ou tanques de pressurização. Mas aqui a fermentação é única e paralisada com uma redução drástica na temperatura durante o processo de fermentação. Isso significa que vai sobrar açúcar (é o que se quer) e o teor alcoólico vai ser baixo, uma vez que não deu tempo de as leveduras consumirem todo o açúcar presente no mosto para transformá-lo em álcool. Este vinho é bastante popular no Brasil.

Sugestão

Nós, brasileiros, ainda não aprendemos a beber espumantes, embora a produção nacional seja de excelente qualidade. De verdade, o Brasil não deve nada a ninguém quando o tema são nossos espumantes, que vão muito bem em festas de casamentos, em festas no geral, em coquetéis, em casa, em reunião com amigos, em qualquer lugar – inclusive na quarentena. É um excelente substituto da cerveja.

Coloque a garrafa num balde de gelo e deixe lá por uns 15, 20 minutos. Ou na geladeira por umas três horas. Se for de estilo mais jovem e frutado, a temperatura ideal é mais baixa, tipo uns 9, 10 graus. Se for espumante maturado em barrica, a temperatura deve ser um pouco mais alta, entre 12 e 13 graus.

A taça ideal para apreciar espumantes é a flute, aquela mais compridinha, que ajuda a manter as borbulhas. Mas, se não a tiver, use a que você tem em casa mesmo.

Digo mais! Espumante é muito fácil de harmonizar com qualquer prato. Vai bem com salada (depende do molho! Nature com molhos avinagrados, só para o Incrível Hulk), pão com azeite, macarrão, tábua de queijos e frios, frutos do mar, comida vegetariana, vegana e afins. Espumante vai bem com (quase) tudo. Moscatel vai muito bem com sanduíches de salame ou outro tipo de presunto salgado (depois vou falar mais de harmonizações) ou com doces a base de queijos (tipo Cheesecake).

Enfim, abra a mente e prove um espumante nacional no seu próximo almoço de domingo.

* O título é em homenagem ao meu muso Chico Buarque. A próxima coluna será um Com Açúcar, Com Afeto 2.


Adriana Cardoso é jornalista há mais de 20 anos, apaixonada por vinho antes mesmo de graduar-se em Viticultura e Enologia pelo Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, campus São Roque, em 2019. Atualmente faz estágio na vinícola Villa Francioni, na Serra Catarinense. Quer comunicar de modo claro o mundo maravilhoso do vinho, ajudando a desmistificar preconceitos e dando um “xô!” na gourmetização.