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MP volta a questionar governo de SP sobre alagamentos na zona leste da capital

Bairro que ficou alagado por dois meses em 2009 ainda convive com risco de inundações. 'Herança' de mineradora é o maior problema. Sujeira se acumula em lagoa e é possível 'andar sobre as águas

Danilo Ramos / RBA

No lugar conhecido como “Buracão”, morador anda sobre região onde mato cresceu sobre o lixo que cobriu as águas

 

São Paulo – Depois de cinco anos do alagamento que deixou por mais de dois meses consecutivos diversas ruas da Vila Itaim (e outros bairros), na zona leste da cidade, sob as águas do rio Tietê, moradores ainda temem que uma tragédia do mesmo vulto se repita. Atualmente, mesmo com as chuvas escassas e fracas, eles convivem com ruas alagadas, mau cheiro, lama, mosquitos e até cobras. O Ministério Público reabriu nesta semana uma Ação Civil Pública, parada desde janeiro, para apurar responsabilidades pelas cheias.

O bairro fica à margem do rio Tietê e, afirmam os moradores, a grande responsável pelo risco constante de enchentes é a Lagoa Itaim ou, como todos a chamam por lá, o Buracão.

A lagoa fica entre o bairro e o rio Tietê, para onde a água da chuva naturalmente desaguaria. O local era uma cava de onde era retirada areia pela empresa mineradora Itaquareia, segundo o Departamento de Água e Energia Elétrica do Governo do Estado de São Paulo (Daee). Em meados dos anos 80, a empresa parou de operar e foi feito um desvio das águas do rio para preencher a cratera, que se transformou em uma lagoa.

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Antiga área de lazer, lagoa foi tomada por tomada por entulho, sem providências pelo poder público

Os moradores mais antigos contam que o lugar servia como área de lazer, mas depois de algum tempo passou a receber entulhos e esgotos clandestinos. Atualmente, depois de tanta sujeira acumulada, é possível andar sobre a água do Buracão, coberto de mato.

Suja e com tubulações interrompidas, a água fica represada e volta para as ruas do entorno. Em uma delas, há um Centro de Educação Infantil (CEI), onde, segundo funcionários, já foi necessária a ajuda do Corpo de Bombeiros para retirar as crianças, já que a rua estava tomada pela água. “E não precisa chover muito para dar problema, não”, reforça Viviane César, diretora do CEI.

“Aqui era um lugar muito bom. Mas aí foi indo e indo e ficou assim. A empresa que tirava areia daí foi embora e só deixou os problemas para trás”, conta Luciana Gama Cardoso, que mora em frente ao buraco. “Todo mundo pede chuva, mas São Paulo não está preparada.”

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Região pede serviços públicos básicos, com limpeza, para evitar novos sofrimentos à população

Depois da enchente de 2009, governo do estado e prefeitura construíram uma espécie de barragem, o que evitou que a água do rio entrasse nos outros 11 bairros afetados naquela ocasião. Mas as medidas não garantiram tranquilidade aos moradores, já que a lagoa continua cheia de entulho.

“O que a gente quer aqui é limpeza. Condições de salubridade. As pessoas tiram cobras e aranhas de dentro de suas casas por conta do lixo no buraco. Só faltam os mosquitos levarem a gente. A situação está pior do que nunca”, conta Euclides Mendes, o Kiko, morador e umas das lideranças comunitárias da região.

Culpa do lado mais fraco

Os moradores se queixam de serem os únicos responsabilizados e penalizados pelos alagamentos, quando há sinais de que a origem está no desvio clandestino do rio para dentro da antiga cava de extração de areia, o abandono da área privada e a negligência do poder público em fiscalizar. “Tudo indica que houve crime ambiental. E o governo do estado poderia limpar isso aqui, tem máquinas capazes de fazer isso”, afirma Kiko.

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Moradores reclamam que nada foi feito desde as enchentes de anos anteriores e que ‘Buracão’ ameaça região

A principal solução dada pelo governo do estado para diminuir os impactos da cheia do rio e da lagoa foi a construção do maior parque linear do mundo às margens do Tietê, com 75 quilômetros de extensão entre a Barragem da Penha, na cidade de São Paulo, e Salesópolis. Mas apesar dos benefícios apontados, o Parque Várzeas do Tietê (PVT) prevê a remoção de 7,7 mil famílias, sendo seiscentas delas em Guarulhos, cidade vizinha da capital.

Em janeiro, o Ministério Público abriu um inquérito civil para apurar as responsabilidades pelos alagamentos na região. Na ocasião, fez solicitações para o Daee e a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). As respostas obtidas, segundo o promotor do Meio Ambiente, Luiz Roberto Proença, foram insatisfatórias. Na segunda-feira (15), o promotor pediu mais esclarecimentos. Para ele, caso seja constatada a relação dos alagamentos com as condições da lagoa, os moradores podem pedir indenizações pelos danos ocasionados.

“Estamos solicitando aos cartórios de São Paulo e Guarulhos informações concretas de quem é o proprietário. Porque em primeiro lugar, a responsabilidade é do proprietário. Ao mesmo tempo, há um projeto de desapropriação daquela área toda para fazer o Parque Várzeas do Tietê e nós também não temos informações sobre a atual situação da implantação dele. Mas para fazê-lo, tem que desapropriar [a lagoa]. Isso facilitaria porque o Estado não pode entrar para limpar uma área privada”, afirma Proença. “Nós ficamos na dependência de receber essas informações. Elas não chegam antes de 30 dias”, afirmou o promotor.

O Daee, de responsabilidade do governo estadual, reiterou por meio de sua assessoria que a área é privada e, portanto, a limpeza cabe ao proprietário. Segundo o órgão estadual, a responsabilidade por multar a Itaquareia pela sujeira é da prefeitura de São Paulo, assim como a responsabilidade por gerir os problemas de microdrenagem que afetam a região.

Procurada, a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (Siurb) não respondeu até a publicação desta reportagem, assim como a Itaquareia, apesar de a mineradora estampar na primeira página de seu site sua suposta preocupação com o meio ambiente.

Parque Linear

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Moradores da Vila Itaim temem repetição de alagamentos que completam 5 anos

O projeto do Parque Várzeas do Tietê está dividido em três etapas. A primeira, com conclusão em 2016 e a última, em 2020. Neste momento, segundo cronograma do Plano de Aquisição do projeto, que é financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a elaboração de Estudos de Alternativa de Micro e Macrodrenagem, que deveriam ter iniciado em setembro deste ano, estão “pendentes” e a elaboração de estudos para a implantação de um plano de reassentamento das pessoas removidas para a construção do parque está em andamento.

Segundo Oswaldo Ribeiro, também liderança comunitária local, governo do estado e prefeitura estão fazendo o cadastramento das famílias, mas ainda não há informações claras de qual será o destino delas depois da remoção.

Parte dos moradores deixou a Vila Itaim logo após a enchente de 2009. Algumas das indenizações pagas pelas casas não ultrapassou R$ 2 mil, valor insuficiente para reconstruir outra moradia. Outros recebem auxílio-aluguel até hoje. “Nós não somos contra a via parque, somos contra essa política habitacional dos governos, que na verdade é a falta de uma política habitacional. Não aceitamos bolsa-aluguel que, às vezes, empurra a pessoa para um lugar pior ainda”, afirma.

A Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo informou, por meio de nota, que estado e município dividem os custos do auxílio-aluguel pago a parte das 2.500 famílias removidas na zona leste em 2010 e que “novas remoções dependem da instalação de novas frentes de obra”.

Já a CDHU afirmou que é responsável pelo atendimento habitacional de 3 mil famílias de todas aquelas que devem ser desapropriadas. Desde 2010, a companhia, ligada à secretaria de Habitação estadual, afirma já ter entregue 340 unidades habitacionais em Itaquaquecetuba, que também será atingida pelo parque. Outras 600 unidades estão sendo “viabilizadas” em Guarulhos, cidade que deve abrigar o restante das unidades habitacionais para reassentamento, ainda em fase de planejamento.

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