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Mobilidade urbana e moradia ainda são desafio para novo Plano Diretor de SP

Desapropriação de terrenos ociosos para construção de moradias e infraestrutura de transportes é a melhor saída, na visão do urbanista Kazuo Nakano

Moacyr Lopes Júnior/Folhapress

Para aproximar moradia e trabalho, o plano prevê o adensamento populacional próximo a corredores

São Paulo – Perto da aprovação na Câmara Municipal, com votação prevista para a próxima quarta-feira (9) o principal desafio do novo Plano Diretor Estratégico (PDE) que irá reestruturar e organizar o espaço público de São Paulo até 2029 é, na visão do ex-diretor do Departamento de Urbanismo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Kazuo Nakano, melhorar o fluxo de pessoas, bens, serviços e informações na cidade. “Para superarmos a crise da mobilidade urbana, a prefeitura precisa desapropriar terrenos. Nós precisamos de verba suficiente para investir em um setor que não apresenta crescimento desde 2003.”

O projeto, que substituirá o atual Plano Diretor, de 2002, foi debatido em 44 audiências públicas realizadas nas quatro zonas da cidade e teve a votação do texto final adiada para a próxima quarta-feira (9). A decisão foi tomada devido a pedido encaminhado pela Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal. Alguns vereadores consideram necessário ter mais tempo para debate e realização de audiências públicas.

Para aproximar moradia e local de trabalho, o plano prevê o adensamento populacional de eixos urbanos próximos a corredores de ônibus. Segundo o relator do projeto, Nabil Bonduki (PT), a medida visa reduzir o tempo de deslocamento da população nas vias da cidade. As empreiteiras que firmarem parceria com a prefeitura poderão atingir até quatro vezes o potencial construtivo em obras nas margens de grandes avenidas.

A questão, entretanto, é contestada por urbanistas e por representantes do Legislativo, como o vereador Police Neto (PSD), que argumentam que o aumento de habitantes de determinadas regiões pode congestionar ainda mais as vias urbanas caso não haja melhoria da infraestrutura de transporte público. “Ao se tirar o controle de estoque, que era o cálculo de equilíbrio dos bairros, o PDE é absolutamente mais construtivista, é aquele que te deixa construir, construir, construir”, afirmou Police em reunião na Comissão de Política Urbana da Câmara.

De acordo com o presidente da Câmara Municipal, José Américo (PT), a prefeitura criará dificuldades tributárias para que proprietários mantenham prédios inutilizados em locais destinados à construção de infraestrutura de transportes e moradias populares. “É um modo de expropriar, já que não conseguimos fazer isso diretamente”, explica. O vereador também defende que o adensamento populacional será possível com a construção dos 250 km de corredores de ônibus prometidos pela gestão de Fernando Haddad (PT).

Infraestrutura urbana

Não há como enfrentarmos essa discussão sem penalização do transporte individual. Ele é uma das principais fontes de recursos para baratear e aumentar a qualidade do transporte público e da mobilidade urbana”, afirma o ex-secretário executivo do Ministério dos Transportes e ex-secretário Municipal de Transportes de São Paulo nas gestões de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), Frederico Bussinger.

Bussinger acredita que investimentos em infraestrutura urbana que comportem transporte público de qualidade devem ser descontados na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) de combustíveis. O imposto de contribuição especial da União incide diretamente no preço da importação e comercialização de qualquer tipo de combustíveis, como gasolina, etanol, diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP).

Em 2012, a taxa teve a alíquota zerada e o imposto deixou de ser arrecadado pelo governo, como política de incentivo à aquisição de automóveis. Quando está em vigor, 29% do valor total recolhido é destinado aos estados brasileiros para a melhoria da infraestrutura de transportes. A Cide arrecadou R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões nos anos de 2010 e 2012, respectivamente, e no ano passado ressurgiu no debate público graças a pedidos de prefeitos pressionados pelas manifestações de junho. A equipe econômica do governo federal, porém, barrou a iniciativa até aqui.

A principal vantagem da Cide é que ela corresponde a uma taxa já existente e com alíquota definida, defende o ex-secretário de Transportes. “Um projeto que inclua a Cide tem mais legitimidade para ser aprovado, porque já há arrecadação com a Receita Federal. A máquina está azeitada.” Apesar de ter um primeiro impacto inflacionário, com aumento do preço dos combustíveis, o engenheiro acredita que, em médio prazo, a medida poderá reduzir a inflação no transporte coletivo como um todo e demonstrar eficácia.

Com a destinação da taxa para investimentos em transporte nos municípios brasileiros, parte do orçamento dos governos locais poderia ser destinada a outros gastos públicos. No ano passado, R$ 1,4 bilhão do orçamento da prefeitura paulistana foi utilizado para suprir os gastos com transporte público na cidade. Esse valor se somou ao preço das passagens. “Houve uma retomada do uso de transporte individual em São Paulo e o governo não tem como buscar verba anual para financiar os investimentos necessários em transporte público.”

Um estudo preliminar da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que, caso o preço da gasolina seja aumentado em R$0,50 e esse valor seja diretamente destinado a suprir os gastos com o sistema de transporte, a passagem de ônibus, trens e metrôs passaria a custar R$ 1,80, em vez dos atuais R$ 3.

Centro

Dentre as medidas previstas no texto final do Plano Diretor, está a inclusão do centro de São Paulo nas áreas que comportem moradias populares chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). De acordo com José Américo, o PDE irá viabilizar habitações no centro da cidade prioritariamente para movimentos de moradia organizados e para pessoas que foram retiradas das casas e recebem da prefeitura o auxílio-aluguel. O projeto também permitirá que a situação de moradores integrantes de ocupações nas áreas centrais possa ser regularizada.

Para que o plano seja aplicado ao centro de São Paulo, o vereador explica que a prefeitura irá intermediar construções na região por meio da aquisição de imóveis não utilizados e subutilizados que serão reformados e destinados à moradia social através do financiamento da Caixa Econômica Federal. A meta do governo Haddad é entregar 55 mil novas moradias até o fim dos quatro anos de gestão. Entretanto, o déficit habitacional na cidade chega a 200 mil.

Zona rural

Caso o texto final seja aprovado pela Câmara, um quarto da área de São Paulo será transformado em zona rural. A medida visa frear a expansão urbana no extremo sul do município e abrangerá os distritos de Parelheiros, Grajaú e Marsilac, em que vivem cerca de 27 mil pessoas. A proposta ainda amplia a construção de habitações de interesse social no local para famílias que ganham entre seis e 12 salários mínimos e tenham como atividade econômica a produção rural.

Com a mudança na classificação da área, os agricultores terão acesso aos programas do governo federal e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para crédito agrícola, assistência técnica e proteção.

Segundo Kazuo Nakano, a intenção é criar um cinturão verde na região que possa abastecer parte das necessidades de produtos agrícolas da cidade. “Parte do hortifrúti que consumimos hoje vem do interior do estado. Ao concentrarmos a produção agrícola perto das áreas de consumo, o produto final ficará bem mais barato”, argumenta.

Além disso, o urbanista reforça que a transformação em zona rural impedirá a construção de grandes investimentos na área, como o aeroporto privado em Parelheiros, que pretende receber 154 mil voos por mês e ficaria próximo a uma Área de Preservação Ambiental (APA). A prefeitura defende que a área não pode receber o aeroporto porque está definida como Zona Especial de Preservação Ambiental (Zepam), na lei 13.885, de 2004, que delimita o uso e a ocupação do solo e veta construções de grande porte em áreas como essa.

A empresa Harpia Logística, responsável pelo empreendimento, pertence a André Skaf, filho do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. O uso do espaço aéreo da região de Parelheiros, que inclui a área para pousos e decolagens, foi autorizado pela Agência Nacional de Aviação Civil no ano passado. Entretanto, a concessão do solo e as licenças ambientais são reguladas pelos governos estadual e municipal.

As liminares enviadas pela empresa de André Skaf requisitando a construção das obras ao Tribunal de Justiça de São Paulo foram negadas por duas vezes seguidas em fevereiro deste ano.

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