Rodoanel Norte tem alto custo e pouco benefício, dizem especialistas

Especialistas afirmam que, com custo previsto de R$ 5,6 bilhões e uma série de impactos sociais e ambientais, obra seria inútil como opção para retirar caminhões do centro expandido de São Paulo

Serra da Cantareira será impactada pela construção do trecho norte do Rodoanel em São Paulo, entre os argumentos contra a obra (CC/assimnao)

São Paulo – O trecho Norte do Rodoanel, obra de 44 quilômetros que teve início em março deste ano e custará R$ 5,6 bilhões, é projeto discutível não só nos aspectos social e ambiental, mas também do ponto de vista de sua utilidade com válvula de escape de caminhões do centro expandido de São Paulo, segundo especialistas em mobilidade, urbanismo e meio ambiente. O trecho irá completar o anel de pistas que circunda a cidade e interligada várias rodovias estaduais e federais.

A previsão é de que o trecho terá um volume de tráfego de 65 mil veículos diários – o que não justificaria a remoção de milhares de famílias no caminho da obra nem a destruição de cerca de 120 hectares de mata, entre outros impactos menos aparentes.

Segundo a empresa estadual Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), o trecho Norte conta com R$ 2 bilhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) proverá financiamento de R$ 2 bilhões e com R$ 1,72 bilhão do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. O restante virá do Tesouro do Estado de São Paulo.

Para o engenheiro e consultor em mobilidade urbana Horácio Augusto Figueira, o trecho norte do Rodoanel era viável há 40 anos. “Há quatro décadas já havia uma ideia de anel rodoviário que desse caminho ao tráfego de passagem que se dirigia à capital. Não se fez e a região metropolitana cresceu engolindo todo o entorno de São Paulo. Hoje o Rodoanel serve muito mais como uma avenida perimetral metropolitana. E, nesse caso, 65 mil veículos por dia não é nada comparado ao que essa região tem. Só na marginal Tietê são cerca de 450 mil veículos diariamente”, afirma.

Para o engenheiro, o dinheiro investido daria para fazer 20 quilômetros de metrô, atendendo cerca de 1 milhão de pessoas. Se investisse em corredores de ônibus seria algo em torno de 250 quilômetros, com benefícios para 2,5 milhões de pessoas. “O trecho norte não vai resolver qualquer problema e vai atrair muito mais veículos pela possibilidade de tráfego. Então a questão é a seguinte: por que atender 65 mil pessoas por dia se pode-se acolher muito mais?”, questiona.

O arquiteto urbanista e vereador Nabil Bonduki (PT) concorda e avalia que os impactos da obra e o potencial de tráfego tornam a necessidade dela discutível. 

“Na verdade, hoje o Rodoanel Norte não é uma prioridade. Porque as principais interligações estão feitas. Para quem vem do interior pelas vias Anhanguera e Bandeirantes, com destino ao Rio de Janeiro, existe a rodovia Dom Pedro I. Para Santos, pode utilizar o trecho oeste do Rodoanel. São R$ 5,6 bilhões para fazer uma obra pouco necessária”, avalia. Para Bonduki, parte desse dinheiro poderia ser utilizado para ampliar e melhorar a Dom Pedro I.

De acordo com a Dersa, utilizar a Rodovia Dom Pedro I para conectar a malha rodoviária ao norte de São Paulo, sem a construção do Rodoanel Norte, não seria atrativa para o tráfego e aumentaria o percurso em mais de 200 quilômetros. 

Caminhos alternativos
 
A rodovia Dom Pedro I se inicia na Anhanguera, na altura de Campinas. Daí segue sentido sudoeste, cruzando a Fernão Dias na altura de Atibaia e a via Dutra na altura de Jacareí. A Dom Pedro termina na rodovia Governador Carvalho Pinto, que é a continuação da Ayrton Senna. Seria a alternativa para quem vem do interior do estado indo ao Rio de Janeiro. Para quem pretende ir ao porto de Santos, o caminho seria pelos trechos oeste e sul do Rodoanel, para acessar as rodovias dos Imigrantes e Anchieta. No caso de quem pretende cruzar a capital, vindo das rodovias Régis Bittencourt, Raposo Tavares e Castelo Branco, poderia usar o trecho oeste do Rodoanel, acessar a rodovia Anhanguera e utilizar a rodovia José Roberto Magalhães Teixeira, que liga a Anhanguera com a Dom Pedro I, pelo sul de Campinas. E quem vem destas rodovias, indo para o porto de Santos, utilizaria os trechos oeste e sul do Rodoanel para acessar as vias Anchieta e dos Imigrantes.

O trecho norte do Rodoanel terá partes com três ou quatro faixas de rolagem. Serão 111 pontes e viadutos, e sete túneis. Espera-se um tráfego sendo 30 mil caminhões. Cerca de 60% destes seriam retirados da marginal Tietê.

Estima-se que, quando concluído, o Rodoanel Norte reduza em 23% o Volume Diário Médio (VDM) de caminhões nesta marginal, o que representa 17 mil por dia. A previsão é de que esteja concluído em março de 2016. Serão desapropriados cerca de 1.800 imóveis, caso de pessoas que possuem título de propriedade.

Não há estimativa fechada quanto às remoções de moradias de famílias que não possuem o documento. Até o momento, foram cadastradas 4.006 famílias nessa situação.

Para Figueira, a restrição de caminhões nas marginais e no centro expandido já representa uma inauguração informal do Rodoanel completo. 

“Quando a gestão Kassab proibiu a circulação de caminhões nos horários de pico ela estava agindo como se o Rodoanel estivesse pronto. Mesmo assim as vias continuam muito atravancadas, praticamente só com carros. Ou seja, com os outros trechos e a restrição funcionando, o trânsito não melhorou. E a tendência é sempre aumentar o número de carros, já que não há políticas que priorizem o transporte público”, afirma.

Ocupação

Outro problema, segundo o vereador Bonduki, é a provável ocupação da região do entorno do Rodoanel, que pode provocar degradação ambiental. Ele afirma que, em outros trechos, a presença da rodovia provocou expansão da cidade para essa região, com moradia, serviços etc.. 

“Ainda que não haja abertura de novas vias, você começa a ter uma aproximação e adensamento da ocupação nas áreas próximas, nas conexões. Afinal, isso facilita o deslocamento das pessoas. A obra corta toda uma área de proteção ambiental e certamente isso causaria impactos negativos nessa região. Então, não é interessante que esse adensamento aconteça”, avalia.

Bonduki acredita que o impacto da obra pode afetar até mesmo a situação habitacional de cidade. “Nós vamos gastar muito dinheiro para fazer uma ligação que é discutível e teremos a remoção de muita gente, alguns milhares de pessoas. Em uma cidade onde já existe grande carência de habitação, você vai ampliar isso com uma demanda gerada pelo próprio governo?”, questiona. O vereador explica que alguns bairros serão divididos, com populações impactadas pela separação física, mais o barulho e a poluição. “Existem agricultores nessa região que também serão afetados”, disse.

A Dersa nega que tenha subestimado o número de pessoas afetadas e informa que os processos de cadastramento ainda estão em execução. A ação englobaria reuniões com famílias e apresentação do mapa da área a ser liberada, cadastramento das famílias, elaboração dos laudos necessários para o reassentamento, devolução dos laudos e apresentação das opções de indenização. 

No caso de desapropriações, seria feito o levantamento técnico das dimensões físicas do imóvel e caracterização das benfeitorias, vistoria, avaliação e cálculo de indenização realizada por um engenheiro especializado e contato final para procedimentos de desapropriação.

Impactos

No último dia 20, houve uma reunião para discutir a revisão do Plano Diretor na subprefeitura do Tremembé. Porém, o encontro se tornou um fórum de discussão sobre os impactos do Rodoanel sobre a região. Cerca de 350 moradores compareceram e manifestaram-se contra a obra. Estiveram presentes o promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo Maurício Ribeiro Lopes, que move uma ação pedindo a suspensão da obra, e os vereadores José Américo (PT), Nabil Bonduki e José Police Neto (PSD), além de dois representantes da Dersa.

O promotor sugeriu que seja feita pressão popular sobre o Tribunal de Justiça de São Paulo para que a ação proposta por ele seja julgada o quanto antes.

Para o presidente da Câmara Municipal, vereador José Américo, a obra desrespeita o Plano Diretor e devia aguardar sua revisão, que começou no sábado (27). 

“Nós estamos revendo o Plano Diretor. A obra o agride tanto que o governo do estado devia ter a decência de esperar a revisão terminar. O plano ratifica as diretrizes do Conselho Nacional de Meio Ambiente, que determina a distância de pelo menos 20 km do centro da cidade, para estas rodovias. Este trecho passa a nove ou 10 km”, afirma. Os outros trechos estão todos dentro da lei, o que demonstraria que o governo conhece a regra. “Peça para alterar o plano, dialogue com a população, com a Câmara. E faça o trajeto a partir daí”, aconselha.

Américo considera que os impactos sociais e ambientais são inaceitáveis. A Serra da Cantareira é tombada e o plano determina que tombamentos ambientais devem ser preservados. Portanto, a estrada não poderia passar ali. 

“Além disso, há problemas sociais gravíssimos. Estão fazendo tudo no mais louco improviso. A Dersa admitiu, na reunião de sábado passado, que errou na estimativa dos moradores que serão atingidos. O governo está cadastrando as pessoas e não deixa nenhum comprovante com elas. O cadastro é uma forma de garantir a segurança daquelas pessoas. Mas isso também está sendo feito de forma improvisada”, denuncia.

O vereador afirma ainda que a obra não começou efetivamente em São Paulo, exceto em relação a medições e demarcações, o que permitiria a paralisação das obras sem grande ônus ao governo estadual. 

O engenheiro agrônomo e conselheiro do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Mauro Victor, defende que a obra seja paralisada e a população, ouvida. “A Serra da Cantareira é uma área altamente sensível. É uma reserva de biosfera reconhecida pela Unesco. O que se fizer ali reflete em toda a cidade. Vão remover cerca de 5 milhões de metros cúbicos de terra. Milhares de pessoas. E um sem número de árvores. O governo Alckmin tem decidido tudo: forma, fiscalização, licenças, remoções. Onde está o controle social disso? Nós defendemos a Cantareira há 25 anos e não podemos aceitar que a coisa seja feita dessa forma”, explica.

A Dersa afirma que o trecho norte do Rodoanel passará fora do Parque da Serra da Canteira e que “o projeto foi elaborado para que os impactos ambientais sejam sempre minimizados”. A obra vai cruzar corpos d’água através de pontes ou galerias, “todas dimensionadas e aprovadas pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica, que é o órgão do governo responsável pelos recursos hídricos, e não afetará a capitação de água”. 

Além disso, toda a supressão de vegetação será compensada pelo plantio de cerca de 1,6 milhão de mudas de espécies nativa. “As autorizações foram emitidas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e anuídas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”, explica a nota.

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