Brasil desperdiça mais de R$ 10 bilhões por ano com perdas de água

Estudo realizado por ONG e pela USP indica que ganho de eficiência é vital para a saúde financeira das empresas de saneamento básico e universalização do serviço no país

Área de manancial hídrico na região metropolitana de São Paulo sofre com urbanização desordenada (Danilo Ramos/Arquivo RBA)

São Paulo – Mais de 37% de toda a água que circula pelas adutoras do Brasil, abastecendo casas e indústrias, não traz nenhum retorno financeiro às empresas públicas e privadas responsáveis por coletá-la, tratá-la e distribui-la aos consumidores do país. Seja porque a água se esvai em encanamentos defeituosos, seja porque é subtraída da rede por ligações irregulares, as perdas acarretam um prejuízo anual de no mínimo R$ 10 bilhões aos operadores do sistema. O vazamento de recursos, além de agravar a situação escassez hídrica vivida pelo país, dificulta novos investimentos em saneamento básico e impede que esse serviço essencial chegue a todos os brasileiros.

Essa é a principal conclusão de um estudo divulgado hoje (19) na capital paulista pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, vinculada à Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa compilou dados oficiais do Ministério das Cidades, Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), Agência Nacional de Águas (ANA) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) sobre tratamento, distribuição e perdas de água nas cinco regiões do país. Os números também apontam o nível de investimento em saneamento básico, o custo de produção da água tratada e as tarifas cobradas em cada estado e nas 100 maiores cidades brasileiras.

De acordo com os autores do estudo, as perdas de água podem ser vistas de duas maneiras. A primeira diz respeito às perdas físicas, também conhecidas como desperdício: quando a água escorre pelo ralo ou buracos no encanamento sem qualquer utilização. O segundo tipo são as perdas financeiras, ou seja, quando a água é distribuída pelas empresas mas acaba não sendo cobrada – caso dos “gatos” na rede, erros de medição ou inexistência de hidrômetros. “Não existem dados confiáveis sobre perdas físicas no Brasil, que na realidade é nosso objetivo: saber quantos litros de água o país perde. Mas não é possível medir isso”, atesta Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil. “Por isso, as associações internacionais consideram que a perda por faturamento é a que mais se aproxima do número real do desperdício, já que o maior responsável pelas perdas financeiras das empresas é o vazamento.”

Ranking

“Mais de 1/3 de toda a água produzida no Brasil não é cobrada”, resume o economista da USP Rudinei Toneto Junior, um dos autores da pesquisa, responsável pela análise e cruzamento dos dados. “Nossa média é altíssima se comparada à de países europeus, que ostentam perdas menores que 10%.” Apenas dez unidades da federação ficam abaixo do índice nacional. As regiões que mais desperdiçam recursos financeiros na distribuição de água são o Norte (51%) e o Nordeste (45%). Mas isso não quer dizer que todos os estados dessas áreas possuem índices ruins. O campeão em perdas é o Amapá, onde mais de 70% da água tratada acaba não se traduzindo em ganhos financeiros às empresas de saneamento. Mas o Tocantins, também no Norte, tem uma das menores taxas de perda do país: 20%.

Essa relação também se observa no Nordeste. Se Alagoas fica em segundo lugar no ranking dos estados menos eficientes em distribuição de água, com perdas de 66%, o Ceará é o terceiro melhor do país, com 22%. De acordo com o estudo, o estado que melhor gestiona seus recursos hídricos fica no Centro-Oeste: Mato Grosso do Sul perde menos de 20% da água que distribui. Mas nem as regiões que se destacam no levantamento merecem aplausos. “Os sul-matogrossenses ostentam o menor patamar do país, mas, ainda assim, perde 1/5 da água”, ressalva Rudinei Toneto. “É preocupante.”

A preocupação dos autores do estudo nasce dos dados oficiais. O Brasil é atualmente a sexta potência econômica do mundo, mas ocupa apenas a 85ª colocação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, sem experimentar grandes evoluções. A posição deixa o país atrás de muitos vizinhos latino-americanos, como Argentina, Uruguai, Cuba, Chile, Costa Rica, México, Panamá e Venezuela. “Parte significativa dessa situação se explica por nossos níveis vergonhosos de saneamento básico”, relaciona Édison Carlos. Cerca de 54% da população não têm acesso à coleta de esgoto. Dos resíduos coletados, apenas 1/3 é tratado antes de voltar aos rios. Mais de 8 milhões de brasileiros não têm banheiro, nem mesmo fossa asséptica, e são obrigados a fazer suas necessidades ao ar livre. “Estamos com um pé no século 21 e outro, no sécúlo 19.”

Investimentos

Para resolver essa situação, a Agência Nacional de Águas estimou, em 2011, que o país deveria investir aproximadamente R$ 270 bilhões até 2030 na ampliação de redes, preservação de mananciais e obtenção de novas fontes. Assim, poderíamos universalizar o acesso ao saneamento básico. “Isso significa um desembolso anual de R$ 15 bilhões”, contabiliza Rudinei Toneto, “mas o país investe apenas R$ 8 bilhões por ano na área.” O economista explica que uma das principais razões para essa falta de dinheiro se deve à precária saúde financeira das empresas públicas e privadas do setor – o que dificulta captação de recursos em bancos, por exemplo. “Ninguém vai emprestar para companhias que fecham todos os anos no vermelho.”

Daí a importância de combater as perdas. O estudo fez pequenas simulações para demonstrar que ínfimas reduções no desperdício de água se traduzem numa grande economia de dinheiro, que poderia ser revertido em novos investimentos. Se o país reduzisse em apenas 10% seu desperdício de recursos, ou seja, se as perdas passassem dos atuais 37% para 34%, isso geraria um receita adicional de R$ 1,2 bilhão ao ano. “A redução de perdas é o maior desafio para a expansão do saneamento básico no Brasil, pois é capaz de gerar os recursos financeiros necessários para bancar as metas de universalização”, conclui Rudinei Toneto. “Se conseguíssemos alcançar um nível de perda média nacional de 20%, teríamos R$ 10 bilhões anuais para investir: são 2/3 da quantidade necessária para estender esse serviço a todos os brasileiros.”

De acordo com Édison Carlos, os ganhos poderão inclusive financiar os investimentos necessários para combater as própias perdas, gerando um ciclo virtuoso de eficiência. Para tanto, é necessário resolver alguns detalhes da distribuição que muito têm a ver com tecnologia. “Uma das medidas é regular a pressão das adutoras. Durante o dia, com muita gente usando água, a pressão nos encanamentos é menor, porque há mais vazão. De madrugada, quando as pessoas estão dormindo, a pressão aumenta tremendamente. Se você não tiver vávulas que regulam isso, ocorrem vários vazamentos pela cidade inteira”, aponta. “Isso é muito comum.”

O presidente ececutivo do Instituto Trata Brasil afirma que, com sistemas de controle para evitar e detectar vazamentos na rede, instalação de hidrômetros para medir com maior precisão o consumo de água, e manutenção constante nas adutoras, a situação pode ser remediada. “Medidas simples podem resultar em grandes ganhos. Em cidades com muitas perdas, qualquer medida vai reduzi-las bastante”, sugere. “É tanto problema que, se colocar um relés medidor ou válvula, melhora muito rápido.”