Dependentes de crack continuam desassistidos nas ruas de São Paulo

Pessoas com vínculos familiares são maioria das atendidas em Centro de Referência

Nenhuma internação compulsória foi realizada desde a instalação do plantão judiciário. Mas críticas permanecem (Foto: Gerardo Lazzari)

São Paulo – Um ano após a “Operação Sufoco” e duas semanas depois de iniciada a nova política de internações compulsórias e involuntárias, os problemas relativos ao consumo de crack no centro da cidade de São Paulo continuam exatamente do mesmo tamanho: centenas de usuários seguem vagando dia e noite pelas ruas do bairro da Luz, na região conhecida por cracolândia, sem qualquer programa ou ação governamental que aborde a questão para além as medidas de segurança e do atendimento emergencial. Movimentos e grupos que lidam de perto com tema criticam a ausências de políticas abrangentes de saúde e de assistência social, entre outras.

A “Operação Sufoco”, patrocinada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) e pela prefeitura na gestão Gilberto Kassab (PSD), teve início em 3 de janeiro de 2012. Seu objetivo declarado era dispersar os usuários na base de “dor e sofrimento”. Tudo o que conseguiu foi espalhar o problema para outras regiões da cidade e colecionar críticas da sociedade e do Ministério Público.

Às vésperas de a operação completar um ano, Alckmin veio de público anunciar o início do programa de internações compulsórias, colocado em prática no último dia 21. A iniciativa, também criticada, por não vir precedida de outras medidas e por levar ao risco de ações truculentas, provocou aumento na procura pelo Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras drogas (Cratod), no bairro Bom Retiro.

O temor de que de houvesse internações em massa e sem critérios não se confirmou. Segundo o Tribunal de Justiça do Estado, até agora ninguém foi internado contra sua vontade. Mas usuários de drogas, inclusive adolescentes, continuam a ser vistos a qualquer hora do dia em ruas próximas ao Cratod.

“Para nós, esse é mais um programa eleitoreiro. Quem está indo lá são as mães, procurar internações involuntárias e voluntárias. A população de rua da cracolândia continua na mesma”, afirma o presidente do movimento de pessoas em situação de rua, Anderson Miranda.

“Aconteceu o que nós prevíamos, as famílias que não se sentem atendidas ou não são atendidas de fato na rede de Caps (centro de atendimento psicossocial) pela cidade estão indo para lá querendo resultados imediatos”, avalia o coordenador da pastoral do povo da rua, Padre Julio Lancellotti.

As mudanças anunciadas pelo governador Geraldo Alckmin não alteraram o atendimento de saúde dado aos pacientes. A única novidade é que um plantão judiciário foi implantado e conta com juízes e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público e Defensoria Pública. Os magistrados atuam em casos em que há indicação médica para internação, mas o paciente não a aceita. Antes, as autorizações judiciais para esses casos demoravam meses; agora, podem sair em algumas horas.

A RBA foi ao Cratod no último dia (31) e conversou com pessoas que procuravam tratamento. Algumas delas já tinham passado períodos vivendo em ruas do bairro da Luz, mas mantinham vínculos familiares e endereço em outros bairros. Todas elas, apesar de afirmarem que procuravam tratamento voluntariamente, estavam acompanhadas por familiares.

“Eu já fui internado várias vezes, já fui amarrado, arrastado. Mas não adianta. Agora eu vim com as minhas pernas. E acredito que agora vai dar certo”, conta Cristian de Oliveira, de 33 anos, ao lado da esposa, dois filhos e do pai. Ele conseguiu uma vaga e aguardava a remoção caminhando entre o pátio e a calçada do Cratod.

“Clínica não recupera ninguém. Você vai para lá, fica forte, se desintoxica. Mas só se recupera se você está disposto a isso. Senão, fica um ano internado e quando saí vai usar de novo”, conta.

“Vim procurar informações para internar o meu primo. Me deram informações, me trataram bem. Agora eu preciso trazê-lo. Ele está disposto a se tratar. Tenho que aproveitar essa brecha”, conta Andreia P. da Silva. O rapaz de 28 anos é dependente em álcool e vive com o irmão no Itaim Paulista, zona leste de São Paulo.

Se para famílias que convivem com dependentes em casa, o atendimento no Cratod pareceu uma porta da esperança, para a população que vive nas ruas da cracolândia nada mudou. “Quem já está em situação de rua continua a mesma coisa. A polícia batendo, acionando sirene. Não adianta falar que o Cratod abriu. Abriu para quem? Para o povo da rua continua a mesma coisa”, lamenta Miranda, do movimento da população de rua.

Para ele, é preciso combater o traficante e ter políticas de saúde, assistência, educação, moradia. “Não adianta também dizer que vai fazer internação compulsória, involuntária e etc. e o sujeito depois voltar para a rua”, aponta.

Outra falha apontada é a centralização no Cratod. Para o padre Lancellotti, a corrida de pessoas, inclusive de outras cidades, para o Bom Retiro, poderia ser evitada se os governos do estado e a prefeitura se unissem para aumentar a rede de centros de atendimento psicossocial especializados em álcool e drogas, nos centros conhecidos como Caps.

Atualmente, 25 desses Caps funcionam na cidade, quantidade considerada insuficiente. Além disso, Lanceloti acredita que essa concentração pode prejudicar o atendimento de pessoas que já realizam tratamento.

“Esse número teria que ser dobrado. Assim como os governos do estado e da prefeitura fizeram uma parceria para construir creches, eles precisam fazer uma parceria para dobrar o número de Caps”, acredita. “É um atendimento complexo, que não traz resposta imediata. Mas se acharam que a cracolândia em uma semana ia ficar limpa, sem ninguém, como eles sempre sonharam, isso não é realizável. O que precisa é ter uma rede de atenção psicossocial pela cidade”, defende.

Com reportagem de Gisele Brito.