Obras da Copa: Comitês populares fazem planos alternativos à expulsão de famílias

Em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, moradores de áreas afetadas se organizam e apresentam projetos urbanísticos com apoio de consultorias e universidades

Famílias que moram no entorno do Itaquerão temem ser expulsas pela especulação imobiliária (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

São Paulo – Na capital paulista, planos urbanísticos alternativos para evitar a remoção de comunidades em decorrência das obras da Copa e das Olimpíadas estão sendo concebidos com a participação dos próprios moradores. Os comitês populares da Copa da cidade recorreram a consultorias de arquitetura e urbanismo de universidades e organizações parceiras para elaborar projetos que garantam a permanência das famílias no local.

“Uma vez que o Estado não apresenta à população o seu projeto, a gente se antecipa e constrói o nosso próprio plano, que será instrumento de negociação com o governo para mostrar que existem alternativas para a comunidade permanecer no local”, defende a advogada Juliana Machado, integrante do Comitê Popular da Copa de São Paulo. As diretrizes para a urbanização da Vila da Paz, nas imediações do estádio Itaquerão, zona leste de São Paulo, foram apontadas por quem vive há pelo menos uma década na área.

A advogada explica que o projeto garante a área de proteção ao redor do córrego que existe no local e a segurança dos moradores em relação à linha de metrô. “E garante, sobretudo, a permanência das famílias em uma área que está em processo de valorização muito rápida. Lá há metrô, trem, escola, creche e hospital. É uma área já urbanizada, guarnecida de infraestrutura”, enumera Juliana. Ela estima que cerca de 320 famílias da comunidade devem ser afetadas com a obra de um parque linear previsto para a área.

De acordo com a prefeitura de São Paulo, a única obra paulista inscrita na Matriz de Responsabilidade da Copa foi a linha 17 – Ouro da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), que ligará, dentre outros pontos, o aeroporto de Congonhas a Morumbi. A assessoria de imprensa da Secretaria Especial de Articulação para a Copa do Mundo de 2014 esclareceu que também existem obras relacionadas ao evento que não fazem da parte da matriz, a exemplo das obras viárias no entorno da arena Corinthians, em Itaquera. Essas obras, no entanto, não demandariam desapropriações, segundo o município.

Para Juliana Machado, mesmo que a obra de urbanização da Vila da Paz não esteja vinculada diretamente ao evento esportivo, a proximidade territorial com o estádio faz com que o comitê acompanhe também os projetos na área. “Entendemos que, junto com os megaeventos esportivos, virão os megaprojetos: grandes obras, de grande impacto socioambiental”, disse.

A prefeitura reconhece que há interesse do poder público de urbanizar a comunidade Vila Paz. Essa proposta está inserida em perspectiva de requalificação da zona leste da cidade. A assessoria informou que, se possível, o projeto será desenvolvido até a Copa, mas os estudos referentes à área ainda estão sendo feitos e não há como adiantar detalhes da ação. O órgão reforçou que existe preocupação em manter as famílias na mesma região que em moram.

Rio de Janeiro

O desejo de permanecer no local que habitam há mais de 40 anos também foi o que motivou os moradores da Vila Autódromo, na Barra da Tijuca, zona sul da capital, a elaborar proposta popular de urbanização. “[Nossa intenção é] mostrar que é possível manter a comunidade no local, fazer as obras que interessam à sociedade e melhorar a qualidade de vida daquelas pessoas”, justifica Marcelo Braga Edmundo, diretor da Central de Movimentos Populares (CMP), integrante do comitê carioca.

Edmundo critica a falta de clareza do governo municipal quanto à real finalidade do projeto. “Já foram dadas justificativas diferentes para a retirada dessa comunidade: questão ambiental, parque olímpico, alça de acesso, mas não se define ao certo. O que se percebe é que o principal, o que mais interessa, não importa a razão, é retirar a comunidade dali”, avalia. O projeto foi feito em parceria com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A prefeitura do Rio de Janeiro informou, por meio de nota da assessoria de imprensa, que a previsão é de que as famílias sejam transferidas da Vila Autódromo para um condomínio a cerca de um quilômetro das moradias atuais. O novo local contará com equipamentos públicos como creche e escola e área para implantação de atividades comerciais, segundo informações do governo municipal. O conjunto habitacional deve ficar pronto no primeiro semestre de 2014. No local, será instalado o Parque Olímpico, que será a principal instalação dos Jogos Olímpicos de 2016.

A nota da prefeitura destaca ainda que a comunidade está “localizada às margens da Lagoa de Jacarepaguá, em área de preservação ambiental cortada por três rios, onde não poderia haver qualquer tipo de construção. Atualmente, as famílias vivem em condições precárias, de forma irregular, sem infraestrutura adequada de serviços de água, esgoto, drenagem e pavimentação”. Apesar de questionado, o governo municipal não comentou a iniciativa dos moradores de construir um projeto urbanístico popular para a área.

Porto Alegre

Para evitar grandes deslocamentos de comunidades que terão casas desapropriadas em decorrência de obras da Copa do Mundo, o Comitê Popular de Porto Alegre têm se dedicado a identificar terrenos na mesma região para a construção das novas casas. “Isso tem de ser apontado como possibilidade. Foi uma grande vitória a gente ter conseguido áreas na região da Grande Cruzeiro, onde vai ser construída a Avenida Tronco, para reassentamento das famílias”, comemora a arquiteta e urbanista Cláudia Fávaro, integrante do comitê.

Na avaliação do comitê gaúcho, essa medida ajuda a diminuir os impactos provocados pelas remoções relacionadas à Copa. “Em Porto Alegre [repete-se] o que acontece no país:  a estratégia do poder público de fazer negociações individuais, de manter, estrategicamente, as famílias desinformadas para que elas não possam se mobilizar. Os conjuntos habitacionais que são apresentados como solução ficam em regiões periféricas da cidade sem infraestrutura”, avalia.

De acordo com a relatoria especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada, dados de abril de 2011 mostram que só em Porto Alegre 10 mil famílias podem ser removidas em decorrência de megaprojetos de infraestrutura, como a ampliação do Aeroporto Salgado Filho, a duplicação da Avenida Tronco e outras obras de mobilidade.

Segundo Fávaro, a população reconhece a necessidade de duplicação da Avenida Tronco, obra que promete desafogar o acesso à zona sul da capital. “A própria comunidade quer a obra. Sair do leito da avenida não é o problema, a questão é como as famílias estão sendo tratadas e para onde vão ser realocadas”, afirma. Ela lembra que os moradores da área, através do Orçamento Participativo, conquistaram equipamentos de infraestrutura, como escola e posto de saúde. “As pessoas construíram o bairro e não querem sair de lá”, destaca.

A arquiteta avalia que os comitês populares pressionam o poder público a respeitar direitos fundamentais garantidos, por exemplo, pelo Estatuto das Cidades, o qual estimula a instalação da população de baixa renda em áreas dotadas de infraestrutura. “Quanto mais aperta o tempo para a Copa, mais violações ocorrem. É uma máquina avassaladora que vem vindo com a Copa e se não houver organização, ela passa violentamente”, critica.

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