Sem debate, Câmara de São Paulo deixa de cumprir anseios da população

Marcados por projetos de baixo impacto e amarrados a ações pontuais com vistas à reeleição, vereadores da cidade veem cair relevância de suas ações

São Paulo – Na última eleição municipal, os paulistanos deram sinais de insatisfação com a atual legislatura da Câmara Municipal, que termina em 31 de dezembro. A taxa de renovação está acima da média histórica – em 2008, foi de 28%, e neste ano chegou a 40%.

Apesar de ser considerada como positiva por especialistas, a renovação de nomes não muda muito a essência da Casa, fragmentada partidariamente e com cores ideológicas assentadas no chamado “centrão”. Entre os mais votados nestas eleições estão representantes legítimos dessa corrente majoritária. O incremento da bancada evangélica, que passou de cinco para oito integrantes, e da chamada “bancada da bala”, formada por defensores do recrudescimento de políticas de segurança e policiais militares da reserva com mortes em seus currículos, marcam a intensificação de uma tendência conservadora.

O PT, partido do prefeito eleito Fernando Haddad, elegeu sozinho o maior número de vereadores, 11, mas a coligação que apoiou José Serra (PSDB), o candidato derrotado na disputa para prefeito, angariou a maior bancada, com 25. Parte desses partidos, no entanto, já deu sinais de que vai compor a base de Haddad, que tinha apenas 16 ao final do sufrágio. Roberto Tripoli, por exemplo, foi eleito pelo PV, da coligação encabeçada pelo PSDB, como candidato a vereador mais votado da capital paulista, contabilizando 132.313 votos; segundo sua própria avaliação, a vitória nas urnas é resultado de sua atuação em defesa dos animais. Mas seus eleitores não poderão contar com ele na Câmara, já que vai assumir a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, dando lugar a seu suplente no Legislativo, Abou Anni (PV).

Confira na animação a nova casa legislativa paulistana a partir de 1º de janeiro de 2013

Arte: Julia Lima

Além de Tripoli, também saem da Câmara para integrar o secretariado do novo prefeito Eliseu Gabriel (PSB), que deixa a vaga de vereador para Alessandro Guedes (PT); Netinho de Paula (PC do B), substituído por Orlando Silva, do mesmo partido; e Donato (PT), assumindo Wadih Mutran (PP).

Quinze partidos vão dividir as 55 cadeiras da Câmara Municipal de São Paulo. Mais de mil pessoas se candidataram a essas vagas e apenas 26% do eleitorado que compareceu às urnas conseguiu eleger um representante. “É pouquíssimo. Uma minoria. E, mesmo assim, muitos não sabem mais em quem votaram”, comenta o professor de ciência política da Escola de Sociologia e Política Rui Tavares. “A fragmentação partidária é muito marcante. Quase ninguém elege alguém. Os maiores partidos não conseguem eleger maioria. Então isso torna a vida muito mais difícil. O prefeito consegue maioria, mas tem de fazer alianças”, avalia.

A mesa diretora da Casa pode ser composta principalmente por oposicionistas do governo Haddad, graças à expressiva votação de nomes como Andrea Matarazzo (PSDB), segundo candidato mais votado para o próximo mandato do Legislativo municipal. Ex-ocupante de várias pastas nas gestões Serra-Kassab, mas estreante na Câmara, Matarazzo é considerado “inimigo” dos movimentos sociais e deve ter papel importante na Câmara como uma das principais vozes da oposição.

Atribuições

Além da movimentação no tabuleiro político, existe o papel real do vereador, que é representar o cidadão em suas diferentes necessidades. “Eles [os políticos] partem da pressuposição falsa de que governar com maioria é bom para a sociedade. Isso é bom para o governante, não necessariamente para a sociedade”, diz o diretor do Instituto Ágora, Gilberto de Palma, que compõe o Grupo de Trabalho de Acompanhamento Legislativo da Rede Nossa São Paulo. Palma aponta que o trabalho da Casa está cada vez mais esvaziado de suas funções primordiais. “Segundo a Constituição, a primeira atribuição deles é fiscalizar o Executivo. E essa é a dimensão mais fraca da atividade de um vereador.”

“O bom vereador e a boa vereadora são aqueles que legislam sobre temas universais, que extrapolam suas bandeiras. É aquele que guarda uma coerência com suas bandeiras, mas não está desprovido de capacidade para legislar sobre as demais coisas”, avalia.

Os moradores do Jardim Brasília, na zona norte da capital, conviveram com todas as características exatamente contrárias às apontadas por Palma para um bom legislador. Há dois anos, a moradora Rute Aparecida Egg da Costa Silva e seus vizinhos lutam para conseguir a instalação de uma Unidade Básica de Saúde no bairro, que é carente de atendimento. Eles chegaram a encaminhar cartas para todos os 55 vereadores da cidade relatando a necessidade da instalação de um posto de saúde no bairro. Alguns simplesmente não responderam.

Outro vereador chegou a afirmar que não poderia ajudá-los porque atuava na zona sul, e não na norte, onde o grupo reivindicava a UBS.

Um deles chegou a marcar uma reunião com os moradores e, diante deles, solicitou a um assessor que incluísse uma emenda no Orçamento de 2011 para atender à demanda da comunidade. Felizes, Rute e seus amigos aguardaram um tempo e depois voltaram a cobrar. Foi quando descobriram que haviam sido enganados e que a emenda feita pelo vereador – cujo nome os moradores preferem não divulgar – era apenas simbólica. “Ele colou apenas R$ 1  no orçamento para fazer a UBS. Aquilo acabou com a gente”, conta Rute.

Última legislatura

Para o professor Rui Tavares, a Câmara Municipal deixou há algum tempo de ser uma “caixa de ressonância” da sociedade, o que intensifica as desconfianças sobre o Legislativo, que, segundo ele, está sendo questionado desde meados do século vinte e tachado como um “poder lento”. 

A legislatura que termina no final deste mês não fugiu a esse padrão, avaliam os especialistas ouvidos pelo RBA, com destaque apenas para a aprovação de indicadores de desempenho das subprefeituras, a apresentação de projetos de bancada e suprapartidárias e a aprovação da lei de Metas. 

Tavares explica que os projetos que têm como mote a estrutura da cidade têm sido propostos pelo Executivo municipal. “Os vereadores procuram ter base geográfica, mais do que de corrente de opinião. Isso faz com que os projetos tenham uma característica de pontualidade mesmo, porque ele precisa reforçar os elos com a base com que está comprometido. Então a tendência é que o Executivo atue de maneira mais ampla e o legislativo acabe por atuar de maneira mais pontual”, acrescenta Tavares.

Outro cenário também identificado pelos especialistas é que a Câmara tem se ocupado de projetos de baixo impacto, como nomeação de logradouros, criação de datas comemorativas, entregas de títulos e homenagens. Nas últimas legislaturas, estas propostas chegaram a 80% das atividades parlamentares na cidade de São Paulo. “É necessário dar nomes às ruas, porque sem nomes você não consegue chegar lá com os serviços, mas, na escala em que isso é feito, seguramente podemos dizer que é moeda de troca”, aponta Palma. Para ele, os vereadores se utilizam desse expediente para conseguir votos em uma determinada comunidade.

O diretor do Instituto Ágora também vê como negativo o crescimento da bancada evangélica, assim como a chegada ao parlamento de celebridades, categoria que perdeu espaço com a não eleição de vários ex-jogadores de futebol e a não reeleição do cantor Agnaldo Timóteo. “O cara se elege representante dos religiosos, dos pentecostais. De cara já existem alguns problemas quando a gente tem em mente a democracia plena em um Estado laico. Será que eles estão aptos para legislar sobre assuntos universais? A história tem mostrado que não. O cara é um bom cantor, mas isso não necessariamente quer dizer que ele é bom vereador.”