Comitê quer audiência pública sobre violência com Eduardo Cardozo e Alckmin

Em 25 dias, ao menos 150 pessoas foram mortas. Atos estão sendo preparados para semana da consciência negra. Reunião teve clima tenso e medo de espionagem

São Paulo – Não teve cervejinha depois da reunião do Comitê Contra o Genocídio da População Pobre, Negra e Periférica, ontem (8), na sede do Sindicato dos Advogados de São Paulo, na Bela Vista, região central. Assim que ela foi dada como encerrada, os participantes que permaneceram até o final se dispersaram rapidamente. Todos precisavam chegar em suas casas em diversos bairros da periferia de São Paulo e cidades da região metropolitana da cidade o quanto antes em função do clima de terror instalado pelos crimes ocorridos nas últimas semanas. Antes mesmo do fim, várias pessoas precisaram adiantar suas opiniões e deixar o local pela mesma razão. No meio da reunião, um dos participantes recebeu a notícia por celular de que o “couro estava comendo” em Cotia e Osasco.

Sob tensão, ficou decidido que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) serão convocados a participar de uma audiência pública e, além das atividades por conta do dia da Consciência Negra (20), outros atos estão sendo preparados. Em 22 de novembro, uma passeata percorrerá o centro de São Paulo. No dia seguinte (23) uma manifestação será realizada em Santos, cidade do litoral na qual desde 2006 dezenas de jovens foram assassinados, ao que tudo indica, por grupos de extermínio formados por policiais.

Entre os presentes, ninguém tem dúvida: a violência parte de policiais que atuam encapuzados, em carros escuros ou em motos. “A violência do Estado é seletiva, mata negros, pobres, jovens. O crime organizado, como se define em sociologia da violência, é cometido e encabeçado pelo Estado”, argumenta um participante, que pediu para não ser identificado.

A sensação de insegurança dominava a própria reunião. Com a adesão de novos coletivos e pessoas ao Comitê muitos desconhecidos tomaram assento na sala. A desconfiança é que alguns deles sejam “P2”, policiais infiltrados colhendo informações, identificando rostos. Gravações e fotografias da reunião não foram permitidas nem mesmo aos repórteres convidados a participar para preservar os participantes. Várias vezes o aviso de que era preciso tomar cuidado com o que se dizia foi dado. Mas, quase sempre, o alerta de prudência era acompanhado pelo imperativo “não podemos nos acovardar”. 

A situação de vários bairros foi narrada por quem vive a realidade deles diariamente. Uma das presentes contou que no final de outubro participou da reunião apenas como representante do movimentos de mulheres, mas que daquela vez ela era mais uma familiar de vítima da violência que apavora as periferias: um de seus primos foi baleado. Felizmente, e talvez por mera sorte, não foi fatal. 

Assessores de parlamentares presentes e representantes de órgãos oficiais de defesa dos direitos humanos tiveram de ouvir cobranças, críticas e desabafos. “Estamos criando aqui um verdadeiro conselho de direitos humanos popular. Com legitimidade. Porque infelizmente muitos desses que estão aí, que são oficialmente procurados pelo Estado, não têm o pé sujo de lama, não vão em velórios”, apontou o representante de um dos coletivos. 

“Nós esperávamos que depois da reunião do ministro com o governador eles iriam mandar as forças de segurança para cuidar dos policiai e não para vir atrás de nós”, diz outra participante mãe de uma das vítimas dos Crimes de Maio de 2006 fazendo uma crítica à Operação Saturação, que tem mantido grandes contingentes policiais em favelas e bairros pobres. 

“As familiares estão sendo menosprezadas”, classifica uma “mãe de maio” depois de lembrar que algumas mulheres que perderam seus filhos recentemente não puderam comparecer à reunião porque não tinham dinheiro para pagar a condução. 

“Nos últimos 25 dias, pelos menos 150 civis foram mortos. E não houve nenhuma palavra dirigida a ssas famílias por parte do Estado. Para os policiais foi oferecida palavra de pesar, foram oferecidos recursos, contingente. Para as famílias, nada. E em uma situação dessas, o pesar serve pelo menos como recursos terapêutico para a familiar”, apontou outro participante.